Aumento de diagnósticos de autismo está relacionado a maior conhecimento sobre o tema, não a vacinas

Há consenso científico que imunizantes não estão associados ao transtorno; especialistas afirmam que hoje há mais atenção a sinais para identificar pessoas autistas

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Foto do author Luciana Marschall

O que estão compartilhando: vídeo gravado por médico que diz receber questionamentos de pacientes relacionando vacinas ao autismo. Segundo ele, em 1983 as crianças recebiam 10 vacinas e havia uma autista para cada 10 mil, enquanto em 2018 eram aplicadas 74 vacinas e havia uma criança autista a cada 36. Ele acrescenta que um estudo de 2022 afirma haver uma criança autista a cada 30.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso porque existe consenso científico de que os imunizantes não estão associados ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Especialistas afirmam que o aumento no número de diagnósticos está relacionado a um maior conhecimento sobre o tema. O autismo pode ser causado por diversos fatores, tanto ambientais, como prematuridade, quanto genéticos, como alterações cromossômicas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os dados epidemiológicos disponíveis mostram que não há ligação entre imunizantes e TEA. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), relacionar vacinas ao autismo é desinformação científica. O Ministério da Saúde informa que, atualmente, 18 vacinas são recomendadas para as crianças, e não 74.

Dados epidemiológicos disponíveis mostram que não há provas de uma ligação entre imunizantes e autismo. Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: O vídeo checado aqui foi postado por um médico na conta dele no Instagram e compartilhado por outros usuários, viralizando também no X (antigo Twitter).

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Na gravação, o autor afirma estar sendo procurado por pacientes que o questionam sobre a relação entre vacinas e autismo. Ele alega que o “Google diz” que não há relação entre os dois temas, mas em seguida cita dados sobre aumento do número de vacinas disponibilizadas para crianças e de casos de autismo registrados.

O médico diz que em 1983 eram feitas 10 vacinas nas crianças e havia uma autista para cada 10 mil. Em 2018, alega, eram 74 vacinas e uma criança autista para cada 36. Por fim, o médico afirma não saber responder às dúvidas dos pais porque “fica tentando relacionar uma coisa com outra, mas o Google diz que não tem nada a ver”. Embora seja verdade que o número de diagnósticos de autismo aumentou, essa alta está relacionada a um maior conhecimento de pais e médicos sobre o tema.

As pessoas estão mais atentas e têm mais informações sobre os sinais do TEA e houve intensificação e mudança nos diagnósticos”, informou a neurologista pediátrica Isabella Peixoto Barcelos, pós-doutoranda do Hospital Pediátrico da Filadélfia ao Verifica. “O aumento no número de casos é ocasionado pela ampliação dos critérios, com crianças que tinham outro diagnóstico sendo identificadas como autistas”.

Vacinas não causam autismo

O autor do vídeo desinforma ao associar o aumento de casos diagnosticados de TEA com vacinas administradas em crianças. Conforme a OMS, os dados epidemiológicos disponíveis mostram que não há provas de uma ligação entre imunizantes e o autismo. A Anvisa, que autoriza o uso de vacinas no Brasil, afirma não haver nenhuma indicação de relação entre o uso de vacinas e o autismo.

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As Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com TEA, publicadas pelo Ministério da Saúde, destacam que se sabe, até o momento, que o autismo pode ser causado por diversos fatores, tanto ambientais quanto genéticos. Na primeira abordagem, as causas podem ser infecções perinatais, prematuridade e asfixia, que podem causar agressões cerebrais nas áreas relacionadas ao transtorno. Na segunda, observam-se alterações cromossômicas e doenças monogênicas.

O neurologista da infância e adolescência Erasmo Casella, membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI), diz que a comunidade médica percebe um aumento de diagnósticos de autismo, que ele atribui ao maior conhecimento sobre o transtorno. “Eu me formei em 1981 na Universidade de São Paulo (USP) e nunca tive aula sobre o assunto na faculdade, na residência ou na pós-graduação. Hoje, as faculdades têm esse tema e ele aparece bastante em congressos, além de ser divulgado na mídia, então não é que estão inventando o diagnóstico, mas sim que as pessoas foram aprendendo a fazer o diagnóstico”, observa.

