PUBLICIDADE

A Rússia ou a China ajudaria os EUA se houvesse uma invasão alienígena?

Estamos enfrentando uma ameaça mundial semelhante e estressante, de uma força muito mais familiar e antes aparentemente benigna: nosso clima

Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

Em um ensaio recente sobre a competição entre as grandes potências e a mudança climática, Rob Litwak, um especialista em controle de armas do Wilson Center, lembrou uma pergunta que o presidente Ronald Reagan fez a Mikhail Gorbachev, o líder soviético, após uma caminhada durante a cúpula de Genebra em 1985.

Conforme Gorbachev disse mais tarde: “O presidente Reagan de repente me disse: ‘O que você faria se os Estados Unidos fossem subitamente atacados por alguém do espaço sideral? Você nos ajudaria?'”

“Eu disse, ‘Mas é claro.’”

PUBLICIDADE

“Ele disse, ‘Nós também’”.

“Isso é interessante,’” Gorbachev concluiu.

Com certeza é, porque não está nada claro, dado o aumento recente da dura competição entre as grandes potências, que a Rússia, a China ou os Estados Unidos se ajudariam diante de uma invasão de alienígenas ameaçando a todos nós. O objetivo de Litwak ao recontar essa história, é claro, é mostrar que hoje estamos enfrentando uma ameaça mundial semelhante e estressante - não de alienígenas, mas de uma força muito mais familiar e antes aparentemente benigna: nosso clima.

O aquecimento global está desafiando todas as nações com climas mais extremos, incêndios florestais, aumento do nível do mar e tempestades que aconteciam uma vez a cada século ocorrendo com muito mais frequência. No entanto, ao contrário do que seria possível com um alienígena, não há nenhuma possibilidade de negociar com a Mãe Natureza. Ela faz apenas o que a química, a biologia e a física ditam, e ela não tem a mínima ideia ou interesse em saber onde as fronteiras da Rússia, América ou China começam e terminam. Ela tem o mundo inteiro em suas mãos -- como demonstrou com a pandemia de covid-19.

Publicidade

Sem a bonança econômica que já lhe garantiu popularidade, autocrata confrontará o Ocidente Foto: Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via REUTERS

No entanto, nem o presidente da China, Xi Jinping, nem o presidente da Rússia, Vladimir Putin, estão participando da cúpula do clima que começou no domingo em Glasgow com o presidente Biden e muitos outros líderes mundiais. E ainda mais importante, o Washington Post relatou na semana passada que algumas pessoas da liderança chinesa querem resistir a qualquer cooperação substancial com os EUA em questões climáticas até que os americanos diminuam sua pressão sobre a China "com relação a direitos humanos, Hong Kong, Taiwan, comércio e uma série de outros assuntos.”

Anteriormente, nunca haviamos visto essa tática vindo de Pequim: vamos limpar nosso ar, mas apenas se vocês nos deixarem voar pelo espaço aéreo de Taiwan e sufocarem a liberdade em Hong Kong.

Uma alta autoridade dos EUA me disse que, no momento, há realmente muita divisão em Pequim quanto às vantagens desse tipo de estratégia diplomática aguerrida sobre o clima, pressionada pelo ministro das Relações Exteriores, Wang Yi. Definitivamente, há outros líderes chineses que querem colaborar com Washington e compreendem que, no que diz respeito ao clima, afundamos ou nadamos juntos. Mesmo um indício desse tipo de estratégia de tomada de reféns pelo planeta Terra por parte de algumas altas autoridades chinesas é muito preocupante e precisa ser levada em conta.

“A janela para a humanidade evitar mudanças climáticas incontroláveis está se estreitando”, observou Litwak em seu ensaio no Wilson Center. “A China, os Estados Unidos e a Rússia são, respectivamente, o primeiro, o segundo e o quarto maiores emissores de carbono. Ainda assim, na conjuntura histórica atual em que a cooperação global sem precedentes é necessária para prevenir a catástrofe, o mundo está à beira de uma competição geoestratégica irrestrita. Na verdade, as relações dos EUA com a Rússia e a China são as piores desde o fim da Guerra Fria.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nunca é um bom momento para um conflito entre as grandes potências. E já vimos quão mortal tem sido a falta de cooperação global diante da estressante covid-19. Mas isso é ainda mais perigoso. Um tiroteio entre os Estados Unidos e a China por causa de Taiwan ou entre a OTAN e a Rússia por causa da Ucrânia -- assim como a mudança climática provocada pelo homem está colocando uma arma em todas as nossas cabeças -- seria uma loucura. Mas é uma possibilidade real.

