Brasil vai mal em ranking da OCDE: 3 urgências para o País melhorar na educação (e na economia)

Aumentar a jornada escolar, oferecer formação profissional para os jovens e melhorar a qualidade do investimento público devem ser prioridades, segundo especialistas

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Por Renata Cafardo
Atualização:

O Brasil aparece mal no relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia dados e políticas educacionais. O documento, divulgado nesta terça-feira, 12, mostra o Brasil com um dos mais baixos gastos com ensino básico, altos índices de jovens que não trabalham nem estudam e desinteresse pelo ensino técnico.

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De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, os dados revelam um cenário desafiador, sobretudo diante das nossas profundas desigualdades sociais. Pesa também a transição demográfica, em que o País vê cair a proporção de crianças e adolescentes e precisa ter ganhos de produtividade para fazer crescer a economia.

Entre as várias demandas para o Brasil ter um salto de qualidade na educação, os educadores apontam três urgências:

Educação profissional e olhar para o mercado de trabalho

“Não teremos um desenvolvimento inclusivo se não olharmos para a questão do primeiro emprego do jovem, da inclusão produtiva. O jovem terá de ir pro mundo do trabalho, seja logo após o ensino médio, enquanto cursa, ou depois do ensino superior”, diz a presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, que foi diretora de Educação do Banco Mundial.

Segundo o relatório, o Brasil está entre os cinco países com menor porcentual de matriculados na educação profissional, considerando 45 nações analisadas. A taxa de alunos brasileiros nessa modalidade é 11%, bem abaixo da média dos países da OCDE (44%).

“Essa ideia muito brasileira de não levar tão a sério o ensino técnico profissional - ou fazer com que os institutos técnicos ambicionem virar universidades com todo seu academicismo - é parte dos problemas do País para gerar inserção produtiva dos jovens”, completa Claudia.

Para Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, o desenvolvimento econômico do País será consequência de ter uma juventude criativa, e atuante. Temos de nos preocupar em cuidar das nossas juventudes. Eles serão os adultos que vão cuidar da democracia, da Amazônia, da economia, do judiciário, do futuro do País”, resume.

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Especialistas defendem mais investimentos em estrutura das escolas, com mais conectividade e livros nas bibliotecas  Foto: Gabriela Biló/Estadão

O estudo da OCDE também mostra que o País registra alto índice de jovens de 18 a 24 anos que não estudam nem trabalham, os chamados “nem-nem”. Cerca de 24,4% estão nessa situação, enquanto nos países desenvolvidos esse índice é de 14,7%. Além disso, as mulheres aparecem em maior número no Brasil entre os nem-nem (30%), muito mais do que é visto nos outros países (14%).

“É um resultado da sobrecarga nas mulheres de afazeres domésticos e cuidados, especialmente as que têm filhos até 7 anos e são pobres”, diz a coordenadora de pesquisa e avaliação do Instituto Unibanco, Raquel Souza.

Segundo ela, as políticas públicas devem considerar a forte desigualdade de gênero entre os jovens nem-nem. “Para assegurar o direito dessa população de continuar os estudos e entrar no mercado de trabalho, precisamos de redes de apoio para as mulheres. A creche é uma delas”, completa.

Investir mais - e com mais eficiência

Os especialistas também defendem mais investimento por aluno, mas reforçam importância de usar o dinheiro em políticas com evidências sólidas de melhora na aprendizagem. O Brasil aparece mais um vez no relatório da OCDE entre as nações com baixos investimentos no ensino básico: US$ 3.583 por aluno/ano, ante média de US$ 10.949.

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Desde o início do século, o Brasil triplicou o valor investido por aluno no ensino infantil, fundamental e médio, mas ainda está distante de outros países. No mesmo período, a Coreia do Sul passou de cerca de US$ 3 mil para US$ 14 mil por aluno/ano; Portugal, de US$ 3,5 mil para US$ 10 mil; Austrália, de US$ 5 mil para US$ 12 mil.

