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Opinião|O interrogatório de Amarildo

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Atualização:

"O senhor estava na reunião do deputado em que um doleiro foi chamado para entregar valores ao Caixa 2 da campanha dele a senador?"

 Foto: Estadão

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(Pixabay)

SUPERINTENDÊNCIA DA PF - INTERIOR - DIA

- O senhor tem ciência de que, se não disser a verdade, isto pode ser usado contra sua pessoa num processo criminal, seu Amarildo? - Sei, sim, senhor. - Então vamos às perguntas. - Estou à disposição do senhor juiz. - O senhor estava na reunião do deputado em que um doleiro foi chamado para entregar valores ao Caixa 2 da campanha dele a senador? - Estava. E fui eu que liguei para o doleiro vir ao gabinete. - O deputado disse no depoimento dele, em fevereiro próximo passado, que foi ele quem negociou os valores com o doleiro da empreiteira. Foi isso mesmo, seu Amarildo? - Não foi não. Foi eu que fiz a negociação com o rapaz. Lembro até que o dólar estava 3,04 naquele dia. - Mas a mala preta com o dinheiro teria sido levada para o cofre do gabinete, confere? - Não, foi trazida para minha casa, doutor. Fui eu mesmo que carreguei. E não era mala preta, era uma mochila azul. - Durante o trajeto da mala preta, que o senhor afirma ser uma mochila azul, houve uma perseguição policial a um veículo de passeio prata. O senhor confirma? - Confirmo. O carro inclusive é meu. - E quem dirigia o veículo? - Eu, doutor. - Mais alguém com o senhor no veículo? - Eu estava sozinho. - Durante a perseguição, seu Amarildo, consta nos autos da Polícia Militar que houve disparos desse veículo prata na viatura policial. Foi o senhor que atirou na PM? - Fui eu mesmo, com um Taurus 38 que eu mantenho no porta-luvas. - Consta também que, em função da velocidade imprimida pelo veículo prata, ele acabou entrando num restaurante vegano do bairro, atropelando 17 alunos de ioga Ashtanga que meditavam numa das salas do estabelecimento. É verdade? - Sim. Perdi controle. - O senhor então teria tomado como refém Janardan Paraguaçu Kamadeva, um guru de São João do Meriti, e levado para a cozinha do restaurante vegano. - Foi. - E na cozinha o que aconteceu, seu Amarildo? - Eu ameacei ligar a churrasqueira elétrica e grelhar quatro repolhos para tentar asfixiar as pessoas. Isso se a Polícia Militar tentasse me tomar a mochila azul com os dólares da campanha. - A Polícia Militar tentou a negociação com o senhor? - Tentou, sim, doutor. - E o quê o senhor fez? - Mesmo assim, eu assei os repolhos na churrasqueira elétrica. E, enquanto todo mundo tossia, fugi pelos fundos da cozinha. - E depois, seu Amarildo? - Bom, aí eu capturei a viatura da PM e consegui ir até o Campo de Marte, onde obriguei o piloto de um King Air a me levar até Assunção, no Paraguai. - E de lá? - De lá fui depositar o dinheiro do deputado em Zurique. - Os advogados do seu Amarildo teriam alguma coisa a acrescentar? -... - Nada? - ... - Perfeito. E o senhor, Seu Amarildo, mais alguma coisa a dizer? - Tenho, doutor. - Pode falar. - Eu sou inocente.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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