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Como a Tailândia se tornou opção de carreira para técnicos brasileiros

País do sudeste asiático tem profissionais do Brasil que vivem há mais de uma década inseridos na cultura local e abrem portas para nova geração que busca abrir portas no mercado da bola

Foto do author Rodrigo Sampaio
Por Rodrigo Sampaio

O relógio já marcava meia-noite para Alexandre Gama quando ele fez a gentileza de atender a reportagem. Dez horas à frente no fuso horário, o carioca de 56 anos tinha acabado de chegar em casa após comandar o Lamphun Warriors no empate por 2 a 2 com o Bangkok United pela 17ª rodada do Campeonato Tailandês. Apesar do nome pouco conhecido no Brasil, ele marcou história no país asiático e atualmente é um dos três técnicos brasileiros trabalhando na Tailândia.

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Depois de uma breve carreira como jogador, Gama começou a trabalhar como treinador e logo de cara conquistou o Mundial sub-20 pelo Fluminense, em 2005, nos Emirados Árabes. Lá, ele conta que se surpreendeu ao ver as filhas do preparador físico Helvécio Pessoa, compatriota que fez carreira no Oriente Médio, falando tão bem inglês e árabe, e decidiu que queria o mesmo para sua família. Assim, aceitou um convite para trabalhar no Al-Wahda. Com as portas abertas na Ásia, ele passou por Catar e Coreia do Sul antes de receber uma proposta para comandar o Buniram United, um dos times mais importantes do futebol tailandês.

“Me chamou bastante atenção porque os brasileiros ainda não tinham vindo muito para cá. Era uma chance de marcar território desbravando um novo mercado. Foi uma das minhas melhores escolhas. Já estou na Tailândia aqui há 11 anos”, comenta. “No início foi difícil porque a cidade (Buniram) não tinha escola internacional para minhas filhas. Elas ficavam dois, três meses, e depois eu ficava sozinho. Essa foi a parte mais difícil, mas sabia que estava em um clube que ia me dar toda a estrutura necessária.”

Alexandre Gama, um dos brasileiros na Tailândia, comanda o Lanphun Warriors. Foto: Reprodução/@gamalima7

Oito vezes campeão na Tailândia, Gama se comunica em inglês e recorre ao tradutor quando necessário, mas entende algumas coisas do idioma local, considerado difícil pelo treinador. A culinária tailandesa, uma das mais famosas do mundo, caiu rapidamente no seu gosto, mas sempre que pode, traz linguiça e feijão do Brasil. O fried rice (arroz frito) é o seu prato preferido, mas dispensa comidas exóticas, como insetos e escorpiões. Acostumado ao calor do Rio, o carioca tem como programa preferido as praias paradisíacas do litoral tailandês.

“Eu falo para os meus amigos que eu moro onde eles querem passar minhas férias. Minhas filhas também amam vir para cá”, conta.

As praias, assim como as sopas apimentadas, são as preferidas do xará Alexandre Pölking, mais conhecido como Mano. O gaúcho de 48 anos fez carreira como jogador na Alemanha — além de se casar no país, ele tem dois filhos que ainda moram lá. Após pendurar as chuteiras, recebeu uma proposta para ser auxiliar técnico do alemão Winfried Schäfer, que havia dirigido Camarões da então promessa Samuel Eto’o na Copa de 2002, nos Emirados Árabes. O brasileiro viu como uma oportunidade única e não pensou duas vezes em aceitar. Quatro anos depois, veio a oportunidade para liderar um projeto na Tailândia.

Mano ajudou o Bangkok United a mudar de patamar, desenvolvendo categorias de base e participando da montagem do centro de treinamento. Ele pegou o time na segunda divisão e em pouco tempo estava disputando títulos nacionais, amargando um vice da Copa da Federação Tailandesa justamente para Alexandre Gama. Após seis anos, o treinador vai para o futebol do Vietnã antes de aceitar uma oferta para dirigir a seleção da Tailândia, trabalho que marcou sua carreira. Sob o seu comando, a equipe nacional venceu dois campeonatos do sudeste da Ásia e por muito pouco não foi para a Copa do Catar, perdendo a vaga para a China.

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Fora do Brasil há 26 anos, sendo 12 na Ásia, ele desfruta da vida na Tailândia enquanto aguarda um novo trabalho — está em negociações para comandar o Vietnã. Ele mora em um condomínio com outros sul-americanos, com escola internacional integrada. A qualidade de vida no país, com segurança e infraestrutura que o surpreendeu, somada à estabilidade necessária para fazer um “pé de meia”, o fez gostar do país. O treinador está fazendo um curso online visando a possibilidade de virar executivo de futebol em um eventual retorno ao Brasil.