Atendimento a crianças autistas no Centro Especializado em Reabilitação Tucuruvi, em São Paulo. Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

O especialista destaca que, apesar de serem conhecidos fatores ambientais que aumentam risco de autismo, é consenso científico que as vacinas não estão entre eles. Peças desinformativas neste sentido começaram a circular em 1998, quando um estudo posteriormente removido pela revista científica Lancet levantou preocupações sobre uma possível relação entre autismo e vacinas contra o sarampo, a caxumba e a rubéola. A pesquisa foi considerada seriamente falha. Um dos autores, Andrew Wakefield, foi proibido de exercer a medicina na Inglaterra pelo Conselho Médico Geral por atitudes antiéticas na condução do experimento.

Após isso, destaca o médico, outros estudos provaram o contrário. Como exemplo, ele cita a revisão sistêmica A vacinação aumenta o risco de transtorno do espectro do autismo?, publicada em agosto de 2022 na revista Cureus. O artigo analisou 21 estudos divulgados entre 1998 e 2022 que conduziram pesquisas em seres humanos para examinar a relação entre a vacinação e o desenvolvimento do autismo. A análise concluiu não haver qualquer ligação entre o desenvolvimento de TEA e a imunização.

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Crianças recebem 18 vacinas no Brasil, e não 74

O dado informado sobre a quantidade de vacinas aplicadas em crianças também não é verdadeiro. Conforme o Ministério da Saúde, atualmente, 18 vacinas fazem parte do Calendário Nacional de Vacinação da Criança, sendo que uma delas, a Pneumocócica 23-valente, é indicada apenas para indígenas. Além dessas 18 vacinas do calendário nacional, as crianças menores de seis anos também devem ser vacinadas anualmente contra influenza, o que ocorre em estratégia de campanha.

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi formulado em 1973 e institucionalizado em 1975. O primeiro calendário básico de vacinação, divulgado em 1977, tinha apenas quatro imunizantes obrigatórios para crianças menores de 1 ano: tuberculose, poliomielite, sarampo e um tríplice contra difteria, tétano e coqueluche.

No ano seguinte, foi acrescentada a vacina contra a varíola, mas em 1980, depois da declaração da erradicação mundial da doença, foi estabelecida a não obrigatoriedade do imunizante. O calendário, então, voltou a ter apenas quatro vacinas obrigatórias naquela época, e não 10, como afirma o post. Apenas em 1986 foi incluído um novo imunizante no calendário, contra a hepatite B.

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Outro dado apresentado de maneira distorcida é referente à incidência de casos de autismo. Segundo Erasmo Casella, a referência para a classe médica é o levantamento feito a cada dois anos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano, que em 2023 divulgou haver no ano anterior, 2022, um caso de autismo a cada 36 crianças – e não 30, como afirma o post.

Conforme o CDC, a estatística foi registrada entre crianças de 8 anos de idade e não representa todos os Estados Unidos, sendo os dados oriundos de 11 comunidades monitoradas. . As novas descobertas são superiores à estimativa anterior, de 2018, que encontrou uma prevalência de 1 em 44.

No Brasil, não há dados disponíveis sobre a quantidade de autistas. Em 2019, foi sancionada a Lei nº 13.861, que determinou a inclusão das especificidades do TEA nos censos demográficos. Conforme o Ministério da Saúde, anteriormente, esse dado não era coletado, resultando na ausência de dados estatísticos sobre o número de pessoas com o transtorno no Brasil e sua distribuição geográfica. “Com a publicação do Censo Demográfico 2022/2023, espera-se obter um panorama oficial da quantidade de pessoas com autismo no país”, informou a assessoria de imprensa do órgão.

O que é o autismo?

Conforme a OMS, o TEA constitui um grupo diversificado de condições relacionadas ao desenvolvimento do cérebro, com características que podem ser detectadas na primeira infância ou muito mais tarde.

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É caracterizado por algum grau de dificuldade de interação social e comunicação e também pode apresentar padrões atípicos de atividades e comportamentos, como dificuldade de transição de uma atividade para outra, foco em detalhes e reações incomuns às sensações.

Embora algumas pessoas com autismo possam viver de forma independente, outras necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida.

Quem é o médico que gravou o vídeo?

O vídeo foi gravado pelo médico Djalma Marques, que se apresenta como “Dr. Kefir”, em alusão à uma bebida fermentada. Ele já foi alvo de checagem anterior ao espalhar desinformação sobre a covid-19. O médico foi procurado pela reportagem via Instagram, mas não respondeu.

A alegação feita por ele não circula exclusivamente no Brasil. A AFP verificou conteúdos semelhantes nos Estados Unidos.

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