Não, comandante do Exército não foi preso por vender armas ao tráfico

Vídeo inventa operação liderada por militar que está na reserva; Tomás Paiva não confessou ter vendido armamentos do arsenal brasileiro a traficantes de drogas

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Por Clarissa Pacheco e Luciana Marschall

O que estão compartilhando: que o comandante do Exército Brasileiro, general Tomás Paiva, confessou que vendeu armas do arsenal de guerra do Exército para o tráfico de drogas; o esquema teria sido descoberto pelo chefe da Inteligência do Exército, general Décio Luís Schons.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Não há qualquer acusação contra o comandante do Exército; o general Paiva não chegou a visitar Barueri, onde foram furtadas 21 armas da corporação. Nesta quinta-feira, 19, o comandante exonerou o diretor do Arsenal de Guerra de Barueri, tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa. Também nesta quinta, o Exército e a Polícia Civil do Rio de Janeiro anunciaram que oito armas — quatro metralhadoras e quatro fuzis — foram recuperadas no Rio, na entrada da Gardênia Azul, onde seriam negociadas com o Comando Vermelho.

 Foto: Arte/Estadão

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Saiba mais: O Exército investiga desde dia 10 de outubro o furto de 21 armas de alto impacto – 13 metralhadoras calibre .50, com capacidade para derrubar aeronaves e perfurar veículos blindados, e 8 fuzis 7.62.

As armas eram do Arsenal de Guerra de São Paulo, que fica em Barueri (SP), e o sumiço foi percebido no dia 10, durante uma inspeção interna, na mesma semana em que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, visitava bases militares em São Paulo.

Logo após o sumiço das armas, cerca de 480 militares do Arsenal de Guerra de São Paulo foram aquartelados em Barueri para evitar a destruição de provas. Na terça-feira, 17, o Comando Militar do Sudeste anunciou que 320 foram liberados e 160 continuavam no local — para cumprir suas atividades ou por ainda interessarem à investigação, conduzida pela caserna.

Segundo publicou a coluna de Monica Gugliano, no Estadão, as investigações do Exército indicavam que um ou mais militares de dentro do quartel arquitetaram o crime. Na quinta, 19, o Comando Militar do Leste informou ter identificado os suspeitos de ligação com o caso e ter notificado outros militares que teriam cometido infração disciplinar por falha na vigilância do armamento.

Em entrevista coletiva, o Exército e a Polícia Civil do Rio informaram que o furto das 21 armas aconteceu entre os dias 6 e 8 de setembro e que suspeita-se da participação de um cabo do Exército e de quatro civis. Dezenas de outros militares estão sendo investigados em um inquérito militar por cometer falhas administrativas. O inquérito corre em sigilo.

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A alegação de que Tomás Paiva teria sido preso por vender armas do Exército a traficantes não faz sentido, já que ele próprio acompanha as investigações, como já publicou o Estadão. Segundo o Exército, as armas eram “inservíveis” e estavam no local para serem descartadas, já que os reparos não eram vantajosos. Cada metralhadora pesa 38,5 quilos e mede 1,75 metro.

General Décio Luís não é da ativa, nem foi chefe da Inteligência

O conteúdo verificado aqui tem pouco mais de 12 minutos e foi publicado no YouTube por um canal que costuma fazer acusações contra o atual comandante do Exército. Embora haja variações nos argumentos, as histórias costumam ser parecidas: um general chefe da Inteligência do Exército chamado Décio Luís teria descoberto um grande esquema de corrupção envolvendo o comandante Tomás Paiva, fazendo com que o ministro do Superior Tribunal Militar (STM) Lourival Carvalho ordenasse sua prisão e o expulsasse do Exército.

As inconsistências começam aí: o general Décio Luís Schons, citado no vídeo como o grande responsável por descobrir o esquema de venda de armas de Tomás Paiva, não está na ativa do Exército Brasileiro desde março de 2021, quando passou oficialmente à reserva.

Ele tampouco chefiou o setor de Inteligência do Exército quando esteve na ativa. Décio Luís Schons foi chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército de 2017 até 2021, integrou o Alto Comando do Exército e presidiu o Conselho de Administração da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel).

O vídeo cita outras alegações já desmentidas pelo Estadão Verifica, como a de que 120 mil militares do Exército tenham sido autorizados a prender o ministro Alexandre de Moraes e de que Tomás Paiva estaria desviando dinheiro dos cofres das Forças Armadas.

Em nota, o Exército Brasileiro disse que os supostos fatos mencionados no vídeo não ocorreram e que “tais mensagens apenas contribuem para a desinformação da nossa sociedade”.

O comandante-geral do exército, general Tomás Ribeiro Paiva, em cerimônia em comemoração ao Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército, em Brasília.  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Paiva não era comandante militar do Sudeste quando fuzis foram furtados em Caçapava

O vídeo diz ainda que esta não é a primeira vez que Tomás Paiva é flagrado vendendo armas e alega que uma grande quantidade de armamento desapareceu de um quartel em São Paulo quando ele era Comandante Militar do Sudeste. Isso também não é verdade. Em 2009, sete fuzis foram furtados de um quartel do Exército em Caçapava (SP), mas Tomás Paiva não chefiava o Comando Militar do Sudeste na época. Ele assumiu o posto apenas em 2021.

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O sistema de consulta processual do Superior Tribunal Militar estava fora do ar na manhã desta sexta-feira, 20, quando o Verifica tentou acessá-lo. No entanto, a alegação de que Tomás Paiva responde a vários processos no STM e que já foi preso por venda de armas não faz sentido, já que no mês de julho deste ano, a plataforma apontava apenas um processo na Justiça Militar mencionando o comandante do Exército – e não era um processo contra ele.

Na época, o advogado Carlos Alexandre Klomfahs entrou com uma petição junto ao STM solicitando que o Tribunal expedisse uma ordem para intervenção militar e determinasse que esta fosse cumprida pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica – daí porque Ribeiro Paiva, que tinha acabado de ser nomeado comandante de Exercito, é citado no documento.

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