Túlio Kruse/ Especial para O Estadao
Quando decidiu se inscrever em um curso de intercâmbio nos Estados Unidos, o analista Felipe Lamounier estava em um emprego estável havia quase oito anos e era considerado um grande talento na empresa de softwares onde trabalhava, em Belo Horizonte. Aos 29 anos, tinha liberdade para escolher os projetos em que trabalharia e já havia recebido mais de um aumento. Lamounier, no entanto, sentia falta de "propósito" em sua função. Insatisfeito, estudou e foi aprovado em um curso de Marketing e Negócios Internacionais na Universidade da Califórnia em Berkeley. Fez as malas e mudou para São Francisco, na Califórnia.
"O marketing era uma coisa que complementava todo o conhecimento que eu tinha em tecnologia", diz Lamounier, que é formado em Ciências da Computação. Durante o intercâmbio, conheceu dois brasileiros interessados na cultura das startups californianas, e foi convidado por eles, meses depois, para se tornar sócio da StartSe, empresa focada em difundir o empreendedorismo e a inovação no Brasil. Hoje, o escritório americano da empresa, no Vale do Silício, está sob sua direção. "Foi uma mudança gigantesca na minha vida. Sou outro."
A parcela dos brasileiros que vai ao exterior em busca de cursos profissionalizantes, como Felipe, está crescendo. A Belta, associação nacional que reúne agências de intercâmbio, alega não ter os números, nem mesmo do total de brasileiros que vão estudar fora. Mas segundo dados oficiais dos EUA, 13 mil estudantes daqui foram para lá no ano letivo 2016/2017. Como o país é destino de 19,6% dos brasileiros, segundo a Belta, é possível estimar em 66,8 mil o número total de intercambistas brasileiros em 2016.
Atualmente, pessoas de 25 a 39 anos representam mais de 45% desse pessoal. Quase 40% estão empregados no momento em que decidem viajar. Destinos como Canadá, Irlanda e Austrália, que têm regras favoráveis à emissão de vistos com permissão para o trabalho remunerado, estão entre os mais procurados. "Acreditamos que as pessoas viram nisso uma oportunidade de investir em si para retomar a carreira na hora em que o mercado aprumar", avalia a presidente da Belta, Maura Leão.
Embora a demanda de estudantes que buscam esses cursos tenha aumentado, o número de inscritos no chamada "intercâmbio sanduíche", pelo qual o aluno passa seis meses ou um ano da graduação no exterior, despencou de 6,7 mil para 1,1 mil - queda de 83% - com o fim do programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal.
Contrato. O contador Mateus Herculano, de 23 anos, fez uma especialização em Administração no Greystone College, em Vancouver, no Canadá. Em seis meses, ele cursou disciplinas de Estratégia, Marketing e Negócios Internacionais, e teve uma experiência de estágio não remunerado durante três meses. Quando voltou ao Brasil, foi contratado como gestor de contratos de construção na Companhia Paranaense de Energia (Copel), em Curitiba.
"Ter essa experiência no exterior com certeza ajudou a me colocar onde estou agora", avalia Herculano. "Mesmo que eu tivesse sido contratado (sem ter feito o intercâmbio), eu não teria me dado tão bem. O fato de eu ter ido para fora do País, com certeza contribuiu para estar em um projeto muito mais harmonioso e bem executado."
A procura por cursos profissionalizantes cresceu nos últimos dois anos, de acordo com o diretor regional da agência de intercâmbios World Study, Paulo Bello. Para ele, as especializações ficaram mais baratas em relação a cursos no Brasil.
"Antigamente, existiam menos cursos com esse perfil no exterior, e eram mais caros. Estavam um pouco mais distante da realidade do brasileiro." Ele afirma que viu muitos intercambistas usarem a experiência para mudar de profissão."Uma boa parte (dos interessados) são pessoas já formadas que estão pensando em mudar de área ou estão desempregados aqui e tentando começar uma vida nova", afirma Bello.
A mudança de carreira foi o que motivou a goiana Carolina Siqueira, de 22 anos, a procurar um intercâmbio. Um ano atrás, ao se formar como publicitária na Escola Superior de Publicidade e Marketing (ESPM), em São Paulo, ela sabia que não queria seguir na profissão. Resolveu, então, buscar uma especialização em Finanças e no ano passado foi aprovada na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA).
Depois de um ano de estudo e trabalho no exterior, Carolina está de volta e quer pleitear vagas para trabalhar em gestão de investimentos em empresas de venture capital, aceleradoras ou startups - ramo pouco provável para um profissional da Publicidade, mas não para quem conheceu as principais fintechs (empresas de serviços financeiros focadas em inovação tecnológica) do mundo na Califórnia.
"Fui estudar Finanças porque sabia que precisava de uma vantagem competitiva quando voltasse para o Brasil. Vejo que hoje estou muito bem em relação a conhecimento técnico. Sinto-me mais segura para pleitear uma vaga."
Auto-conhecimento é pré-requisito
Autoconhecimento, pesquisa rigorosa e domínio do idioma são os pré-requisitos mais importantes para quem está a procura de uma especialização profissional no exterior, segundo especialistas em intercâmbios. Para eles, é mais importante definir a universidade de destino com base nas habilidades pessoais que o interessado quer desenvolver do que simplesmente procurar universidades com renome internacional.
Para Nathalia Bustamante, coordenadora do portal Estudar Fora, o primeiro passo no planejamento é a pesquisa: análise das grades de disciplinas, formação dos professores, possibilidades de estágios, permissão para o trabalho remunerado no país etc.
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