Não, estudo sobre plataformas de gelo na Antártica não nega mudanças climáticas

Pesquisa detectou aumento em 16 de 34 estruturas congeladas que rodeiam o continente; suas conclusões não servem como parâmetro de análise do aquecimento global

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Por Talita Burbulhan

O que o estão compartilhando: que o aquecimento global não é real porque um estudo científico mostrou que ao longo de uma década houve crescimento na área de plataformas de gelo da Antártica.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A conclusão do artigo científico não nega a realidade do aquecimento global ou das mudanças climáticas. A pesquisa monitorou tanto o crescimento como a diminuição de plataformas de gelo que rodeiam a Antártica. Segundo um especialista consultado pelo Estadão Verifica, os resultados refletem as diferenças de temperatura encontradas no continente; inclusive, o aquecimento do oceano pode favorecer o aumento de gelo em determinadas regiões (entenda melhor abaixo).

Não faltam provas de que o planeta está esquentando a níveis alarmantes – 2023 foi o ano mais quente da história, como confirmou o observatório europeu Copernicus. Segundo a agência espacial americana (Nasa), 97% dos cientistas que publicam estudos sobre o clima concordam sobre a existência das mudanças climáticas e apontam que a atividade humana é a principal causa para isso.

 Foto: Reprodução

Saiba mais: A postagem distorce a conclusão do estudo Change in Antarctic ice shelf area from 2009 to 2019, publicado em maio de 2023 na revista científica The Cryosphere. As autoras são Julia R. Andreasen, Anna E. Hogg e Heather L. Selley, da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

A pesquisa monitorou, de 2009 a 2019, 34 plataformas de gelo que costeiam a Antártica. As autoras concluíram que, no geral, a área das plataformas de gelo do continente cresceu 5.305 km² nesse período, sendo que 18 plataformas de gelo recuaram e 16 plataformas aumentaram sua área.

Plataformas de gelo são estruturas geladas de água doce conectadas ao continente que estão boiando no oceano. Elas são formadas a partir do movimento do gelo que está no interior e vai para a costa e podem ter de 300 a 1,6 mil metros de espessura. O conceito é diferente do de mantos de gelo, que estão assentados sobre o continente e têm mais de 50 mil km². Existem dois mantos de gelo no mundo: a Antártica e a Groenlândia. Em relação ao manto de gelo da Antártica, a Nasa observou uma taxa média de derretimento de cerca de 150 bilhões de toneladas por ano desde 2002.

O Estadão Verifica conversou com o professor de Glaciologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jefferson Cardia Simões. Ele é vice-presidente do Comitê Científico de Pesquisa Antártica (SCAR, na sigla em inglês), entidade responsável por desenvolver e coordenar pesquisas científicas internacionais Antártica. Simões explicou que o estudo reflete as diferentes características de clima encontradas no continente antártico, que cientistas têm observado há anos.

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O professor detalhou que na Península Antártica e na Antártica Ocidental – as partes mais amenas do continente – houve diminuição das geleiras nos últimos anos. Já na Antártica Oriental, onde faz mais frio, foi observado aumento da espessura do gelo. Este fenômeno pode estar relacionado com o aquecimento do planeta.

“O aquecimento do oceano pode levar ao aumento do gelo de partes da Antártica”, indicou Simões. De acordo com ele, a neve que precipita no interior do continente é água evaporada do oceano. “Se você começa a aquecer o oceano austral (que fica em torno da Antártica), você aumenta a umidade e mais água cai no interior do continente. E isso acumula (aumentando a espessura do gelo)”.

A imagem a seguir foi retirada do estudo científico. Em azul, estão as plataformas de gelo que cresceram em área; em vermelho, as que retraíram. De acordo com o estudo, na Península Antártica e na Antártica Ocidental as plataformas diminuíram 6.693 km² e 5.563 km², respectivamente. Houve aumento de 3.532 km² de gelo em plataformas da Antártica Oriental e 14.028 km² nas grandes plataformas de gelo de Ross e Ronne-Filchner.

Mapa antártico da alteração da área das plataformas de gelo de 2009 a 2019 Foto: Reprodução

O Verifica entrou em contato com os autores do estudo, mas não obteve retorno.

Antártica é maior que o Brasil e tem variações climáticas

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Simões avalia que um dos fatores que contribui para a disseminação de desinformação sobre a Antártica é a falta de noção da extensão territorial dela. A Antártica tem 13,6 milhões km², enquanto o território brasileiro mede 8,5 milhões km².

Apesar de a Antártica ser uma enorme massa de gelo, há diferenças climáticas dentro do território, segundo o especialista. “Tu não espera que o clima aqui de Porto Alegre seja igual ao de Manaus. É a mesma coisa na Antártica”, afirmou ele.

O continente antártico é formado por três regiões: Península Antártica, Antártica Ocidental e Antártica Oriental. É na Península Antártica que está localizada a Estação Comandante Ferraz, a base do Brasil no continente. “Lá a temperatura média é de -2,5ºC. Eu ando de calção”, contou o pesquisador.

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De acordo com Simões, a Antártica Oriental é a mais espessa, alta e fria das três regiões. “Na Antártica Ocidental a temperatura média é de -20ºC, -25ºC. Enquanto na Antártica Oriental, a temperatura média é de -40ºC. No inverno, facilmente o termômetro cai para -60ºC”, comparou.

O que são as mudanças climáticas

Durante a Revolução Industrial, a queima de combustíveis fósseis e de carvão começou a expelir na atmosfera do planeta gases de efeito estufa em níveis muito altos. Gases como o dióxido de carbono (CO2) “prendem” parte do calor da Terra, aumentando a temperatura.

Há muitos dados que comprovam isso. Em maio do ano passado, o nível de CO2 na atmosfera atingiu o maior patamar já registrado: 424 ppm (partes por milhão). A Nasa calcula que a quantidade de gás aumentou 50% nos últimos 200 anos.

A consequência, de acordo com dados da Nasa, está no aumento da temperatura do planeta (em média 1ºC a mais que níveis pré-industriais), da temperatura dos oceanos (0,33ºC a mais que em 1966), do nível do mar (20 centímetros a mais no último século) e da frequência de eventos climáticos extremos. Relembre alguns deles abaixo.

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