PF aponta o vazamento do Enem por quadrilha; MEC nega suspensão

Candidatos tiveram acesso a questões e frase-código da prova rosa, além do tema de Redação; procurador voltou a pedir anulação. Governo destaca que gabarito oficial não foi violado

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Por Luísa Martins e Lauriberto Braga
Atualização:
MEC destaca que fraudadores foram desclassificados Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Para a Polícia Federal “não restam dúvidas” de pelo menos dois casos de vazamento das provas de múltipla escolha, além da Redação, do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2016. A informação consta de relatório enviado ao Ministério Público Federal (MPF), que já solicitou nesta quinta-feira, 1º, a anulação de todo o exame, medida rejeitada pelo Ministério da Educação (MEC). “Uma quadrilha organizada nacionalmente teve acesso antecipado às provas”, avalia a PF.

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Segundo a investigação, há indícios de crime de estelionato qualificado. “Isso compromete a lisura do exame e a própria credibilidade da logística de segurança que vem sendo aplicada”, afirma o procurador da República no Ceará, Oscar Costa Filho, que já movia ação contra o Enem no Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (Recife), desde a prisão de concorrentes e a suspeita de vazamento.

O documento enviado ao MPF traz detalhes sobre o esquema que resultou em dois candidatos presos por fraude em 5 e 6 de novembro, portando dispositivo eletrônico no peito e ponto eletrônico no ouvido. Em conversas de WhatsApp, ficou comprovado que um deles recebeu, 35 minutos antes do fechamento dos portões, imagens da prova rosa compatíveis com as questões aplicadas.

Os concorrentes, de acordo com a PF, tiveram acesso à “frase-código” da prova rosa. Com isso, não importava a cor da prova recebida pelo candidato (há quatro opções), pois ele poderia preencher o gabarito – transmitido pela quadrilha de fraudadores – como se tivesse recebido a prova rosa. A frase-código legitima a correção.

Também consta no relatório que um dos candidatos pesquisou no site Google vários termos sobre intolerância religiosa, tema da Redação, às 9h38 – mais de duas horas antes da abertura dos portões. Outra candidata, segundo laudo técnico, recebeu pelo celular, às 9h21, uma “imagem real” da folha correspondente à proposta de redação. Os horários muito próximos e as fotografias idênticas levaram a PF a concluir que, apesar de os candidatos serem de cidades diferentes – em Minas e no Maranhão –, a origem do vazamento é a mesma. O prestador do serviço teria cobrado entre R$ 40 mil e R$ 50 mil pela facilitação.

O MEC afirmou, em nota, que os candidatos beneficiados pelo vazamento já foram desclassificados e alega que o inquérito policial “ainda está em curso e transcorre em caráter sigiloso”, como também ressaltou o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela aplicação das provas, afirmou que “os casos de tentativa de fraude identificados estão sob investigação e delimitarão a responsabilidade dos envolvidos”. 

Sustenta, ainda, que “não há indício de vazamento de gabarito oficial”. De fato, o relatório afirma que “candidatos-piloto” tiveram acesso às provas antecipadamente e resolveram as questões “de acordo com suas habilidades”, ou seja, o gabarito era extraoficial. O Inep diz ainda que trabalhou em parceria com a PF para garantir “a segurança e a lisura do certame”. 

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No entanto, conforme apurou o Estado com fontes do MEC, a Advocacia-Geral da União foi acionada pelo MEC, na expectativa de eventual enxurrada de ações judiciais.

Procurador obstinado. Parte da nota divulgada pelo Inep é dedicada a criticar a conduta do procurador Oscar Costa Filho – um “veterano” em casos semelhantes, que pediu na Justiça a suspensão das edições de 2010, 2011 e 2014. O órgão afirma estranhar que o procurador crie “fatos que provocam tumulto e insegurança para milhares de estudantes inscritos” às vésperas da nova edição do Enem.

“É sempre assim, quando questionamos a lisura do exame”, afirmou o procurador no Ceará. “O Inep diz que estamos querendo tumultuar. Não fui eu quem provocou transtorno, mas o Inep. Há anos venho batendo nesta questão da vulnerabilidade na logística de distribuição das provas do Enem. Cheguei a sugerir que as instituições públicas federais, as universidades, ficassem responsáveis pela aplicação das provas e fiscalização delas”, afirmou. 

“E agora a PF comprova, pela primeira vez, que as provas saíram do lacre antes de sua aplicação”, continua Oscar Filho. “ Isso não é mais uma especulação. É uma quadrilha nacional. Não adianta eliminar individualmente (fraudadores), pois o coletivo foi afetado.” / COLABOROU DAIENE CARDOSO