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Ficar fora do Aberto da Austrália é um ponto de virada para Novak Djokovic

No passado, tenista sérvio já se recuperou de períodos desmoralizantes e voltou a vencer

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Por Christopher Clarey
Atualização:

Mesmo depois de ser expulso da Austrália, Novak Djokovic permanecerá em primeiro lugar no ranking masculino do tênis ao final do Aberto da Austrália, que começou na segunda-feira, sem ele.

Ele ainda detém os títulos do Aberto da França e de Wimbledon; ainda tem membros flexíveis, habilidades formidáveis e uma profunda história de resiliência diante de multidões hostis e probabilidades baixas.

Ficar fora do Aberto da Austrália é um ponto de virada para Novak Djokovic. Foto: Darko Bandic/AP

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Mas neste esporte tão competitivo, muitas vezes categorizado por épocas e pelos campeões que as definem, não seria surpresa se o domingo marcasse um ponto de virada para Djokovic, simbolizado por sua longa e sombria caminhada até o portão do aeroporto de Melbourne sob a escolta de funcionários da imigração.

Djokovic tem 34 anos e, enquanto deixava a Austrália contra sua vontade depois que seu visto foi cancelado, uma nova geração de estrelas mais altas e muito talentosas do tênis se preparava para buscar o título do torneio Grand Slam que ele dominou como nenhum outro e talvez nunca jogue novamente, se não for revogado seu banimento de três anos do país.

“Isso com certeza pode derrubá-lo”, disse no domingo John Isner, amigo de Djokovic e um dos jogadores americanos mais bem classificados. “Sinceramente, não sei qual vai ser o caminho. Pode levar muito tempo para ele se recuperar, reacender a chama”.

No passado, Djokovic já se recuperou de períodos desmoralizantes e voltou a vencer. Em 2017, após aquela que talvez tenha sido a fase mais dominante de sua carreira, ele enfrentou problemas de motivação e perdeu por mais de um ano, época em que lidava com problemas pessoais e uma lesão persistente no cotovelo direito. Ele tinha um compromisso com a cura natural - o que prenunciaria sua decisão de não ser vacinado contra o coronavírus. Mas depois de jogar o Aberto da Austrália de 2018 com o cotovelo protegido por uma manga de compressão, ele decidiu, às lágrimas, se submeter a uma cirurgia.

Cinco meses depois, ele voltou a ser campeão de Grand Slam, conquistando o título de Wimbledon de 2018 e logo se restabelecendo como número 1, às custas de seus rivais de longa data, Roger Federer e Rafael Nadal.

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No início de 2020, Djokovic ainda estava em alta, começando o ano com 18 vitórias consecutivas antes de a pandemia fechar o esporte por cinco meses. Em junho, durante a pausa forçada, ele organizou uma imprudente turnê de exibição pela Sérvia e Croácia que se transformou em um evento de super difusão de vírus e uma crise de relações públicas, uma vez que ele e outros jogadores e membros da equipe, entre eles o técnico de Djokovic, Goran Ivanisevic, apareceram em imagens dançando e festejando sem máscara em uma boate dos Balcãs, completamente fora de sincronia com o clima global.

A turnê foi cancelada. Djokovic, sua esposa, Jelena, Ivanisevic e outros testaram positivo para o coronavírus, e quando Djokovic voltou à ação em Grand Slam, no US Open de 2020, ele foi eliminado do torneio na quarta rodada: irritado depois de ter seu serviço quebrado, ele descartou uma bola que, inadvertidamente, acertou uma juíza de linha na garganta. Ele foi dispensado pelo árbitro e voltou para a Europa. O jovem austríaco Dominic Thiem acabou ganhando o título.

Depois de todas as decisões duvidosas e arranhões em sua imagem, era de se esperar que Djokovic vivesse mais uma reviravolta. Como reflexo de sua tenacidade e talento, ele voltou em 2021 com uma de suas melhores temporadas: venceu os três primeiros torneios Grand Slam e chegou a uma partida de alcançar o primeiro Grand Slam masculino de simples em 52 anos ao perder para Daniil Medvedev na final do US Open.

Essa demonstração de resiliência em 2021 é um recado para todas aquelas pessoas que acham que Djokovic vai ficar chorando debaixo da cama de seu apartamento em Monte Carlo após o episódio australiano.

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Estamos falando de um jogador que se tornou campeão apesar de ter crescido em Belgrado durante o violento desmembramento da Iugoslávia, quando os bombardeios da Otan o obrigavam a interromper os treinos. Ele saiu de casa aos 12 anos para treinar em uma academia de tênis na Alemanha, enquanto seus pais e família tomavam empréstimos e improvisavam para financiar seu treinamento, na esperança de que o esporte fosse seu caminho para dias melhores. Djokovic me disse que seu pai, Srdjan, certa vez reuniu a família, botou uma nota de 10 marcos alemães na mesa da cozinha e explicou que este era todo o dinheiro que restava.

