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Opinião|Conviver com o diferente

Evitar que os filhos convivam com os colegas diferentes é impedir que eles aprendam a respeito de si mesmo e dos outros

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Atualização:

Recentemente, a mãe de um garoto que tem autismo postou um vídeo-desabafo em sua página em rede social que foi espalhado pela internet com milhares de visualizações. Emocionada, ela contou que, depois de cumprir todas as exigências da escola para matricular o filho e, inclusive, pagar a anuidade, na entrega dos documentos - com o laudo médico do diagnóstico do filho - ouviu que a escola não tinha mais vagas.

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Essa mãe não está sozinha. Representa milhares de outras mães que têm filho com doenças mentais ou deficiências e ouvem essa mesma desculpa esfarrapada das escolas - a maioria delas particulares - e têm negada a matrícula da criança ou adolescente. Por quê? Por motivos diversos presentes na comunidade escolar.

Vamos pensar no lado da escola. A maioria dos professores não se sente preparada para trabalhar com esses alunos. Desde o curso de Pedagogia até a formação continuada que algumas escolas ofertam, há pouco conhecimento a respeito de como é possível mudar didáticas e adaptar metodologias para permitir que esses alunos desenvolvam o potencial que têm.

Há também, e principalmente, as questões que envolvem a convivência desses alunos com seus colegas. Para falar francamente, também não há, na formação de professores, conhecimento transmitido que dê a eles recursos para ensinar a convivência pública na instituição. E ainda há escolas que dizem praticar a “educação para a cidadania”!

A escola é responsável pela formação de seus professores. Claro que há o esforço pessoal de cada um no aprimoramento do conhecimento. Mesmo assim, só com a formação que a instituição deve possibilitar aos seus professores é que se constrói uma equipe com condições de trabalhar com todos os alunos que lá estudam. 

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A escola precisa também fazer investimentos para ter um número maior de docentes. A docência compartilhada é uma ótima maneira de trabalhar com alunos que exigem mais da escola. E aí reside um grande problema: grande parte das escolas particulares se tornou um negócio que precisa dar lucro. Sim, uma escola privada é um negócio que precisa se sustentar, mas não é um negócio qualquer. Por causa desse conceito, não são muitas as escolas dispostas a gastar mais com funcionários.

Há também, por parte das famílias dos alunos que frequentam a escola, uma resistência em aceitar que seu filho conviva com colegas diferentes e que dão trabalho. Certamente muitos já ouviram falar de solicitações de grupos de pais, ou até de abaixo-assinados, pedindo ou exigindo que algum aluno seja cancelado da escola, para usar o termo do momento. Mas quem ouviu falar de solicitações de pais para que a escola inclua alguma criança?

Esse movimento de inclusão da diversidade na escola já existe, mas em número muito pequeno. A conclusão é a de que criamos uma sociedade que não é inclusiva. Ao contrário. Não é à toa que o grande tema do momento, que tem gatilho em um “reality show”, seja justamente o tal cancelamento. O que isso significa? Eliminar e tornar invisíveis pessoas que são diferentes. Há, entre essas pessoas, as que prejudicam outras ou o grupo? Há, na escola, estudantes que prejudicam seus pares ou professores? Há. Mas torná-los invisíveis resolve alguma coisa? Não.  O que fazer? Primeiramente, é importante que todos saibam que recusar a matrícula de algum aluno é proibido por lei. Uma alternativa, quando a escola diz que não há vaga, é solicitar a lista dos alunos inscritos e a quantidade de classes. 

O mundo é muito diverso e é nele que os filhos vão viver. As diferenças precisam ser respeitadas e isso só faz bem a todos. Aprender a conviver com o diferente é uma grande lição de vida porque também resulta em aceitar as próprias diferenças. Evitar que os filhos convivam com os colegas diferentes é impedir que eles aprendam a respeito de si mesmo e dos outros. Precisamos ter apreço pelas diferenças!

É PSICÓLOGA, CONSULTORA EDUCACIONAL E AUTORA DO LIVRO EDUCAÇÃO SEM BLÁ-BLÁ-BLA

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Opinião por Rosely Sayão
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