“Acordo às 5h da manhã aqui para as aulas, já que o curso é 19h aí no Brasil. Aproveito e vejo os jogos e dou uma dormidinha de novo depois”, conta. “Quero voltar, mas a carreira de treinador no Brasil é uma selva. Tem treinador que fica três meses e já é demitido. Claro que a gente espera ser observado, mas passei seis anos em um clube na Tailândia. Não estou acostumado com isso”, diz.

Alexandre "Mano" Polking teve passagem pela seleção da Tailândia.  Foto: Federação Tailandesa de Futebol

Futebol

A liga profissional da Tailândia conta com 16 times, sendo o atual campeão Buniram o maior vencedor, com nove títulos. Recentemente, o clube contratou o técnico Jorginho, ex-Vasco e lateral-direito na conquista do Tetra pela seleção brasileira. Não só os treinadores que encontraram oportunidades no país.

Atualmente, são 31 jogadores brasileiros na liga. Os recém-chegados são o atacante Bissoli, ex-São Paulo e Athletico-PR, e o meia Lucas Crispim, ex-Santos e Fortaleza. O maior artilheiro da história do Campeonato Tailandês é o brasileiro Heberty, nome pouco conhecido no País, com 159 gols em 249 partidas.

Entre as peculiaridades do futebol tailandês está a maneira como a religião impacta os jogadores. Se no Brasil há atletas se ajoelhando e agradecendo aos céus pelo gol marcado, na Tailândia o budismo, religião oficial do país, faz com que a tranquilidade reine dentro e fora de campo.

Jorginho está na Tailândia dirigindo o Buniram United.  Foto: Carlos Gregório Jr. / CRVG

“Aqui eles não gostam do confronto. Para o futebol, às vezes atrapalha um pouco porque uma hora depois do jogo os caras estão de boa de novo”, conta Mano. “Claro que ninguém gosta de perder, mas para eles faz parte. Eles estão vivendo bem com a família, com carro e uma casa legal. Então está tudo bem. Para nós (brasileiros), ganhar ou perder é um abismo de diferença.”

Para Mano, o futebol tailandês é o melhor do sudeste da Ásia, acima de Vietnã e Indonésia, mas está atrás de outras ligas do continente, como Japão, Coreia do Sul e, claro, Arábia Saudita. Para ele, a Tailândia terá ainda mais chances de ir para uma Copa do Mundo com as vagas aumentando de 32 para 48. O brasileiro acredita que para o futebol local melhorar, o país precisa exportar mais jogadores de qualidade, para a liga ganhar notoriedade.

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A tese é endossada por Gama. “Aqui é profissional ao extremo, mas eles precisam jogar em outro nível para poder evoluir. Isso é normal em qualquer lugar. Você tem de estar com os melhores para poder evoluir, como o Japão e a Coreia começaram a crescer.”

Da arquibancada a Chiang Rai

O mais novo brasileiro a embarcar na aventura de ir para a Tailândia é o carioca Gabriel Magalhães, de 40 anos, técnico do Chiangrai United. Em um ano e meio no comando da equipe, ele acumula mais de 50 partidas pela equipe. Era um torcedor de arquibancada que fez educação física e foi aos poucos se penetrando no futebol através das especializações e dos estudos. Entrou primeiramente como auxiliar técnico e analista de desempenho, passou por funções nas categorias de base, até chegar ao cargo de auxiliar técnico e, por fim, ser treinador.

No Corinthians, onde ficou de 2016 a 2020, foi um dos responsáveis pelo CADI (Centro de Análise de Desempenho e Inteligência da Informação), uma plataforma de inteligência que potencializa a performance dos atletas da base e armazena informações de todos os jogadores do clube. Posteriormente, ainda no Timão, passou a equipe do CIFUT, sendo responsável principalmente por analisar os adversários do Corinthians na temporada do profissional.

Técnico Gabriel Magalhães se aventura com a família na Tailândia. Brasileiro comanda o Chiangrai United. Foto: Arquivo Pessoal

“Sem dúvidas alguns dos meus grandes aprendizados vieram do Corinthians. Ali eu tive a oportunidade de trabalhar ao lado de caras com muita bagagem como Fábio Carille (Santos), Tiago Nunes (Universidade Católica-CHI), Jair Ventura (Atlético-GO), Eduardo Barroca (Avaí) e muitos outros que me ensinaram muito sobre futebol e conceitos táticos”, conta.

Diferentemente de Gama, Pöllking e Jorginho, já estabelecidos no mercado, Gabriel conta que já apitou e atuou como bandeirinha em jogos amadores e de base para ganhar uma renda extra. Ele não esconde o desejo de um dia voltar ao Brasil, mas comemora a oportunidade na Tailândia e cita as horas de estudo como essenciais para conquistar espaço no futebol asiático.

“Hoje em dia no futebol se você não estuda você não é ninguém. É praticamente impossível você se penetrar no meio se não buscar qualificação técnica e foi isso que eu fiz. O inglês fluente, por exemplo, me deu a chance de estar aqui. Sem ele, nãoo tinham nem aberto meu currículo e procurado mais informações.”

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