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Vídeo tira de contexto falas de cantora do Abba e de William Waack e engana sobre apoio a Bolsonaro

Postagem usa trechos em que jornalista brasileiro critica o ex-presidente e em que vocalista sueca fala sobre sua carreira musical; edição do conteúdo faz parecer que os dois condenaram o governo Lula após ato bolsonarista em Copacabana

Por Projeto Comprova
Atualização:

O texto abaixo foi publicado pelo Projeto Comprova. Saiba mais sobre a coalizão.

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Conteúdo investigado: Vídeo apresenta trechos de falas do jornalista William Waack, de uma mulher identificada como “juíza sueca Anna Âse” e de uma mulher portuguesa não identificada. Os três supostamente criticam o atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva e apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A postagem é acompanhada da legenda “Esse barulho vai reverberar no mundo todo. Isso vai acabar. As manifestações colocam os comunistas em polvorosa”, dando a entender que existe uma pressão internacional sobre o Brasil por causa da última manifestação pró-Bolsonaro, em 21 de abril de 2024.

Onde foi publicado: X e Facebook.

Conclusão do Comprova: A postagem é enganosa. O primeiro trecho mostra uma fala de William Waack durante programa da CNN Brasil no qual o jornalista descreve o País como “uma republiqueta que elege seus dirigentes políticos com urnas fraudulentas”. A afirmação foi retirada de contexto e feita originalmente em 18 de julho de 2022 como uma crítica do jornalista ao então presidente Bolsonaro, quando este se reuniu com embaixadores no Palácio da Alvorada para descredibilizar as urnas eletrônicas.

O segundo trecho mostra uma mulher identificada na imagem como Anna Âse. Segundo a legenda, ela afirma que “é realmente duvidoso um presidente tão popular ser o primeiro a não se reeleger, principalmente com indícios tão claros de fraude no sistema eleitoral brasileiro”. Porém, a mulher no vídeo é Agnetha Fältskog, vocalista da banda sueca Abba, e ela não falava sobre as eleições brasileiras, e sim sobre sua carreira, em uma entrevista de 2014.

O terceiro mostra um vídeo publicado em 5 de novembro de 2022 pela portuguesa Rita Rocha, que se apresenta no Instagram como “mentora jurídica”. Na época, ela espalhou desinformação ao dizer que a eleição não estava decidida, que o governo dos Estados Unidos, sob Joe Biden, influenciou o resultado e que havia milhões de relatos de irregularidades nas urnas, o que daria ao povo legitimidade para pedir uma intervenção federal.

Todos esses trechos antigos foram publicados em uma montagem em 22 de abril, um dia após a manifestação pró-Bolsonaro em Copacabana. No evento, o ex-presidente voltou a pedir anistia a presos do 8 de janeiro. O autor do post foi procurado, mas não respondeu até o fechamento do texto.

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Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Montagem usa vídeos antigos e fora de contexto para sugerir que ato pró-Bolsonaro em Copacabana gerou pressão internacional no governo. Foto: Reprodução/X Foto: Reprodução/X

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 24 de abril de 2024, a publicação tinha mais de 122 mil visualizações.

Fontes que consultamos: O Comprova acessou os vídeos originais utilizados na montagem para investigar o contexto das falas, outras checagens sobre os mesmos conteúdos e sobre assuntos mencionados nas falas, além de procurar o autor do post. Para identificar a advogada portuguesa Rita Rocha, foi utilizada a ferramenta PimEyes, associada à busca reversa de imagens.

Falas usadas no vídeo estão descontextualizadas ou são desinformativas

Todas as falas usadas no vídeo investigado foram descontextualizadas ou continham informações inverídicas sobre o processo eleitoral brasileiro. A primeira delas, do jornalista William Waack, foi tirada de contexto. Na verdade, ele não defendia Bolsonaro, e sim o criticava durante a abertura do programa WW, da CNN Brasil, de 18 de julho de 2022, após o então presidente convocar uma reunião com embaixadores no Palácio do Planalto.

