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Com ajuda de marqueteiros ligados a Lula, Massa apostará em discurso pró-democracia, diz analista

Disputa para o segundo turno contra Javier Milei deve ser bastante semelhante à disputa eleitoral brasileira entre Lula e Jair Bolsonaro, avalia o cientista político argentino Fabian Calle

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Foto do author Carolina Marins
Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Consolidando sua fama de ter um cenário político altamente volátil, a Argentina colocou no último domingo, 22, o peronista Sergio Massa em primeiro na disputa eleitoral. O ministro da Economia vai ao segundo turno com o libertário Javier Milei e deve apostar em uma campanha política pautada na dicotomia “democracia versus autoritarismo”, semelhante à disputa eleitoral brasileira do ano passado, avalia o cientista político Fabian Calle.

Para o professor de Ciência Política da Universidade Católica Argentina (UCA), a ajuda da equipe de marqueteiros brasileiros próximos de Luiz Inácio Lula da Silva será fundamental para a construção da narrativa de que Massa representa a defesa da democracia contra o autoritarismo que traria Milei.

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“Massa assessorado pelo pessoal próximo de Lula montará para o segundo turno a ideia de que ele representa a defesa da democracia e das instituições, inclusive da Igreja, mesmo o papa não gostando muito dele”, afirma. “Vai ser um jogo semelhante ao que fez o PT na última eleição: ‘somos a democracia e Bolsonaro a ditadura”.

Logo após as primárias, e depois de uma visita de Massa ao Brasil no fim de agosto, uma equipe de marqueteiros e estrategistas que lideraram as campanhas do PT nos últimos anos desembarcou em Buenos Aires para auxiliar o ministro-candidato. Na época, Massa havia amargado um terceiro lugar nas eleições primárias, tendo Milei levado uma surpreendente vitória e a coalizão de Patricia Bullrich ficando em segundo. O governo também agiu junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) para liberar um empréstimo à Argentina, como mostrou o Estadão.

Ministro da Economia e candidato à presidência Sergio Massa fala com apoiadores após vitória no primeiro turno da eleição Argentina. Foto: REUTERS/Mariana Nedelcu

Desta vez, porém, o cenário político se redesenhou. Massa terminou em primeiro lugar com 36,68% dos votos, sendo seguido por Milei com 29,98%. Bullrich ficou de fora da disputa depois de amargar 23,83% dos votos.

Os marqueteiros

Quando esteve no Brasil em agosto, o comitê de Massa chegou a conversar com o baiano Sidônio Palmeira, que liderou a campanha vitoriosa de Lula contra Jair Bolsonaro no ano passado e criou a marca e o slogan do governo federal, União e Reconstrução.

Mas, na época, o Estadão apurou que Sidônio rejeitou ingressar na equipe por considerar que assumiria o trabalho com prazo curto. No entanto, Sidônio indicou dois profissionais de sua confiança para colaborar com o candidato de situação à sucessão de Alberto Fernández.

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Atualmente trabalham na campanha do ministro da Economia Raul Rabelo e Otávio Antunes. Ambos colaboraram com a campanha do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 2018, à Presidência da República. Eles também atuaram em favor do PT em 2022. Rabelo na campanha presidencial de Lula, e Antunes na estadual de Haddad, em São Paulo.

Raul Rabelo é diretor de Criação e sócio de Sidônio Palmeira na Leiaute Propaganda, empresa sediada em Salvador (BA). Antunes é dono da Urissanê Comunicação, de São Paulo (SP).

Campanha de medo

Com a ida de Milei ao segundo turno atrás de Massa, a tendência é de que ele busque amenizar seu discurso visando conquistar o eleitorado mais moderado de Bullrich. Uma ação que será difícil depois de radicalizar no final da campanha, apelando para temas que tocavam no emocional de seus apoiadores, como aborto, armas e corte dos gastos públicos.

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Além disso, ele deve apostar ainda mais na dicotomia kirchnerismo versus anti-kirchnerismo - movimento dentro do peronismo, mais e esquerda, iniciado com Néstor e Cristina Kirchner. Já em seu discurso após os resultados, Milei apertou a narrativa contra a “casta kirchnerista”. A questão será ver se ele conseguirá aglutinar o voto daqueles que estão insatisfeitos com o peronismo, mas ao mesmo tempo temem suas falar mais erráticas.

Nas últimas semanas, Massa já havia convergido para uma campanha na intenção de provocar medo com relação ao futuro com Milei. Embora seja ele o ministro da Economia, atribuiu ao libertário e suas falas fortes a culpa pela disparada do dólar. A estratégia levou Milei a convocar, pela primeira vez, uma coletiva de imprensa dez dias antes do pleito, em que apareceu nervoso e questionando: “E por a caso sou eu o ministro da Economia?”.

Libertário Javier Milei fala com apoiadores após o resultado do primeiro turno na Argentina. Foto: AP Foto/Natacha Pisarenko

Futuro da oposição

Será fundamental observar, nos próximos dias, como vai se comportar a oposição derrotada do Juntos pela Mudança. De acordo com Fabian Calle, Massa foi muito bem sucedido em provocar uma cisão dentro dos opositores, onde provavelmente haverá uma divisão entre quem vai apoiar Milei e quem vai apoiar Massa.

A coalizão do Juntos pela Mudança é formada por três partidos, sendo dois os principais: o Proposta Republicana (PRO), de Maurício Macri, e a União Cívica Radical (UCR), o partido mais antigo da Argentina.

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“Massa sempre apostou em ficar com uma parte dos votos da UCR e dividir o Juntos pela Mudança”, afirma o cientista político. “A UCR governará muitas províncias e é lógico que eles busquem uma relação construtiva com o governo nacional de Massa. Já Macri e um setor importante do PRO devem ir a Milei e isso dará uma rápida reconfiguração de alianças”.

Essa cisão ocorrendo, a questão será sobre o futuro a longo prazo da coalizão. O Juntos pela Mudança já vem de uma disputa primária desgastante, em que a briga entre Bullrich e o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, dissipou os votos. Mesmo antes das eleições deste domingo, políticos do Juntos pela Mudança demonstravam preocupação com o que passaria com a chapa se amargassem uma derrota.

O histórico é favorável para Massa. “Em geral, nos segundos turnos, se um dos candidatos chega com uma vantagem de mais de cinco pontos, tem grandes chances de ganhar”, observar Calle.

O analista, porém, ressalta que, ainda que Massa tenha vencido esta disputa apesar do cenário político e econômico altamente desfavorável, essas são as piores eleições em termos numéricos para o peronismo. O Congresso também não lhe será favorável, mas também não será caso ganhe Milei, já que não houve maiorias claras e terá de haver negociações.

Além disso, Massa não é dos setores tradicionais do peronismo, muito menos é próximo do kirchnerismo, tendo sido apoiado por Cristina Kirchner muito a distância e a contragosto. Em um possível futuro governo, essas relações dentro do peronismo serão fundamentais.

“O peronismo teve 12 pontos menos nas eleições de 2019 e perdeu mais uma província, Entre Ríos. Para um peronista no poder não há nada pior que outro peronista que teve o poder anterior. Massa herdará todos os desequilíbrios e desajustes que tem uma economia colapsada. Mas Massa não é Alberto Fernández. Tratará de buscar sua hegemonia política e os kircheneristas ou se somam em um tempo prudente ou serão vistos como rivais”, completa./Com informações de Felipe Frazão

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