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Astros e protagonistas: o quanto o técnico é responsável pelo desempenho do time?

Abel Ferreira encabeça lista de treinadores pop stars no Brasil; eles são mais celebrados e mais bem pagos do que muitos jogadores

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Foto do author Ricardo Magatti
Por Ricardo Magatti
Atualização:

Até quem não acompanha futebol sabe quem é Abel Ferreira. Premiado no Brasil e em Portugal pelos seus feitos, o antes desconhecido português é hoje o técnico mais famoso do País. A fama deriva de competente trabalho que já lhe rendeu oito títulos no comando do Palmeiras e também de suas controvérsias. Ele é indicado para comandar a seleção brasileira.

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Celebrado pelos palmeirenses, elogiado até pelos rivais, mas também criticado por seu comportamento explosivo à beira do gramado, Abel repete treinadores do passado, como Telê Santana, de quem é fã, e outros que ainda continuam na ativa, casos de Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo, ao se consolidar como figura mais popular que parte dos jogadores brasileiros. Rotulado de pop star, o português lida com o bom e o ruim que a fama proporciona e faz reavivar a discussão sobre o quão responsável é um técnico de futebol pelo sucesso e insucesso de uma equipe.

Para Marcelo Paz, presidente do Fortaleza e responsável pela contratação do argentino Juan Pablo Vojvoda, um dos mais elogiados técnicos do Brasil também, é natural que um treinador seja muito comentado pelas múltiplas funções que exerce e pelas decisões que toma para que a engrenagem funcione.

“No livro do Guardiola, ele fala que o presidente é número 1 e o treinador, o número 2. Diz isso porque sabe que passa pelo treinador inúmeras decisões que impactam diretamente no time”, afirma Paz. “O treinador participa de contratação, logística, estrutura, rotina de treinos, montagem de comissão técnica, escalação de jogadores, substituições... São tantas decisões que ele toma que, naturalmente, tem uma influência muito grande”, diz o dirigente do Fortaleza.

Abel Ferreira encabeça lista dos técnicos popstars no futebol sul-americano Foto: Amanda Perobelli/Reuters

O presidente do Goiás, Paulo Rogério Pinheiro, endossa a visão do mandatário do Fortaleza. “Na atual conjuntura do futebol nacional e internacional, o técnico deixou de ser apenas aquele ‘que escala’ para se tornar uma figura estratégica dentro dos clubes, um líder que precisa entender de tática e também de como gerir pessoas. Eles sempre estão no holofote, antes, durante e após os jogos”.

Treinado por Telê Santana no começo de sua carreira e por Carlo Ancelotti no fim de sua trajetória no futebol, o capitão do penta, Cafu, reconhece a importância de um técnico dentro da estrutura futebolística, mas não considera que os treinadores estão tomando o lugar dos jogadores em relação à atenção que eles despertam em uma partida.

“Os treinadores cumprem suas funções e têm a linha de limite deles”, afirma o ex-jogador ao Estadão. “São muitos os personagens no futebol, jogadores, imprensa, técnicos, torcida, juiz... No fim, todos são figuras interessantes”. O lateral-direito de São Paulo, Milan e seleção brasileira calcula que o protagonismo é dividido igualmente entre técnico e jogadores. “É 50% de responsabilidade pra cada um”.

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O pentacampeão mundial avalia que, em determinados momentos, os técnicos roubam a cena mesmo, mas isso é um movimento natural. “A vontade de ganhar que faz isso. Só olhar o Simone Inzaghi quase invadindo o gramado na final da Champions League para jogar junto com a Inter”, exemplifica, citando o treinador vice-campeão europeu.

Protagonista no Fortalaeza, Vojvoda diz que a estrela são os jogadores Foto: Alex Silva/Estadão

Astros ou não, técnicos lidam com pressão

Técnico há mais de uma década, com passagens por Inter, Portuguesa, Sport, Bahia, Goiás, entre outros, Guto Ferreira diz que são principalmente as conquistas que elevam o patamar de um comandante. “Já tivemos treinadores tão importantes quanto o Abel Ferreira, do Palmeiras. Felipão, Luxemburgo, Telê... Tudo isso é fruto de conquistas. Quem conquista muito chega a esse nível de protagonismo”.

O sucesso, salienta Guto, só virá se o treinador tiver autonomia para trabalhar, o que nem sempre acontece. Elevados ao nível de astros ou não, muitos treinadores são mais populares até que jogadores, mas quando a cobrança vem, é proporcional ao nível de adoração.

“A questão é cultural e educativa. A emoção está na frente de tudo aqui no Brasil. São poucos os que falam da razão do resultado. Os torcedores racionais conseguem entender isso, mas existe uma pressão dos que não têm uma mínima noção disso”, critica Guto, atualmente sem clube.

Na ativa aos 71 anos, Luxemburgo foi considerado o melhor técnico do País no passado Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians

A estrela é o coletivo

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Em várias de suas entrevistas coletivas desde outubro de 2020, quando, então desconhecido dos brasileiros, trocou o Paok, da Grécia, pelo Palmeiras, Abel Ferreira enfatizou que a estrela é o grupo. O sucesso, ele gosta de dizer, só é possível graças ao jogo coletivo. “O mérito é deles, não sou eu que chuto a bola”, disse ano passado.

Embora seja exaltado e comparado aos maiores da história do Palmeiras, o português de 44 anos não assume esse rótulo de pop star. “São os jogadores que fazem a diferença no campo e na intensidade”, afirmou em outra ocasião. Segundo ele, “o altruísmo é a alma da equipe”.

Opinião parecida tem o argentino Juan Pablo Vojvoda. Simples e direto, o treinador do Fortaleza é avesso aos holofotes. Ele não se esquece de que, em sua pior fase no comando do time cearense, os jogadores não lhe abandonaram. Foi graças a eles, acredita o argentino, que o time saltou do grupo dos rebaixados para os que classificaram à Libertadores.

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“Durante o jogo, quem soluciona coisas em milésimos de segundos são os atletas”, disse Vojvoda em entrevista recente ao Estadão. “Há quem diga que o jogador de futebol é burro, que só sabe jogar bola. Ele suporta a pressão e é inteligente para decidir tudo em um segundo no campo”.

Quanto o técnico é responsável pelos resultados?

Há poucos estudos acadêmicos sobre a influência dos treinadores de futebol no resultado de uma partida. A maioria deles concluiu que a contribuição do treinador é marginal, suas decisões, escolhas e abordagens não são relevantes para o desenrolar de seus mandatos e seu poder se limita ao seu próprio destino e ao que os jogadores podem comer nas refeições.

Pesquisa do livro Soccernomics calculou que o técnico é responsável por apenas 8% dos resultados de determinada equipe, metade do que indicou um relatório publicado em The Numbers Games.

Outras pesquisas restritas aos círculos acadêmicos indicaram, em linhas gerais, que somente os técnicos verdadeiramente grandiosos, como Pep Guardiola, tiveram um impacto mais tangível e perceptível. Todos os outros se viram à mercê de fatores que não estavam inteiramente sob seu controle: a potência financeira do clube, a qualidade dos jogadores, a força de seus oponentes. Basta dar uma olhada no Paris Saint-Germain para saber que, mesmo com um técnico de alto calibre e um plantel de alta qualidade, às vezes a mistura não dá certo: para fazer as coisas funcionarem, é preciso gerar algum tipo de faísca, algo entre a química e a alquimia.