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Impressões sobre a vida e seus arredores

Mão no ombro

Um toque pode ser o começo de tudo

Por Raul Drewnick
Atualização:

Pixabay Foto: Estadão

No dia em que conheceu William, Melissa não teve nenhum daqueles sintomas clássicos pelos quais alguém - especialmente uma mulher - sabe ter sido flechado pelo Amor. Não sentiu o coração disparar, não suou frio, não ouviu sinos tocando, embora houvesse uma igreja a um quarteirão. O vento da tarde não trouxe nenhuma canção romântica e o sol de primavera não lhe beijou com ênfase o ombro, embora ele estivesse provocantemente descoberto.

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O que o sol não ousou, William fez. Tocou o ombro de Melissa e, quando ela se virou para trás, menos zangada do que intrigada, ele cumprimentou prosaicamente: oi. O toque no ombro já era, nesse instante, um começo de abraço antes de ela dizer: oi, eu te conheço?

Eu sou o William, ele respondeu, e ela, notando que ao seu ombro não chegava a desagradar o contato da mão dele, repetiu: William? É, William, ele reforçou, como se bastasse.

Enquanto ela buscava na memória algum William que pudesse ter o direito de conduzi-la assim pela calçada atravancada pelos camelôs, ele, como se aquilo tudo fosse corriqueiro, e até banal, começou a assobiar uma musiquinha que a ela soou como a velha Ilariê. O que ele achava? Que ela era uma das antigas sobrinhas da Xuxa?

Aí pensou que já deveria ter tirado a mão dele do ombro. Parecia até um pouco tarde agora, quando já haviam andado quase dois quarteirões. Sem saber como continuar a conversa, foi um alívio, para ela, ouvir a pergunta de William: você saiu mais cedo da loja hoje, né?

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Ela parou: como você sabe? Ele a olhou com espanto: jura que você não reparou em mim olhando do outro lado da rua esses três dias? Anteontem, ontem, hoje. Só hoje eu criei coragem de falar com você, Melissa.

Ela olhou bem para ele e - um tanto talvez pela lembrança, um tanto pela imaginação - o viu esperando diante da loja, na calçada do outro lado, impaciente, nervoso, apaixonado. Três dias... Quando ele, sem dizer nada, parou no ponto do ônibus, ela soube que ele a havia seguido até ali, na véspera e na antevéspera.

E quando ele a beijou na boca, sem escalas, aquilo pareceu a ela a coisa certa para a situação. Ela se deixou beijar e, embora continuasse a não ouvir sinos, resolveu dar-lhes mais tempo para que tocassem. E foi beijada mais, e beijou mais, muito.

Entre um beijo e outro, os dois murmuravam os nomes recentemente aprendidos: William, Melissa, William, Melissa.

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