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Brasileirão amplia ‘internacionalização’ e poderá ter recorde de 180 atletas estrangeiros

Principal campeonato do País começa com 116 gringos; ex-presidente da Fenapaf fala em ‘mercado desenfreado’ e aponta estrangeiros de ‘qualidade duvidosa’

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Foto do author Ricardo Magatti
Por Ricardo Magatti
Atualização:

Com o fim dos campeonatos estaduais, a atenção dos clubes passa a ser o Brasileirão, que começa no próximo sábado, 13. Será a edição mais “internacional” desde 1971, quando a competição começou a ser disputada. A pedido dos clubes, a CBF liberou até nove jogadores estrangeiros para cada uma das 20 equipes da competição, fazendo com que o torneio possa ter até 180 gringos em campo.

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A mudança reforça um processo de internacionalização do Brasileirão nas últimas temporadas. Em 2023, o limite de estrangeiros já havia subido de cinco para sete jogadores por equipe. Agora, os clubes podem ter quantos estrangeiros quiser no elenco, mas é liberado relacionar até nove por partida. O Botafogo, por exemplo, tem dez atletas “forasteiros” no grupo e é o time mais “internacional” do futebol brasileiro. O clube carioca aposta também em atletas de ligas menos tradicionais, casos do zagueiro Bastos, que é de Angola, e do meia Jacob Montes, que nasceu em Nicarágua e é naturalizado americano.

Com 20 anos de atuação no mercado de transferências, o empresário Marcelo Robalinho diz que a CBF e os clubes exageraram na ampliação do limite, mas entende que, se bem selecionado, o estrangeiro enriquece o futebol nacional “por trazer uma formação e experiências diferentes, aumentando as opções de jogo dos treinadores e consequentemente trazendo uma maior competitividade a uma liga”.

Além do salário maior que geralmente os uruguaios, argentinos, paraguaios e colombianos, entre outros, recebem no Brasil, também é um atrativo, afirma Robalinho, a visibilidade de atuar na liga brasileira. “Como muito dos clubes compradores de estrangeiros são SAF’s e elas pertencem a grupos que ostentam a multipropriedade de clubes, tais jogadores também tem um caminho já pavimentado para Europa no caso de boas atuações nas filiais brasileiras”.

O Fortaleza tem oito estrangeiros em seu elenco, sendo seis deles argentinos. Marcelo Paz, CEO da SAF do clube cearense, é defensor da abertura do mercado para atletas de outras nacionalidades. “Acho que ter mais estrangeiros abre a possibilidade maior de mercado, um intercâmbio de culturas”, avalia o dirigente, segundo o qual, um gringo de bom nível, vem para elevar a equipe, mas tem de ser “dentro de uma realidade econômica plausível, que caiba dentro do orçamento dos clubes”.

Flaco López e Aníbal Moreno são dois dos cinco estrangeiros do elenco do Palmeiras Foto: Fabio Menotti/Palmeiras

No total, são 116 atletas de fora do País que vão disputar o campeonato mais importante do Brasil neste ano. Alguns deles são ídolos em seus times, casos de Gustavo Gómez, capitão do Palmeiras, e Arrascaeta, uruguaio do Flamengo. O zagueiro chegou ao time alviverde em 2018 e se consolidou como um dos melhores defensores do País. O meio-campista está no futebol brasileiro desde 2015. Teve uma passagem relevante pelo Cruzeiro, que o vendeu ao Flamengo em 2019 por R$ 63 milhões, no que foi, à época, a maior contratação da história do futebol nacional. O clube rubro-negro trouxe outros dois uruguaios neste ano: o lateral-esquerdo Matías Viña e o meia De La Cruz.

O sucesso de um jogador estrangeiro facilita muito a vinda de outros. Fica aquela imagem do vencedor, como foi o Gamarra no Corinthians, Dario Pereira no São Paulo, em outras épocas. Fica no imaginário do torcedor de que é possível trazer um estrangeiro que vá ser ídolo, que vá vestir a camisa, incorporar, se identificar com a instituição.

Marcelo Paz, CEO da SAF do Fortaleza

Outros buscam a idolatria. Enner Valencia é um deles. Depois de boas temporadas no futebol mexicano, inglês e turco, o atacante equatoriano decidiu se aventurar no Brasil ao aceitar no ano passado a proposta do Inter, que na última janela de transferência apostou em mais dois atacantes estrangeiros: o colombiano Borré e o argentino Lucas Alario.

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É um momento importante para o futebol brasileiro, pois possibilita aos clubes ter um leque ainda maior de oportunidades no mercado sul-americano, em tão claro e evidente crescimento, nos trazendo opções extremamente interessantes de grandes jogadores.

