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Concessões ‘light’ de 70 rodovias federais podem driblar falta de recursos públicos; veja quais são

Estudo aponta que rodovias de 13 Estados, que somam mais de 8,4 mil quilômetros de estradas, poderiam ser concedidos em pequenos trechos, de forma a garantir boas condições de tráfego a preços mais baixos de pedágio

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A criação de modelos simplificados concessões de estradas, com menos exigência de obras e intervenções, poderia aliviar a pressão sobre o orçamento federal, incapaz de garantir a manutenção mínima das rodovias, e oferecer um trecho mais seguro para a população, com tarifas mais baratas. A conclusão é de um estudo que acaba de ser concluído pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

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O relatório, ao qual a reportagem teve acesso, faz um pente-fino nas estradas federais, para encontrar aquelas que hoje precisam de manutenção constante e que, dado o volume de tráfego que já possuem, poderiam ser objeto de concessões simplificadas, que fossem capazes de garantissem boas condições de traçado, pavimentação e sinalização.

O mapeamento aponta para um total de 70 trechos de até 150 quilômetros de extensão, localizados em 13 Estados, com condições favoráveis para que esse modelo seja aplicado. Somados, seriam 8,4 mil quilômetros de estradas com potencial de serem repassadas à iniciativa privada.

Qualquer modelo de concessão de rodovia se baseia na cobrança de pedágio dos motoristas. É o que remunera as empresas. Com essa concessão “light”, diz Matheus de Castro, gerente de transporte e mobilidade urbana da CNI, seriam excluídas obrigações de obras mais pesadas e caras, como duplicação de trechos e construção de retornos mais complexos. Dessa forma, ao exigir menor investimento do concessionário, o pedágio teria um valor muito inferior às tradicionais concessões.

“É uma quebra o paradigma sobre como as concessões foram pensadas e feitas nas últimas décadas, baseadas em grandes estruturas e trechos. Uma hora isso chega a um esgotamento, porque, quanto mais investimento necessário, maior a dependência de um volume significativo de tráfego, o que não acontece em boa parte do País”, diz Castro.

Hoje, a malha rodoviária federal asfaltada soma 65,8 mil quilômetros. Deste total, 12.079 km estão concedidas, o que equivale a 18% de todas as rodovias nacionais. Se for considerado que todas as estradas hoje incluídas no plano de concessões do governo – o Programa de Parcerias de Investimento (PPI) – sejam efetivamente repassadas à iniciativa privada, serão concedidos mais 11.341 km de estradas. Dessa forma, 36% da malha federal estará sob comando de empresas. Este é o limite, porém, das concessões atuais, muito concentradas em obras de grande porte.

Dnit propõe trocar a pavimentação da BR-316, pelo asfaltamento da BR-163, que escoa a produção de grãos Foto: Werther Santana/Estadão

Sem dinheiro

Os especialistas em infraestrutura avaliam que a busca de concessões, um processo que teve início na gestão de Fernando Henrique e que se intensificou nas gestões Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, não é mais a escolha de um modelo de administração, mas praticamente a única alternativa que resta com a redução drástica dos recursos públicos disponíveis para o setor.

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Em 2010, por exemplo, os cofres do governo federal desembolsaram, em valores corrigidos para hoje, o equivalente a R$ 20,04 bilhões para investimentos voltados exclusivamente às rodovias. Em 2017, essa cifra já tinha caído pela metade, alcançando R$ 10,5 bilhões, mas ainda assim dando conta de bancar os custos nacionais com manutenção, estimados em cerca de R$ 7 bilhões. Neste ano, porém, o valor autorizado para cuidar das estradas ficou em R$ 6,09 bilhões, ou seja, sequer há recursos para garantir o cenário atual, que não é nada bom.

Na prática, a capacidade financeira que o governo possui hoje não chega a um terço daquela que tinha uma década atrás, um cenário trágico, se considerado que o Brasil não investe sequer 2% de seu PIB no setor de infraestrutura em geral.