“É a confirmação do cenário desafiador histórico da educação, com baixo nível de investimento por aluno, o que é incongruente com nossas necessidades de desenvolvimento educacional e socioeconômico”, diz Caio Callegari, coordenador de Inovação e Políticas do Instituto Unibanco,

Para educadores, modelos internacionais e nacionais mostram que mais recursos na educação básica devem ir para um grupo de políticas que conjuntamente trazem resultados, como escola em tempo integral, alfabetização, formação de professores, primeira infância e educação profissional e tecnológica. Além disso, é preciso olhar para a estrutura das escolas, com mais conectividade, livros atualizados para as bibliotecas e recursos de tecnologia.

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“O desafio brasileiro é bastante complexo porque é preciso garantir o investimento adequado por aluno, e que esse recurso seja destinado adequadamente, para a aprendizagem dos estudantes”, diz a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel. Segundo ela, muitas vezes, os recursos são absorvidos por burocracias e ineficiências do sistema.

“É preciso não só aumentar o investimento, mas fazê-lo de forma planejada e por meio de políticas públicas estratégicas e assertivas, com o entendimento de que o resultado será colhido não no curto prazo, mas sim num projeto de país a longo prazo”, diz ela.

Para o diretor geral da ONG Parceiros da Educação, Rafael Machiaverni, além do investimento baixo em educação, o Brasil se preocupa com isso faz pouco tempo. “Enquanto algumas nações estão na briga pela educação de qualidade há mais de 50 anos, só viramos essa chave há cerca de 20”, diz “A boa notícia é que há hoje grande consenso entre especialistas sobre o que fazer e isso pode evitar desperdício e uso inadequado dos recursos.”

Claudia Costin ainda destaca a falta de investimento em professores, seja na preparação docente inadequada ou nos salários baixos, o que torna a carreira menos atrativa ou incapaz de reter talentos. “Hoje não formamos para a prática, porque investimos em formação precarizada, com educação a distância”, afirma.

Educação em tempo integral

Ainda segundo Claudia, o tempo reduzido que as crianças ficam na escola também é uma das razões pelas quais o Brasil gasta menos, revela o relatório da OCDE. Como mostrou o Estadão, alguns países desenvolvidos, como Austrália e Dinamarca, chegam a ter 50% mais tempo de aula no ensino fundamental do que é oferecido no Brasil. No País, são quatro horas por dia.

Pesquisas mostram que o modelo reduz o abandono escolar, aumenta a empregabilidade e a conexão do professor e do aluno com a escola. O investimento inicial, no entanto, por estudante é o dobro.

Para Claudia, é necessário escapar de um ensino conteudista, semelhante à sala de aula que outras gerações frequentaram. “Quatro horas são insuficientes para aulas mais dialogadas, mais mão na massa, necessárias em tempos de inteligência artificial e Chat GPT”, afirma.

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Para os educadores, é necessário que crianças e adolescentes desenvolvam competências que serão úteis para profissões e desafios que ainda nem conhecemos. Entre essas habilidades, estão o pensamento crítico, a autonomia, a empatia, a criatividade e o trabalho em equipe

Para Caio Callegari, do Instituto Unibanco, o poder público mirar em políticas que favoreçam a recomposição de aprendizagem, problema que se agravou após o longo período de escolas fechadas na pandemia. “O governo federal em 2023 tem feito avanços nesse sentido com os programas anunciados, como o de fomento ao tempo integral e alfabetização”, avalia.

Hoje, 24% das escolas de ensino médio do País são de tempo integral e o Ministério da Educação (MEC) lançou em julho um programa para incentivar o aumento no número de vagas em 1 milhão. A intenção é a de que o período de aula seja de pelo menos 7 horas diárias.

Nos últimos anos, alguns Estados se tornaram referência na ampliação da jornada escolar. Ceará e Pernambuco, segundo o Censo Escolar 2022, têm cerca de metade dos alunos no ensino médio de tempo integral.

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