O que precisamos, em vez de uma corrida armamentista ou espacial, é uma corrida pela Terra -- uma competição de grandes potências sobre qual país está crescendo mais rápido e indo mais longe para permitir um mundo com zero emissões líquidas de carbono para que homens e mulheres possam prosperar aqui na Terra. Eu adoraria ver Biden dar uma verdadeira rasteira emXi e Putin em seu discurso em Glasgow em nome dessa corrida.

Biden poderia dizer: “Eu sei que a mudança climática é um problema global e que se nós limparmos nosso ar e vocês não limparem o de vocês, o problema continua. Mas não vamos usar isso como uma desculpa, ou deixar nossas indústrias de petróleo e carvão usarem isso como uma desculpa, para não fazer nada até que vocês façam. Porque existem 7,9 bilhões de pessoas no planeta hoje e em 2030, haverá mais 600 milhões - 600 milhões a mais! Isso significa que, com ou sem mudança climática, só o fato deter muito mais pessoas para alimentar, abrigar e transportar garantirá que energia limpa, água limpa e edifícios e carros com eficiência energética sejam a próxima grande indústria global. Caso contrário, todos nós vamos sufocar com a poluição. Portanto, se todos vocês desejam continuar queimando carvão e dar às nossas indústrias limpas uma vantagem de cinco anos na próxima grande indústria global, por favor, façam isso. Eu mesmo vou declarar a intenção da América de vencer a corrida pela Terra, de fazer da América o primeiro país a inventar e empregar as tecnologias de energia mais limpas e conduzir seus custos para baixo para que todos no planeta possam pagá-las. ’’

Publicidade

Desafiar a China e a Rússia sobre quem pode produzir mais ferramentas para a resiliência global, e não apenas resistência, é uma maneira dos EUA reivindicarem alguma liderança moral no cenário mundial e focar nossa economia, e nossos concorrentes, nas indústrias mais importantes do futuro. A menos que nós, humanos, queiramos ser um experimento biológico ruim, uma rede de carbono zero, transporte de emissões zero, edifícios com zero carbono e energia líquida zero, além de uma produção de resíduo zero realmente serão - e devem - ser a próxima grande indústria global.

E por falar nisso, embora a Rússia atualmente não seja um jogador nessa competição, eu não apostaria contra a China.

Hal Harvey, que dirige a empresa de análise climática Energy Innovation e ajuda a aconselhar governos sobre transições de energia limpa, observa que os Estados Unidos estabeleceram uma meta muito clara de quando querem chegar a uma economia comzero emissão líquida de carbono -- 2050 -- e Biden está agora tentando preencher os detalhes com planos específicos. Infelizmente, sem um único voto de apoio dos republicanos.

A China, por outro lado, acrescentou Harvey, está construindo planos incrivelmente detalhados sobre como descarbonizar, que Pequim poderia acelerar rapidamente -- mas o país foi menos detalhista na definição de prazos para seu cumprimento.

Como Xi agora está focado em manter o crescimento da economia chinesa enquanto tenta fechar seu terceiro mandato como presidente, ele não fará nada para conter o crescimento da China de maneira que possa minar sua popularidade. Portanto, a China continuará queimando muito carvão por um tempo. Mas não se engane: Pequim também está construindo enormes quantidades de energia solar, eólica, hidrelétrica e nuclear. O jogo começou.

Enquanto os dois países estiverem focados na corrida pela Terra, quase não importa qual deles ganhe, porque juntos reduzirão os custos da energia limpa para todos. Se eles desacelerarem ou se desviarem, porém, podemos desejar que alguns alienígenas nos levem para seu planeta. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES