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Proibição à carne de cachorro fere princípio olímpico

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Por Edmundo Leite
Atualização:

Edmundo Leite

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Se alguém ainda acredita naquele papo de Olimpíadas como integração dos povos e culturas através do esporte, a decisão do governo chinês de proibir os restaurantes locais de servir pratos com carne de cachorro deu mais uma demonstração de que os ideais do Barão de Coubertin são coisas de um passado distante. Embora cobrar espírito olímpico de um país onde impera o autoritarismo possa até ser burrice, é difícil entender a decisão, adotada para "evitar conflitos", nas palavras de uma autoridade chinesa:

"Se um dos clientes pedir carne de cachorro, os funcionários do restaurante deverão pacientemente sugerir outra opção", informou Xiong Yumei, diretor do Centro de Turismo de Pequim. "A medida foi implementada para respeitar os hábitos de muitos países e nacionalidades", segundo fontes do departamento de alimentação municipal.

A real motivação talvez seja que, por causa de assuntos desagradáveis de se tratar, o governo chinês está se cercando de cuidados para não ter mais dor de cabeça com outras questões menores. Embora reprimir protestos seja uma tarefa para a qual os dirigentes chinenes são suficientemente preparados, eles não querem acrescentar radicais defensores de animais à longa lista encabeçada pelos defensores dos direitos dos humanos, que já incomodam bastante com temas como a ocupação do Tibete e a falta de liberdade de expressão no país.

Questões políticas à parte, qual é a graça de se ir para um país diferente e distante e não poder conviver com os costumes de lá, não escutar o som da língua estranha mesmo sem entender nada, e não provar os pratos da culinária local?

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Em 2002, por conta da cobertura da Copa do Mundo, tive a oportunidade de experimentar na Coréia do Sul e no Japão vários pratos exóticos aos olhos e paladar ocidentais. A carne de cachorro foi um deles. Ao contrário do que imaginam muitas pessoas, não é um prato que se encontra em qualquer lugar. Mas também não é difícil de achar.

Quando eu e o repórter Eduardo Nunomura manifestamos nossa vontade de experimentar a iguaria, o gerente do hotel em que estávamos em Ulsan - base coreana da seleção brasileira na primeira fase da competição - indicou um restaurante próximo. Acompanhados de nosso intérprete , um coreano-brasileiro gente boa chamado Edu - chegamos ao local.

Fomos recebidos pela simpática coreana que tocava o pequeno negócio. Logo na entrada, num balcão lateral era possível ver as partes de um animal sem pele sobre uma bandeja. Não era possível identificar que tipo de animal era. Pelo tamanho podia ser um leitão. Mas era mesmo cachorro, informou o intérprete.

Ambiente simples e limpo, fomos acomodados no modesto salão com chão de madeira e aquelas mesas baixinhas. Hospitaleira e curiosa, a coreana conversou um pouco conosco e explicou - com a ajuda do intérprete - que o prato que ela nos seviria era um ensopado com carne de cachorro. E que o preparo demoraria um pouco. Mas para satisfazer nossa curiosidade ela serviria uma porção como petisco.

Na mesinha cuidadosamente arrumada com diferentes vegetais , ervas e temperos, um recipiente destoava dos demais - todos redondos. Estava ali na vasilhinha retangular o objeto de nossa curiosidade, disposto em pequenas iscas. Nos servimos com os palitinhos de metal. Para minha surpresa, não era muito diferente da carne bovina que estamos acostumados a comer. A textura e gosto da porção que nos foi servida como aperitivo lembrava um pouco o cupim bovino.

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No prato principal, o ensopado servido sobre um pequeno fogareiro - o gosto da carne também não causou sustos. Saborosa e tenra por causa do cozimento, vinha acompanhada de gostos diferentes de temperos levemente picantes. Aprovada. Experimentei pela curiosidade, mas repetiria por prazer se tivesse oportunidade de estar novamente em algum lugar onde o prato fizesse parte da cultura local.

Proibir os restaurantes locais de servir o prato típico fere o princípio olímpico de integração, já que priva atletas, turistas, jornalistas e outros visitantes de ter acesso a a uma experiência gastronômica que só pode se desfrutar nessas viagens. Os que não quiserem provar podem se contentar com o restaurante oficial dos Jogos - que é ótimo - mas tem em qualquer lugar do mundo.

P.S. (em 25/7/2008): O caderno Paladar publicou ontem uma edição dedicada à culinária chinesa. O texto Andou, voou, nadou, mexeu? É comida, da correspondente Cláudia Trevisan, mostra como lá se come de tudo:

"...A primeira lição gastronômica de um estrangeiro na China é a de que não há tabus na culinária local e tudo pode se transformar em um elaborado prato. Os próprios chineses se gabam disso e repetem o ditado segundo o qual eles comem tudo que tem quatro pernas e não é mesa, tudo que voa e não é avião e tudo que se move na água e não é navio. O exotismo é reforçado pelo fato de que a culinária e a medicina tradicional chinesa têm a mesma origem e muitas coisas acabaram se transformando em iguarias em razão da convicção de que fazem bem à saúde. ..."

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