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Durante a reunião, Bolsonaro afirmou, sem apresentar qualquer evidência, que as urnas eletrônicas não eram confiáveis e questionou ainda a lisura das eleições brasileiras. Posteriormente, o ex-presidente foi acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, e julgado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em junho de 2023.

O vídeo usa apenas o primeiro trecho da fala, em que Waack diz, em tom irônico, que “o mundo está sabendo a partir de hoje que o Brasil é uma republiqueta que elege seus dirigentes com urnas fraudulentas”, mas omite o que ele afirma em seguida: “Nada do que Bolsonaro disse é novo, mas ele conseguiu um feito único. Ele se transformou no primeiro caso em tempos modernos nos quais um mandatário, chefe de governo, chefe de Estado, convoca o resto do mundo para emporcalhar a imagem do seu próprio País”. Este vídeo já foi usado para disseminar desinformação anteriormente e desmentido pela Justiça Eleitoral e pelo Estadão Verifica.

Depois da aparição de William Waack, o vídeo passa a mostrar o que seria uma renomada juíza sueca chamada Anna Âse. Porém, a mulher no vídeo é Agnetha Fältskog, vocalista da banda sueca Abba, durante participação no programa Skavlan em setembro de 2014. No trecho utilizado, na realidade, Agnetha fala sobre as dificuldades de conciliar a carreira com a criação dos dois filhos pequenos na época em que a banda fazia grandes turnês. Esse recorte também já foi utilizado para espalhar informações falsas anteriormente.

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A terceira pessoa a aparecer na montagem é a portuguesa Rita Rocha, que tem 126 mil seguidores no Instagram, rede na qual ela publicou o vídeo originalmente em 5 de novembro de 2022. Apesar de, àquela altura, Lula já ter sido eleito presidente da República, ela desinformou ao afirmar que nada estava decidido nas eleições brasileiras.

Ela também alegava que o então presidente Bolsonaro iria cumprir a Constituição brasileira, que garantiria ao povo o direito de pressionar por uma “intervenção federal” no caso de não haver separação de poderes entre o Executivo e o Judiciário, o que, para ela, estava acontecendo porque o Supremo brasileiro estava dominado por Alexandre de Moraes. Essa tese já foi desmentida pelo Projeto Comprova em novembro de 2022, quando bolsonaristas passaram a alegar que os artigos 34 e 142 da Constituição previam intervenção federal e militar, respectivamente.

Rita Rocha afirma ainda que os Estados Unidos, através do governo de Joe Biden, pressionaram Bolsonaro e, assim, interferiram nas eleições brasileiras de 2022, o que também não é verdade. Ainda em novembro de 2022, o Comprova mostrou ser falso que um jornalista havia provado a intervenção de Biden na eleição brasileira. Depois, em 2023, mostrou que um tuíte distorceu uma reportagem para afirmar que houve intervenção americana a favor de Lula. A reportagem do Financial Times, traduzida e publicada na Folha de S. Paulo, falava em uma pressão do governo Biden para preservar o sistema eleitoral brasileiro, não para favorecer um dos candidatos.

Por fim, a portuguesa alega haver milhões de denúncias de irregularidades nas urnas eletrônicas. O Comprova e seus parceiros já publicaram inúmeros conteúdos desmentindo peças de desinformação sobre a segurança e integridade das urnas eletrônicas (1, 2, 3, 4, 5). Elas são usadas no Brasil desde 1996 e não há registro de fraude desde a implantação.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O vídeo do jornalista William Waack já foi usado para disseminar desinformação anteriormente e foi desmentido pela Justiça Eleitoral, Estadão Verifica e Lupa. O vídeo da cantora Agnetha Fältskog também já foi usado para espalhar desinformação anteriormente e checado pela Justiça Eleitoral e Aos Fatos. O Comprova também já fez checagens sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, sobre as prisões do 8 de janeiro e sobre os ataques à democracia.

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