Pesquisa realizada neste ano pela Confederação Nacional dos Transportes apontou que cerca de 72% das rodovias públicas encontram-se em situação geral “regular”, “ruim” ou “péssima”. Dez anos atrás, este índice era de 67%, o que revela a deterioração das estradas federais.

Inspiração

A ideia de fazer concessões mais simplificadas e baratas já tem sido testada em Estados como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que sofrem com a precariedade logística para o escoamento de grãos.

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O levantamento dos trechos que, na avaliação da CNI, podem ser concedidos, se baseou em critérios e resultados de concessões estaduais feitas entre 2019 e este ano, como a “Way-306″, no Mato Grosso do Sul, e a Rota dos Grãos, no Mato Grosso.

Na avaliação de Matheus de Castro, da CNI, não se trata de transformar todas as estradas federais em rodovias com cobrança de pedágio, mas de garantir um tráfego mais seguro e rápido naquelas estradas que apresentam maior necessidade. “Uma estrada mais segura significa menos acidentes de trânsito, que levam a menos mortes, redução de tragédias para famílias e queda nos custos de saúde para o País. No fim, todos ganham, de alguma forma.”

Procurado, o Ministério da Infraestrutura, informou que “estão em andamento estudos prévios sobre os modelos para manutenção da malha rodoviária” e que, no ano passado, foi executado 99,97% do orçamento discricionário (não obrigatório) da pasta.

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“O trabalho visa o desenvolvimento de alternativas para financiamento dos programas de manutenção das rodovias federais, com uso de parceria público-privada. O Minfra, buscando melhores práticas de gestão e governança, tem escutado a experiência de entidades multilaterais, bem como apoio técnico financeiro para o desenvolvimento do projeto”, declarou a pasta.

O ministério afirmou que “continua aprimorando os modelos de concessões à iniciativa privada” e que “diversos ajustes já ocorreram desde 2019 para mitigar riscos dos concessionários, como a de proteção de variação de custo de insumos ou de risco cambial. Mais recentemente, a pasta passou a adotar o mecanismo de compartilhamento de risco de demanda em alguns dos seus projetos em estruturação.”

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O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que dispunha de analistas sobre o tema, também foi procurado para repercutir o assunto, mas declarou que não tem mais porta-voz para falar a respeito. A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) também não se posicionou a respeito das propostas.

José Carlos, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), diz que todo o setor espera, há anos, por esse modelo de concessão, que começou a fazer parte de alguns projetos estaduais, mas que ainda não chegou ao governo federal.

“Nós, desde o governo Temer, defendemos a proposta de que se faça a concessão de manutenção das estradas. Fizemos concessões de bilhões de reais até hoje, mas deixamos um buraco na infraestrutura”, comentou o especialista. “Essa iniciativa já era uma defesa nossa, mas ainda não aconteceu. Esse governo não quis estudar o assunto e preferiu investir em obras estruturais. Foi opção política”, comentou.

Em nota, o Ministério da Infraestrutura informou que “estão em andamento estudos prévios sobre os modelos para manutenção da malha rodoviária” e que, no ano passado, foi executado 99,97% do orçamento discricionário (não obrigatório) da pasta.

“O trabalho visa o desenvolvimento de alternativas para financiamento dos programas de manutenção das rodovias federais, com uso de parceria público-privada. O Minfra, buscando melhores práticas de gestão e governança, tem escutado a experiência de entidades multilaterais, bem como apoio técnico financeiro para o desenvolvimento do projeto”, declarou a pasta.

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O ministério afirmou que “continua aprimorando os modelos de concessões à iniciativa privada” e que “diversos ajustes já ocorreram desde 2019 para mitigar riscos dos concessionários, como a de proteção de variação de custo de insumos ou de risco cambial. Mais recentemente, a pasta passou a adotar o mecanismo de compartilhamento de risco de demanda em alguns dos seus projetos em estruturação.”

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