Brasil investe menos de um terço do que países desenvolvidos em educação básica

No ensino superior, gasto por aluno é parecido com o destinado por nações da OCDE; especialistas falam em inversão de prioridades

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Foto do author Renata Cafardo
Foto do author Paula Ferreira
Por Renata Cafardo e Paula Ferreira
Atualização:

O governo brasileiro investe menos de um terço do que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para cada aluno da educação básica pública desde meados dos anos 2010. No novo relatório Education at a Glance, divulgado nesta terça-feira, 12, o Brasil aparece mais uma vez entre as nações com valores mais baixos: são US$ 3.583 por aluno/ano, enquanto a média é de US$ 10.949.

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Desde o ano 2000, o Brasil triplicou o valor investido por aluno no ensino infantil, fundamental e médio, mas ainda está distante de outros países. No mesmo período, a Coreia do Sul passou de cerca de US$ 3 mil para US$ 14 mil por aluno/ano; Portugal, de US$ 3,5 mil para US$ 10 mil; Austrália, de US$ 5 mil para US$ 12 mil.

No topo do ranking de investimento mais recente da OCDE, que considera dados de 2020, há ainda Luxemburgo, com US$ 26 mil por aluno/ano, e Suíça, com US$ 17 mil. E países tão grandes quanto o Brasil, como Estados Unidos, com US$ 15 mil. Abaixo do País, estão apenas México e África do Sul.

O Brasil tem cerca de 45 milhões de alunos nas escolas públicas, o que torna alto o investimento para se chegar ao valor de países da OCDE. Nos últimos anos, o País tem investido cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação básica, superior à média da OCDE, de 3,6%, mas não é suficiente. O dado brasileiro sobre o PIB não consta do relatório atual, mas aparecia nos anteriores.

Sobral, no interior do Ceará, é um dos raros exemplos de boa qualidade de ensino na rede pública do País Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Por outro lado, o investimento do Brasil em ensino superior não se distancia tanto dos países ricos. Como existem apenas 2 milhões de alunos nas universidades públicas, a inversão de prioridades é criticada há anos por educadores no País.

São US$ 14.735 investidos no Brasil por aluno, por ano, no ensino superior público. Enquanto, entre os países da OCDE, o valor é de US$ 14.839.

Levando em conta o valor total gasto com educação, os dados mais recentes mostram que o Brasil foi na contramão dos outros países. Mesmo em ritmo mais lento que o normal por causa da pandemia, a despesa com educação cresceu, em média, 2,1% de 2019 a 2020 entre os países da OCDE. Já no Brasil, houve queda 10,5%.

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Especialistas argumentam que o investimento em universidades - pela estrutura, salário de professores, foco em pesquisa - é realmente alto, mas é preciso colocar mais recursos também na educação básica.

Os modelos internacionais e nacionais mostram que mais recursos na educação básica devem ir para um grupo de políticas que conjuntamente trazem resultados, como escola em tempo integral, alfabetização, formação de professores, primeira infância e educação profissional e tecnológica. Países com destaque em avaliações internacionais, como Finlândia, Holanda, Canadá e Dinamarca, investem acima da média da OCDE por aluno da educação básica.

Em julho, o governo federal sancionou um projeto de lei de autoria do próprio Executivo para injetar R$ 4 bilhões na educação básica a fim de ampliar o número de matrículas na educação integral. A meta do governo é alcançar um total de 3,2 milhões de novos estudantes em tempo integral até 2026.

Em 2021, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional que tornou o Fundeb, principal fundo de financiamento da educação básica, permanente. A medida determinou ainda aumento no montante de recursos repassados pela União a Estados e municípios para custear a etapa. Pela nova regra, ao longo de seis anos, a complementação feita pela União deve passar de 10% para 23%, o que representa acréscimo de R$ 77 bilhões ao fim desse ciclo.

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Neste ano, o Fundeb ficou na berlinda após ser incluído pela Câmara no limite de gastos fixados pelo novo marco fiscal. Após mobilização no setor educacional, o Senado modificou o texto aprovado na Câmara e retirou o Fundeb das restrições impostas pelo arcabouço.

