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Proagro é mal gerido e sujeito a fraudes, diz assessor especial do Ministério da Agricultura

Carlos Ernesto Augustin defende revisão do programa voltado a pequenos e médios agricultores, bem como um redesenho de toda a política de seguro rural do País

Foto do author Bianca Lima
Foto do author Anna Carolina Papp
Por Bianca Lima e Anna Carolina Papp
Atualização:

BRASÍLIA – O assessor especial do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Carlos Ernesto Augustin, é enfático nas críticas ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), uma espécie de seguro rural voltado aos pequenos e médios produtores – o qual conta com subsídios do governo e está na mira da equipe econômica e do Banco Central.

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“O Proagro é mal administrado e sujeito a fraude e, por isso, deve ser revisto”, afirmou Augustin ao Estadão/Broadcast. “Hoje, é quase um assistencialismo. O agricultor não paga e o banco faz de tudo para pegar o Proagro. Tem caso de um mesmo agricultor que usou o programa 20 anos seguidos”, diz o assessor do ministro Carlos Fávaro, que defende uma ampla reformulação no sistema de seguros rurais existentes hoje no País.

Criado há mais de 50 anos, o Proagro tem o objetivo de socorrer pequenos produtores em caso de eventos climáticos extremos ou pragas e doenças sem controle. Nessas hipóteses, o beneficiário fica isento de pagar os financiamentos rurais de custeio agrícola, que são assumidos pela União.

Augustin defende reformulação completa do seguro rural no Brasil e diz que governo avalia o modelo paramétrico, que usa a tecnologia a favor do produtor.  Foto: Wilton Junior

Nos últimos anos, porém, uma combinação de mudanças climáticas, suspeita de fraudes e desenho visto como falho (com bancos que concedem o crédito sendo os mesmos que avaliam o pagamento do seguro) levou a um crescimento vertiginoso no orçamento do programa – que alcançou quase R$ 10 bilhões em 2023.

As críticas de Augustin encontram amparo em relatório recente do Tribunal de Contas da União (TCU), o qual aponta deficiências na coordenação e fiscalização do Proagro, falta de clareza na definição do público-alvo e permissividade com condutas avaliadas como negligentes por parte de produtores.

Esses alertas contribuíram para a revisão das normas do programa, realizada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), no início desse mês. O colegiado é formado pelos ministérios da Fazenda e Planejamento e Orçamento, além do Banco Central. Na ocasião, decidiu-se, dentre outras modificações, pela limitação do público elegível.

A expectativa é de que haja uma redução de custo de R$ 935 milhões no segundo semestre deste ano e de R$ 2 bilhões em 2025, segundo a autoridade monetária.

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A ideia do Ministério da Agricultura, já vocalizada pelo ministro Fávaro, é de que os recursos economizados sejam redirecionados ao Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR) – mecanismo mais amplo do que o Proagro, em que o risco fica com as seguradoras privadas e não com o Tesouro. A expectativa da pasta é destinar cerca de R$ 3 bilhões ao PSR na safra 2024/25. Atualmente, o valor orçado é menos de um terço disso: R$ 964 milhões.

Mas, por enquanto, não há garantias de que o remanejamento de fato ocorrerá. Pressionada a cortar gastos, a equipe econômica incluiu esses valores no seu programa de revisão de despesas e poderá usar parte do montante para melhorar o resultado das contas públicas. A decisão de aumentar o orçamento do seguro rural terá de passar pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), formada pelos titulares da Fazenda, Planejamento, Gestão e Casa Civil.

A bancada ruralista no Congresso e entidades ligadas ao agronegócio, que são críticas às mudanças realizadas no Proagro, também alertam que o programa voltado aos pequenos agricultores não pode ser contingenciado (bloqueado), enquanto que o PSR está sujeito a bloqueios. Ou seja, mesmo que o remanejamento de verbas ocorra, ele poderá ser inócuo caso haja a necessidade de congelar despesas do Orçamento.

Redesenho do seguro rural

Para Augustin, o problema do seguro rural no Brasil não está apenas no volume alocado, considerado por ele como irrisório para a necessidade do setor, mas também no desenho da política pública.

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“Como é o seguro rural nos Estados Unidos? 85% da área americana é segurada e o custo médio é de 12%, sendo que o governo americano paga 65% desse custo”, diz o assessor especial do Mapa, destacando que os EUA têm recursos cinquenta vezes mais volumosos do que o Brasil para essa finalidade.

“Aqui, o custo é de 6% e o governo paga uns 30% disso. Ou seja, o valor do prêmio é baixo, ele segura muito pouco (em termos de área atendida) e o subsídio do Estado é pequeno. Tem de repensar tudo”, afirma.

Dados do próprio Ministério da Agricultura mostram que a área coberta pelo programa de subvenção ao seguro rural no País vem caindo desde 2021, quando somou 14 milhões de hectares segurados. Em 2022, a área coberta passou para 7,2 milhões de hectares e, no ano passado, atingiu a menor extensão desde 2020, com 6,2 milhões de hectares segurados. Em 2023, a subvenção alcançou 107 mil apólices de cerca de 70 mil produtores, com valor coberto próximo a R$ 40 bilhões.

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“Temos de inaugurar outra conversa: criar um seguro caro, com subsídio alto. E o agricultor que não quiser fazer, não precisa, mas aí o problema é dele. Depois, não me venha chorar as pitangas. É isso o que acontece nos EUA”, opina Augustin, destacando que o governo deveria centralizar os subsídios rurais na ferramenta do seguro e que, assim, poderia ter um mecanismo mais robusto.

Além da mudança nos parâmetros, ele defende alterações no formato do produto. “O seguro no Brasil tem sido um seguro do crédito rural, do banco, e não do agricultor. Se a gente quiser fazer um seguro correto, tem de fazer seguro da renda”, afirmou Augustin. Ele se refere ao fato de o modelo atual garantir o pagamento dos financiamentos tomados pelo agricultor, e não a renda esperada por ele na safra.

Augustin afirma que o seguro chamado de paramétrico pode ser uma solução e que isso está sendo avaliado dentro do ministério. Trata-se de uma cobertura mais personalizada ao produtor, que usa como referência índices climáticos pré-definidos, como, por exemplo, parâmetros climáticos das regiões, incidência solar, volume de chuvas e as necessidades pluviométricas da cultura a ser assegurada.

Esses indicadores são a base para o cálculo do valor das apólices e também para a liberação das indenizações.

“Por meio de softwares, a seguradora sabe qual é a melhor época para o plantio, a melhor variedade e o manejo adequado. Ou seja, ela orienta. E para ter o valor mais baixo do seguro, é necessário seguir esses passos”, explica Augustin. Segundo ele, essa modalidade vem ganhando força em países da América Latina, como México, Colômbia e Chile.

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