Ações da Venezuela na Guiana são desafio ‘sem precedentes’; leia artigo da Americas Quarterly

Uma antiga controvérsia sobre fronteiras piorou após uma descoberta massiva de petróleo, escreve à AQ uma alta autoridade do Ministério das Relações Exteriores da Guiana

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Por Robert Persaud*
Atualização:

GEORGETOWN, Guiana — A antiga contenda fronteiriça entre Guiana e Venezuela escalou para um nível de tensão sem precedentes nas relações entre os nossos países.

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A fronteira entre Guiana e Venezuela foi estabelecida por um tratado e um processo legal vinculante iniciado por Caracas 124 anos atrás. Segundo o Tratado de Washington, de 1897, a Venezuela concordou com os britânicos que a arbitragem constituiria “o estabelecimento pleno, perfeito e final” da fronteira. A dita “sentença arbitral” foi publicada em 1899.

Contudo, a Venezuela tem se recusado a reconhecer os resultados da arbitragem desde 1962 e afirmado que foi espoliada da região do Essequibo. Situada a oeste do epônimo Rio Essequibo e compreendendo mais de dois terços da massa territorial guianense, a região do Essequibo é controlada e administrada pela Guiana em acordo com a decisão de 1899.

Homem caminha diante de mural com o mapa da Venezuela com a região de Essequibo incluída, em imagem em Caracas, Venezuela, no dia 29 de novembro. Venezuela se engaja em disputa contra Guiana Foto: Matias Delacroix/AP

Apesar das obrigações do tratado, da delimitação jurídica, da aceitação da sentença e do fato da Venezuela agir em acordo com suas determinações por quase 63 anos, Caracas empreendeu um padrão consistente de subversões, ameaças e intimidações para atender ambições territoriais próprias e/ou forçar concessões da Guiana.

Mais recentemente, descobriu-se nas águas da costa do Essequibo um dos maiores depósitos de petróleo do mundo. Diante disso, o presidente Nicolás Maduro começou a manobrar para afirmar controle sobre a região. Em janeiro de 2021, Maduro escalou as tensões prometendo “reconquistar” a região do Essequibo, que é território soberano da Guiana aos olhos da comunidade internacional.

O Acordo de Genebra de 1966 (entre Reino Unido/Guiana Inglesa e Venezuela) foi assinado antes da independência da Guiana, e por meio desse pacto Guiana e Venezuela concordaram em resolver a contenção de nulidade apresentada pelos venezuelanos e a invalidade da sentença por negociações. Se malsucedido, o acordo obriga o secretário-geral das Nações Unidas a selecionar um meio final de solução da controvérsia. Quando, depois de 28 anos de conversas, as partes não conseguiram concordar com uma solução, o secretário-geral remeteu o processo à Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Em duas ocasiões desde que o caso foi apresentado pela Guiana, em 2018, a CIJ confirmou sua jurisdição sobre as alegações da Guiana e anunciou que procederia para determinar a validade da sentença arbitral e o curso da fronteira terrestre.

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Em resposta, em 23 de setembro deste ano, a Assembleia Nacional da Venezuela aprovou uma resolução chamando um referendo a respeito de sua reivindicação do território atribuído à Guiana Inglesa em 1899. Aprofundando a resolução, o Conselho Nacional Eleitoral da República Bolivariana da Venezuela elaborou cinco questões para o referendo nacional, marcado para 3 de dezembro.

Entre as questões, todas com intenção de promover a reivindicação da Venezuela sobre mais de dois terços do território da Guiana, a terceira e a quinta são as mais perniciosas. A pergunta número 3 busca ratificar “a posição histórica (da Venezuela) de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça” como meio de solução de controvérsias, e a pergunta número 5 busca a aprovação do povo venezuelano à criação de um novo Estado venezuelano na região guianense do Essequibo, que seria incorporada ao território nacional da Venezuela, e à concessão de cidadania venezuelana e cartões de identidade à sua população.

Barcos ancorados no Rio Essequibo em imagem de abril deste ano. Região é rica em petróleo e minério Foto: Matias Delacroix/AP

O governo da Guiana acionou a CIJ, então, por medidas provisionais, especificamente para requerer que a Venezuela seja ordenada a não adotar nenhuma das ações que seriam solicitadas pelo referendo, incluindo especificamente a “criação” de um novo Estado venezuelano conformado pela região guianense do Essequibo e incorporando-a ao território da Venezuela ou concedendo cidadania venezuelana ou cartões de identidade à população, porque essas ações constituiriam uma anexação ilegal de território guianense, am violação aos princípios mais fundamentais do direito internacional consagrados pela Carta da ONU.

Além disso, tais ações usurpariam a jurisdição da CIJ apresentando ao tribunal um fato consumado antes que seus magistrados tenham chance de deliberar a respeito da afirmação de soberania da Guiana sobre o território segundo a sentença arbitral de 1899. A CIJ pronunciará sua decisão sobre as medidas provisionais em 1 de dezembro de 2023. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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