O enfrentamento da crise climática promete transformar, nas próximas décadas, todos os setores econômicos que conhecemos hoje. Para evitar uma piora dos eventos climáticos e para que as metas do Acordo de Paris sejam cumpridas, será necessária uma mudança semelhante à causada pela Revolução Industrial, que mudou de forma radical a produção e utilização de energia para fabricação de bens e serviços.
Ao mesmo tempo em que é capaz de arruinar alguns setores, toda essa transformação abre uma janela de oportunidades para inovações disruptivas, capazes de gerar negócios lucrativos e empregos. No plano dos países, aqueles que souberem antecipar tendências e se adaptar podem se tornar protagonistas da nova economia de baixo carbono.
As mudanças na economia real, claro, vão se refletir nos fluxos de investimento. Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional, entre recursos públicos e privados, será necessário investir cerca de US$ 5 trilhões (R$ 27,5 trilhões pela cotação deste terça-feira, 17) por ano para que as emissões líquidas globais sejam zeradas até 2050, o que vai exigir um redirecionamento “tectônico” de recursos. Durante as próximas décadas, devemos assistir a uma corrida de empresas, investidores e fundos para se tornarem protagonistas nessa nova economia.
Por suas condições naturais favoráveis ao desenvolvimento de setores estratégicos do futuro - como a restauração florestal, a agricultura regenerativa e o hidrogênio verde -, o Brasil tem boas condições de partida nessa disputa e pode se tornar um polo de atração de investimentos em tecnologias de baixo carbono. Além disso, a capacidade já instalada em energias renováveis coloca o Brasil em uma posição privilegiada: somos o país do G-20 com o maior porcentual de geração de energia renovável e com a mais ampla utilização de biocombustíveis.
De acordo com estudo do Boston Consulting Group (BCG), o Brasil pode atrair até US$ 3 trilhões (R$ 16,5 trilhões) em investimentos climáticos até 2050. No entanto, apesar desse potencial, recebe hoje apenas uma parcela muito pequena dos investimentos climáticos privados globais.
Para mudar esse cenário, o Brasil tem uma série de desafios internos a enfrentar. Entre eles, reduzir o desmatamento, melhorar o ambiente de negócios para os setores de economia de baixo carbono, fornecer clareza sobre suas metas e compromissos de redução de gases do efeito estufa, desenvolver políticas públicas que gerem previsibilidade de longo prazo para investidores, criar mecanismos de crédito acessíveis e apropriados, entre outros.
No entanto, mesmo que todos esses pontos sejam tratados de forma eficiente, existe uma lacuna pouco explorada: a imagem do Brasil no exterior em relação à questão climática e sua capacidade de se promover como um hub global de soluções climáticas.
Um bom paralelo é a performance do Brasil no setor de turismo internacional. Apesar de suas praias exuberantes, parques nacionais de rara beleza, e o título de detentor da maior biodiversidade e floresta tropical do planeta, o Brasil ocupa apenas a posição 33 no ranking de destinos turísticos internacionais. Ficamos atrás de países pequenos como República Dominicana, Holanda e Albânia, assim como dos nossos vizinhos argentinos.
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Esse desempenho deve-se, em grande parte, ao fato de que, historicamente, o Brasil tem sido pouco eficaz na promoção de seu potencial turístico internacionalmente. Muitos países, ao longo das últimas décadas, adotaram campanhas específicas e estratégias bem definidas para atrair turistas internacionais, resultando no aumento do fluxo de visitantes e, consequentemente, na geração de empregos e renda. Um exemplo próximo é o Peru, que cresceu seis vezes sua receita advinda do turismo entre 2001 e 2019.
Não podemos, portanto, repetir o erro de negligenciar a questão da nossa imagem no exterior no contexto da economia de baixo carbono. Apesar de o Brasil desempenhar um papel importante nas negociações climáticas da ONU, nossa participação em fóruns privados, onde se discutem parâmetros e regulações que moldarão as rotas tecnológicas do futuro, ainda é tímida.
Por exemplo, não há brasileiros hoje nos conselhos de instituições-chave como a Verra, certificadora que define as diretrizes para a maior parte dos créditos de carbono florestal, ou o International Sustainability Standards Board (ISSB), órgão que cria e promove padrões globais para a divulgação de informações sobre sustentabilidade por parte das empresas.
Apesar do teor técnico de várias dessas discussões, obviamente há interesses geopolíticos em jogo. Padrões que não consideram as características dos países tropicais, e do Brasil especificamente, podem reduzir a relevância de rotas tecnológicas relevantes para nós.
Se o Brasil tem a ambição de se posicionar como um hub global de soluções climáticas e atrair uma fatia significativa dos investimentos destinados a essa agenda, deve ser mais ativo nesses fóruns, principalmente os privados. Além disso, é necessário desenvolver uma estratégia integrada de advocacy internacional entre governo, setor privado e sociedade civil para promover os potenciais que já existem e consolidar a narrativa de que o Brasil pode ter papel relevante na transição global para uma economia de baixo carbono.
O advocacy parte de uma condição favorável. Não se trata apenas de potencial futuro. Atualmente, o Brasil já produz diversos bens e soluções com uma pegada de carbono significativamente menor do que muitos países desenvolvidos.
Esse objetivo ganha ainda mais relevância à luz das oportunidades atuais, com a liderança do Brasil no G20 e a realização da COP30 em Belém. É fundamental que o país aproveite essa visibilidade para amplificar sua mensagem.
A participação ativa do Brasil em cúpulas climáticas e em eventos internacionais do setor privado, como o Brazil Climate Summit, que tem início amanhã em Nova York, é um passo importante nessa direção.
Para além das lições de casa internas, é hora de o setor privado, o setor público e a sociedade civil unirem esforços e dedicarem tempo, energia e recursos à estratégia de advocacy e à construção da imagem de um Brasil que pode ser protagonista nesse novo ciclo de desenvolvimento global. Caso contrário, corremos o risco de perder mais uma oportunidade de desenvolvimento e continuarmos a ser o eterno “país do futuro”.
* Jorge Hargrave é diretor da Maraé Investimentos e co-fundador do Brazil Climate Summit (BCS)