PUBLICIDADE

Publicidade

Atacante vereador, caiaque e desmanche: como os Estaduais lutaram para recomeçar

Retomada do calendário leva profissionais a se esforçarem para cumprir os compromissos depois de longa paralisação

Por Ciro Campos
Atualização:

Na cidade portuária de Paranaguá (PR) o vereador Ratinho precisou deixar de lado por uns dias as atribuições políticas para voltar a jogar futebol pelo time da cidade, o Rio Branco. Após quatro anos aposentado e mesmo sem ter treinado com o time, aos 40 anos ele calçou as chuteiras para a equipe conseguir ter 11 titulares nos compromissos restantes pelo Campeonato Paranaense. O esforço dele é o mesmo de tantos outros times, jogadores e dirigentes pelo Brasil: ter de voltar a jogar se tornou muitas vezes um fardo após a pandemia do novo coronavírus.

José Lummertz, preparador físico do Aimoré, usou caiaque para superar enchente evoltar ao trabalho Foto: Divulgação / AImoré

PUBLICIDADE

A paralisação de quatro meses exigiu dos clubes menores um empenho gigantesco para cumprir os compromissos adiados, pois o calendário passou a durar bem mais do que o orçamento cobriria. Os recursos minguaram, os jogadores ficaram sem contrato e os técnicos e dirigentes precisaram ser criativos. No interior paulista, o Mirassol perdeu 18 atletas na pandemia. Para reconstruir a equipe antes da retomada do Estadual, o técnico Ricardo Catalá promoveu 11 garotos das categorias de base e contou com contratações emergenciais. "Dentro das condições que tínhamos, foi preciso se reinventar", explicou.

Justamente o sufoco por não ter elenco fez o Rio Branco ter de tirar um membro da Câmara de Vereadores de Paranaguá. O time estava classificado para as quartas de final do Paranaense, porém não teve condições de renovar o contrato de todos os atletas. Como o atacante e vereador Ratinho estava inscrito porque planejava fazer um jogo oficial de despedida, precisou ser acionado para completar time diante do Cascavel.

"Nos dois jogos finais nós só tínhamos os titulares e um goleiro reserva. Sorte que ninguém se machucou. A equipe precisava jogar porque se não entrasse em campo, poderia ser punida com o rebaixamento. Eu nem cheguei a treinar com o time", contou Ratinho. Apesar do espírito esportivo, o Rio Branco perdeu os dois jogos: 3 a 0 e 5 a 0. Agora aposentado de vez, o vereador já está de volta aos afazeres na Câmara.

Ratinho, vereador de Paranaguá (PR), estava inscrito só para amistoso festivo, masteve que entrar em campo pelo time da cidade em jogos competitivos Foto: Arquivo Pessoal

Em termos de responsabilidade e compromisso com o time, poucos exemplos superam o do preparador físico José Lummertz, do Aimoré (RS). Nem uma enchente o deteve. No dia em que a equipe se reapresentou para a pré-temporada, em 10 de julho, ele só conseguiu sair de casa pela manhã graças a um caiaque. A filha de Lummertz registrou em vídeo o esforço do pai em não perder o compromisso.

"A minha presença era muito importante. Os treinos iam recomeçar e eu precisava avaliar os jogadores. Muitos vieram de longe só para jogar o campeonato", explicou. Lummertz vive em Sebastião do Caí (RS), a cerca de 30 quilômetros de São Leopoldo, cidade onde fica o Aimoré. Por morar em um prédio próximo a um rio e estar acostumado com rotineiras enchentes, o preparador se precaveu e deixou na noite anterior o carro estacionado a algumas quadras de casa, em uma região mais alta. Mas para chegar ao veículo, emprestou o caiaque de um vizinho e remou por 250 metros.

A pressa deu resultado. Lummertz deixou o caiaque na casa de um amigo, entrou no carro e acelerou o ritmo para chegar ao treino, marcado para as 9h30 da manhã. "Eu tinha na cabeça que não podia faltar à reapresentação. Só cheguei 15 minutos atrasado. O presidente do clube até me deu os parabéns pelo empenho. Sorte que quando voltei para casa, à noite, a água já tinha baixado", contou.

Publicidade

SECRETÁRIO DE ESPORTES

Para outro jogador, a volta do calendário significou ter de abrir mão de uma ocupação diferente iniciada na pandemia. O goleiro Wallef, do Afogados da Ingazeira (PE), ganhou fama no Brasil por jogar de boné e ter defendido pênaltis na vitória sobre o Atlético-MG, em fevereiro, pela Copa do Brasil. Quando o futebol foi interrompido, o contrato dele terminou e a saída foi iniciar em outra carreira.

Wallef retornou à cidade natal, São José do Calçado (ES), e por lá atuou durante 45 dias como Secretário Municipal de Esportes. Foi uma forma de garantir algum salário enquanto estava desempregado. "Eu sou amigo do prefeito e ele me convidou. Eu consegui realizar melhorias em algumas praças e fiz requerimento para uniformes novos para as crianças. Também ajudei em projetos culturais", contou ao Estadão.

Wallef, goleiro do Afogados da Ingazeira, foi secretário de esportes por 45 dias em sua cidade natal, São José do Calçado (ES), durante a pandemia do coronavírus Foto: Arquivo Pessoal

A gestão de Wallef no cargo terminou assim que o Campeonato Pernambucano recomeçou. O goleiro voltou a usar luvas, chuteiras e o tradicional boné. "O futebol sempre foi a minha prioridade. Só trabalhei como secretário porque estava sem contrato e sem salário. Ainda bem que o campeonato voltou, mas depois de tanto tempo parado, recomeçar foi difícil", explicou.