Em agosto, a Câmara concluiu a votação do tema e manteve a decisão do Senado, preservando o fundo. As regras do arcabouço pretendem manter as despesas do governo abaixo das receitas.

Para especialistas, porém, é importante melhorar a eficiência dos gastos do governo, com mais planejamento e monitoramento de políticas públicas. As próprias autoridades reconhecem que é possível melhorar o uso da verba com os recursos já disponíveis.

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Izolda Cela, secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), defendeu deixar o Fundeb fora do arcabouço fiscal durante o evento Reconstrução da Educação do Estadão, em maio. Mas ela alertou sobre a necessidade de melhorar o uso dos recursos. “Com o que se tem (de dinheiro), dá para fazer mais”, disse.

‘Há uma urgência de investimentos’

“É a confirmação de um cenário desafiador histórico da educação brasileira, com baixo nível de investimento por aluno, o que é incongruente com as nossas necessidades de desenvolvimento educacional e de desenvolimento socioeconômico”, diz o coordenador de Inovação e Políticas do Instituto Unibanco, Caio Callegari, sobre o relatório da OCDE.

Segundo ele, há um “abismo” entre o Brasil e outros países, ainda com redução de investimentos na pandemia, como mostrou o documento. “Isso nos traz um passivo ainda a cumprir. Há uma urgência de investimentos em recomposição das aprendizagens e na formação dos profissionais na educação”, completa.

Para a presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, essa insuficiência de investimentos em educação está muito relacionada aos baixos salários dos professores e consequentemente à pouca atratividade da carreira, já que boa parte dos gastos da educação é com docentes. “É preciso investir mais e melhor na formação inicial dos professores, hoje não formamos para a prática, muitas vezes porque investimos em formação precarizada, com educação a distância”, afirma.

Além disso, é preciso mais dinheiro para estrutura das escolas, com mais conectividade, livros atualizados para as bibiliotecas e recursos de tecnologia, diz. Para ela, políticas de fomento de escolas em tempo integral e de conectividade, anunciadas pelo governo federal, “vão na direção correta”.

“Precisamos de mais recursos e da discussão sobre a qualidade e efetividade do gasto em educação”, diz o consultor em educação e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, Alexandre Schneider. Para ele, o País dá sinais de que seguirá o caminho inverso, flexibilizando os investimentos obrigatórios na área. “Um sinal muito ruim, em especial para um País que não conseguiu garantir o direito à educação de qualidade para todos”, completa.

Já há pedidos na Justiça, por exemplo, para que pisos salariais de profissionais de educação não sejam cumpridos este ano - o salário mínimo da categoria é corrigido anualmente conforme lei federal.

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O governo de São Paulo, da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), também tem proposta de para flexibilizar parte dos gastos hoje alocados na educação do Estado, baixando de 30% para 25% o piso do orçamento estadual investido em educação. Segundo o governo, o novo modelo não tiraria dinheiro das escolas porque os aposentados saíram da gastos da educação.

Entre os defensores da flexibilização dos patamares mínimos de gasto em educação, o argumento é de que o modelo deixa o orçamento engessado e pouco eficiente. No caso específico da educação, outra justificativa é de que a transição demográfica leva a uma redução do número de crianças e adolescentes, o que reduz a demanda de verba na área.

Grande parte dos educadores, porém, aponta que a redução da faixa jovem da população abre uma oportunidade para melhorar a qualidade das escolas, com mais formação docente e menos alunos por sala.

“O desafio brasileiro é bastante complexo porque é preciso garantir o investimento adequado por aluno, e que esse recurso seja destinado adequadamente, para a aprendizagem dos estudantes”, diz a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel. Segundo ela, muitas vezes, os recursos são absorvidos por burocracias e ineficiências do sistema. “É preciso não só aumentar o investimento, mas fazê-lo de forma planejada e por meio de políticas públicas estratégicas e assertivas, com o entendimento de que o resultado será colhido não no curto prazo, mas sim num projeto de país a longo prazo.”

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