“Ele disse que mais do que nunca tínhamos de ficar juntos e passar por tudo juntos e encontrar o caminho”, disse Djokovic na entrevista. “Foi um momento muito poderoso e muito impactante no meu crescimento, na minha vida, nas vidas de todos nós”.

O que é uma deportação comparada a tudo isto? A resposta parece evidente, mas as pancadas vão se acumulando. Djokovic está acostumado a ser o forasteiro, a ouvir os rugidos de apoio a Federer e outros adversários, mas vencer mesmo assim. Ele chegou ao ponto de imaginar que as multidões estavam cantando seu nome, mas nunca foi um alvo de reprovação global a este ponto.

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Embora insista que não quer ser defensor da causa antivacina, as consequências de sua postura iconoclasta na Austrália - ele é um dos três únicos jogadores do top 100 masculino que não se vacinaram - significam que ele ficará indelevelmente associado ao problema. E enquanto continuar não vacinado, enfrentará desafios para entrar em alguns outros países e torneios.

A energia é uma das marcas registradas de Djokovic. Basta passar um tempo cara a cara com ele para ver sua força vital e sua incansável curiosidade se manifestarem. Mas, nos últimos anos, ele se dedicou muito a causas que estão além de vencer partidas de tênis: enfrentar o status quo do circuito masculino e criar um novo grupo de jogadores para - até agora sem sucesso - promover mudanças e dar mais poder de decisão aos jogadores de todos os níveis do ranking. Ele também ajudou a criar um novo torneio em Belgrado, fez trabalhos de caridade na Sérvia e na região dos Balcãs e cooperou com um documentário de bastidores que deve ser lançado em 2022.

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Conteúdo é o que não falta: são muitos os grandes triunfos e também os reveses brutais. Quando tudo isto vai começar a cobrar seu preço? A resposta pode ser: agora.

Mesmo em sua notável temporada de 2021, havia indícios de uma nova vulnerabilidade em quadra. Ele jogou menos - é sua idade dando um alô - e precisou concentrar energia nos torneios maiores. Mas foi mal em alguns eventos regulares do circuito e ficou aquém na Olimpíada, não conseguindo ganhar medalha e perdendo para Alexander Zverev nas semifinais do torneio de simples.

“Uma das coisas interessantes do ano passado foi que ele foi ficando cada vez mais vulnerável a cada semana”, disse Patrick McEnroe, comentarista da ESPN e ex-capitão da Copa Davis dos Estados Unidos. “Ele obviamente aprendeu a se preparar e a se superar nos grandes torneios, mas normalmente seria quase imbatível nos outros torneios, e parece que isso mudou. É engraçado: mesmo que ele tenha vencido três Grand Slams, a gente sentia que ele estava meio que pendurado por um fio”.

Medvedev e Zverev o venceram nas partidas que realmente importaram em 2021, embora apenas Medvedev tenha conseguido vencê-lo em uma partida de cinco sets que importava. A menos que Nadal possa recapturar a magia após uma longa paralisação e gerar profundidade consistente com seus golpes de fundo de quadra, Medvedev e Zverev são os favoritos na ausência de Djokovic em Melbourne.

Djokovic, se jogar como Djokovic, está pronto para continuar um passo à frente no saibro e na grama, onde nem Medvedev nem Zverev se firmaram em Wimbledon. Mas os fatores intangíveis serão decisivos.

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A derrota de Djokovic para Medvedev em Nova York no ano passado pareceu marcar uma mudança na opinião pública: uma conexão mais profunda e uma apreciação por sua excelência duradoura, mesmo que ele não tenha conseguido completar sua missão. Mas, depois de Melbourne, parece absurda a ideia de que ele poderia, no outono da carreira, igualar a popularidade global de Federer e Nadal. Djokovic vem polarizando o debate há muito tempo e, ao que parece, vai continuar assim.

Suas decisões desastrosas não ajudam: escolher se reunir com repórteres quando deveria ter se auto-isolado após um resultado positivo para coronavírus foi o exemplo mais recente.

A culpa pelo caso australiano não foi toda sua. As mensagens confusas das autoridades australianas sobre os requisitos para entrada no país tiveram um papel fundamental. Assim como o clima político e social quando ele chegou a um país e a uma cidade que estavam enfrentando aumento nos casos, apesar das medidas extremas e lockdowns de 2020 e 2021. Em retrospecto, ele não deveria ter vindo. Mas agora é tarde demais.

O Aberto da Austrália acontecerá sem Djokovic pela primeira vez desde 2004. E, com Federer lesionado, esta é a primeira vez na longa carreira de Nadal que ele será o único representante dos Três Grandes em um torneio de Grand Slam.

A era dos Três Grandes tem sido uma das mais cativantes e duradouras dos esportes, e eles compartilham o recorde masculino com 20 títulos de Grand Slam cada. Não é impossível que tudo termine empatado. Sua era está nos últimos estágios, dadas as suas idades e os talentos que vão surgindo no seu rastro. Tudo o que aconteceu em Melbourne nos últimos onze dias pode acelerar a transição. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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