20 anos de Durban: a luta para incluir a todos deve incluir a todos

Encontros colocaram movimentos negros e comunidades judaicas em campos opostos. Por isso, é preciso sempre lembrar que as lutas antirracistas e contra o antissemitismo não são e nem podem ser antagônicas

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Por Rafael Kruchin
Atualização:

Em 2001, a Terceira Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em Durban, na África do Sul, gerou, desde os encontros preparatórios, profundas divisões entre os participantes nos debates sobre antissemitismo, colonialismo e escravidão. 

Na ocasião, os EUA e Israel se retiraram da conferência após alguns países tentarem incluir, na ata do encontro, uma equiparação do sionismo ao racismo, revivendo uma deliberação da própria ONU de 1975, revogada em 1991. No entanto, a declaração final e o programa de ação produzido a partir do encontro não continha o texto a que os EUA e Israel se opuseram.

Visitante percorre as estelas de cimento do Memorial aos Judeus Mortos da Europa (Memorial do Holocausto), em Berlim, na Alemanha. Foto: John Macdougall / AFP 

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Anos depois, em 2009, as divisões continuavam presentes quando, em Genebra, vários representantes de países europeus se retiraram da Conferência de Revisão de Durban durante um discurso ultrajante do então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Do púlpito central, Ahmadinejad qualificou o Holocausto como "questão ambígua e duvidosa".

Em 2011, na conferência que marcou os dez anos de Durban, a lista de países ausentes aumentou: Alemanha, Austrália, Áustria, Bulgária, Canadá, Estados Unidos, República Tcheca, França, Israel, Itália, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, Reino Unido. A alegação era de que o encontro serviria como palco para a promoção da intolerância, do antissemitismo e da negação do Holocausto, além do questionamento com relação ao direito de existência de Israel.

Hoje, 22 de setembro, será realizada um encontro para marcar o 20º aniversário da Conferência. Israel e muitos outros países – são 31 ao total –, como EUA, França, Reino Unido e Canadá, já anunciaram o boicote.

Porém, colocando-se à parte (mas não de lado) as declarações antissemitas ocorridas em reuniões anteriores, a Conferência de Durban foi um marco importante na luta contra o racismo, com implicações significativas no Brasil e no mundo.

Em certa medida, Durban quebrou o silêncio global sobre o racismo e permanece sendo um guia importante na luta por igualdade. Temas como reparação, além das responsabilidades dos governos, ganharam uma relevância até então inédita.

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No Brasil, a mobilização de atores governamentais e não-governamentais, especialmente as organizações do movimento negro, abriram um leque completamente novo de possiblidades para o enfrentamento da questão - principalmente com o início das políticas de ação afirmativa nas universidades, e a criação da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial, hoje incorporada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

Durban foi um ponto de inflexão na relação entre movimentos negros e comunidades judaicas. Por isso, é preciso sempre lembrar que as lutas antirracistas e contra o antissemitismo não são e nem podem ser antagônicas. Pelo contrário: elas tratam de temas urgentes e universais. Assim como o antissemitismo esteve ligado à estrutura do Estado na Alemanha nazista, é o racismo que está ligado à estrutura do Estado no Brasil. Porém, apesar de contarem com os privilégios dos imigrantes brancos que aportaram no país no século 20, os judeus sabem muito bem do que se trata o preconceito. 

Como dizia Abraham Joshua Heschel, teólogo, filósofo e humanista, que marchou em Selma lado a lado com Martin Luther King, em 65: “O racismo é a mais grave ameaça que um homem pode impor a outro – o máximo de ódio por um mínimo de razão”.

Assim como em todos os países que participaram da Conferência, e também naqueles que se ausentaram, incluindo Israel, inúmeros desafios ainda se impõem na luta contra o racismo, a discriminação, a xenofobia e formas correlatas de intolerância, afetando inúmeras comunidades que buscam formas de convivência para contemplar a diversidade, a justiça e a igualdade.

*Rafael Kruchin é mestre em Sociologia pela USP e Coordenador Executivo do Instituto Brasil-Israel

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