Alessandro Barcellos, presidente do Inter

A maioria dos forasteiros vem de países vizinhos. A Argentina é o país que mais cede talentos para o principal torneio nacional, com 41 atletas. Além dos “hermanos”, outros 14 países, considerando também os futebolistas naturalizados, possuem representantes na Série A do Campeonato Brasileiro: Uruguai, Portugal, Colômbia, Paraguai, Chile, Equador, Peru, Venezuela, Espanha, Bolívia, Bulgária, França, Nicarágua e República Democrática do Congo.

No Palmeiras, tem feito a sucesso a dupla argentina formada pelo volante Aníbal Moreno, autor do gol que garantiu ao Palmeiras o tri do Paulistão, e o atacante Flaco López, artilheiro do Estadual, com dez gols.

Revelado pelo Lanús, Flaco chegou ao Palmeiras em 2022. Jovem, ele levou um tempo para se adaptar, mas quando o fez, deslanchou. “Não achei que estava preparado para dar um salto para o futebol europeu”, justificou ele, sobre sua escolha pelo futebol brasileiro. O River Plate quis o argentino no início desta temporada, mas ele decidiu ficar no atual campeão brasileiro. “O Palmeiras também fez tudo para me trazer. Dou muito valor nisso. Sou muito grato ao Palmeiras. Não me arrependo de ter vindo para cá. Sempre sonhava em ser campeão e consegui aqui”.

‘Mercado desenfreado’

A flexibilização da regra de atletas de fora do País no futebol brasileiro suscitou um debate quente sobre a “invasão estrangeira”. Alfredo Sampaio, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol do Rio de Janeiro (SAFERJ) e ex-presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), é um dos maiores críticos. Ele considera que tantos jogadores de outras nacionalidades pode tirar a vaga de atletas brasileiros, sobretudo os mais jovens.

Está afetando o mercado interno, vai gerar desemprego e está deixando muitos jogadores encostados, no sub-23, por exemplo. Estamos na contramão do mundo. Os bons são negociados muito cedo e os que ficam aqui estão perdendo espaço.

Alfredo Sampaio, ex-presidente da Fenapaf

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“Nossa defesa é que o Brasil é um país formador, tem uma matéria-prima abundante, vão sempre vir moleques bons. Aí a gente está trazendo uma quantidade enorme de estrangeiros que estão tomando lugar dos brasileiros. O Brasil não é um país arabe, que não tem matéria-prima como nós temos. O Brasil não precisa disso”, acrescenta.

Em debate no Conselho Técnico da CBF, a Fenapaf propôs que o limite de estrangeiros na Série A fosse de cinco atletas na Série A, três na Série B e que não pudesse haver jogador de fora do País nas Séries C e D. “A grande maioria são meninos pobres, de comunidades, e que veem no futebol a porta da esperança. São meninos que se sacrificam para jogar futebol. A caminhada já é difícil e agora, com tantos estrangeiros, ficou pior. Estamos dificultando a carreira dos jogadores”, argumenta Sampaio.

O ex-presidente da Fenapaf vê um “mercado desenfreado”. Para ele, a CBF é passiva quanto a esse tema e os clubes não se preocupam porque dizem que, com atletas de fora do Brasil em campo, engrandece o espetáculo. “Mas está sendo péssimo sob o ponto de vista do mercado interno”, alega. Sampaio se incomoda porque crê que as transações financeiras se sobrepõem ao futebol e que muitos estrangeiros que vêm ao Brasil são de “qualidade duvidosa”.

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“E o que mais incomoda é que é um negócio muito grande. Você fica sabendo que só um clube pagou mais de 200 milhões de intermediação. O mesmo empresário que leva o garoto para fora é o que traz o estrangeiro”, afirma. “Se todos os estrangeiros fossem como Gómez, Arrascaeta, De la Cruz, seria perfeito porque são jogadores pontuais, de alto nível. Seria como era antigamente, com Forlán, Figueroa, Romerito. O problema é que o volume de busca de dinheiro é tão grande que os caras trazem todo mundo”, completa.

O empresário Marcelo Robalinho concorda que o cenário ideal seria ter, no Brasileirão, gringos do mesmo nível ou melhores tecnicamente que os brasileiros. “O jogador estrangeiro tem que trazer consigo algo que não temos aqui. Infelizmente, a opção da maioria dos clubes é olhando para o custo de salários, pois normalmente o sul-americano vem com o salário menor que um brasileiro do mesmo nível”, argumenta.

“Os jogadores brasileiros saem muito jovens para o exterior, o que faz com que a gente acabe perdendo muito talento. Os sul-americanos, que são os principais estrangeiros que estão no Brasil, podem vir e repor essas perdas”, defende Cristiano Dresch, presidente do Cuiabá.

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