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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Lugar de cientista é na cozinha

A história da psicóloga Lillian Moller Gilbreth mostra que a ciência pode ser uma boa ferramenta para o feminismo.

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Atualização:

Lillian Moller Gilbreth Foto: Estadão

Algumas coisas têm um design tão perfeito que parecem obra da criação - quem poderia hoje em dia conceber a existência de geladeiras sem prateleiras internas, por exemplo? Para nós, que já as conhecemos assim, parece inimaginável. Mas foi preciso que alguém parasse para pensar e vislumbrasse uma alternativa melhor, mais confortável e eficiente. Só poderia ser alguém que usasse geladeira.

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Aposto que você nunca parou para pensar de quem foi a mente iluminada que teve essa ideia, mas provavelmente não irá se espantar se eu disser que foi uma mulher. A cada vez que você abre sua geladeira e encontra com facilidade o que estava procurando deveria agradecer a Lillian Moller Gilbreth, psicóloga americana nascida em 1878. Mais ainda se, com as mãos ocupadas, tem que abrir o lixo para jogar algo. Sim, é dela também a ideia do pedal para erguer a tampa das lixeiras. Vale a pena conhecer sua história por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

Descobri Gilbreth no livro "As cientistas - 50 mulheres que mudaram o mundo" (já recomendado na Leitura mental), que traz biografias de mulheres que, muitas vezes tendo que lutar contra o establishment, fizeram diferença na história por meio de suas carreiras científicas. Formada em literatura, Gilbreth encantou-se com a psicologia durante seu mestrado, migrando para essa área no doutorado. Por influência do marido, o engenheiro Frank Bunker Gilbreth ela passou a estudar, junto com ele, a eficiência dos processos de produção, produzindo sua tese,  The Psychology of Management (A Psicologia da Gestão) nessa área. Ao contrário de Taylor, que pensava a linha de produção apenas a partir do que estava sendo produzido, os Gilbreth consideravam fundamental incluir o elemento humano nessa equação. Com isso conseguiram desenvolver processos mais eficazes sem transformar os homens em máquinas.

Apesar de enfrentar consequências do machismo - como não ser reconhecida como autora em livros escritos com seu marido, pois os editores acham que o nome de uma mulher na capa tiraria sua credibilidade - Gilbreth teve a felicidade de, mesmo trabalhando na primeira metade do século XX, não precisar escolher entre a carreira e os filhos. Ao contrário, conciliou sua rica produção técnica com a criação de nada menos do que doze crianças. Conta-se inclusive que o casal testava com eles, no ambiente doméstico, muitas das inovações que propunham.

Gilbreth também contribuiu muito para a qualidade de vida das mulheres. Em vez de tentar retirá-las da cozinha, por exemplo, fez o contrário: foi ela mesma para lá, e com seus conhecimentos de ergonomia reorganizou seu design para que se tornasse mais eficiente. Criou um layout conhecido como triângulo de trabalho, colocando pia, fogão e geladeira como vértices de um triângulo que facilitava as tarefas. Isso reduziu o tempo de trabalho na cozinha de quase o dia inteiro para algumas horas. Ele é até hoje um parâmetro para engenheiros e arquitetos.

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É irônico que ela tenha feito mais para livrar as mulheres da cozinha indo para lá do que tentando impedi-las de cozinhar. Esse é o feminismo que precisamos. Não o discurso ideológico que, na ânsia de libertar as mulheres de antigas prisões, só faz criar novas cadeias. Não é proibindo meninas de brincar com de boneca ou de casinha que as ensinaremos a não aceitar que lhe imponham limites por seu gênero. Que brinquem com as vassourinhas, as bonecas, os pratinho, e também com os blocos de construção, tubos de ensaio, carrinhos. Porque como mostra a história de Lillian Gilbreth, quando uma cientista vai para a cozinha ela faz mais pela condição feminina do que qualquer ativista de internet.

Talvez a ciência traga mais empoderamento feminino do que a sonha a vã ideologia.

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Leitura mental

 Foto: Estadão

Existem trabalhos científicos mostrando que dependendo da forma como um texto é impresso ele pode transmitir mais ou menos credibilidade, ser considerado sério ou superficial, e até levar-nos a raciocinar sobre o tema ou aceitar passivamente a mensagem escrita. Embora a psicologia da tipografia não seja o tema central de Pensar com tipos, da designer gráfica Ellen Lupton, lançado esse ano em português pela Editora  G. Gili, em suas páginas fica claro como nossa mente é influenciada pela forma do texto. A mistura de letras de diferentes tamanhos, por exemplo, traz destaque para o que está em letra grande - mas só funciona se a diferença gerar um contraste significativo, caso contrário transmite-se a sensação de insegurança. O mesmo ocorre com tipos de diferentes famílias - a mistura harmoniosa pode dar sabor ao texto, mas será insossa se não for bem temperada. Ou seja, se não souber fazer, não se arrisque.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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