Sergio Massa busca apoio de Lula para evitar recessão e derrota histórica da esquerda na Argentina

Sem dinheiro e em 3º nas primárias presidenciais, candidato peronista veio ao Brasil buscando dólares para continuar girando sua economia e tirar uma foto ao lado do brasileiro

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Por Carolina Marins

Sufocado pela inflação de agosto que promete ser a pior desde os anos 1990 na Argentina, a falta de reservas em dólares e um amargo terceiro lugar nas eleições primárias deste mês, o candidato da esquerda, o peronista Sergio Massa, veio ao Brasil pedir socorro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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Acumulando o trabalho de candidato com o de ministro da Economia - e há quem diga que também de presidente desde que Alberto Fernández desapareceu da cena pública - Massa utilizou do privilégio do cargo para posar ao lado do presidente brasileiro e do ministro Fernando Haddad e pedir duas coisas que necessita com urgência: dinheiro e votos.

A crise cambial tira o sono do ministro-candidato e seu maior temor é uma recessão em plena campanha eleitoral. Com a dívida bilionária no FMI, a Argentina se encontra atualmente com suas reservas líquidas negativas em cerca de US$ 7 bilhões (R$ 34 bilhões). Com isso, o país não tem como pagar por suas importações, e parte delas são cruciais para viabilizar as exportações agropecuárias argentinas, já que o país depende em muitos casos de insumos importados. O resultado dessa sinuca é uma bola de neve em que não há dinheiro a receber nem para gastar.

O ministro da Economia e candidato presidencial da Argentina, Sergio Massa, visitou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira, 28 Foto: Ministério da Economia da Argentina via AFP

Em maio, Alberto Fernández já havia visitado Lula na intenção de pedir dólares, mas saiu com as mãos vazias. O próprio Lula disse na época que Fernández ia embora “sem dinheiro”, mas com a disposição política do Brasil para ajudar o vizinho.

Pressionado pelo péssimo resultado nas primárias deste mês, quando o peronismo ficou atrás do libertário Javier Milei e da direita macrista, Massa teve mais sucesso dessa vez. Ele saiu de Brasília com uma garantia de US$ 600 milhões (R$ 3,4 trilhões) para financiar exportações do Brasil para a Argentina, com o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF) sendo este garantidor. A medida, porém, ainda precisa de aprovação do CAF, que reunirá seu conselho gestor em 14 de setembro. O objetivo do presidenciável, dizem analistas, é tentar manter a competitividade da esquerda nas urnas, em meio ao desastroso mandato de Alberto Fernández.

“Já faziam meses que não entrava um automóvel novo importado, e essa situação está causando uma série de inconvenientes [para o governo] e uma potencial recessão, que sabemos que vai vir assim que houver a troca de governo”, explica o economista da Universidade Católica Argentina (UCA), Juan Carlos Rosiello. “Então Massa foi ao Brasil em busca de dólares para poder continuar produzindo e não gerar uma recessão antecipada, assim chegaria melhor às eleições”, completa.

“O que o governo da Argentina vem pedindo nos últimos dois anos é dinheiro”, concorda Fabian Calle, professor de Ciência Política pela UCA. “Precisa de dinheiro para sobreviver e já pediu inclusive ao Catar, ao BID, ao CAF, aos Estados Unidos, só falta pedir para a Bolívia”.

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Em busca de votos

Por ser um ministro de governo, Massa dispõe de uma ferramenta que seus adversários, a centro-direita Patricia Bullrich e o libertário Javier Milei, não possuem que é o cargo como projeção para a campanha. Nesse sentido, a viagem também serve como uma forma de angariar votos e de cacifar as credenciais esquerdistas de um personagem que sempre foi visto como um estranho no ninho de seu partido e, muitas vezes, esteve rompido com Cristina e Néstor Kirchner. Por isso uma foto com Lula não lhe parece má ideia, para convencer o eleitorado que costuma votar na esquerda e demonstra estar insatisfeito com o governo Fernández.

“Massa foi exercer uma dupla função no Brasil”, explica o analista político Pablo Touzon. “Ele tenta que o Brasil seja um aliado nessa busca desesperada de dólares da Argentina e aparecer ao lado de uma figura de renome da esquerda latino-americana. Porque Massa não vem desse espaço político, é uma espécie de figura estranha dentro do peronismo, e com a figura de Lula ele tenta rubricar essa ideia de uma frente anti-ultradireita”.

Sergio Massa ao lado do ministro da Economia, Fernando Haddad Foto: Adriano Machado/Reuters

“Massa não é um homem de esquerda. É um homem cujos vínculos históricos são com o empresariado e com os bancos. Para ele, tirar uma foto com Lula é se fazer mais digerível para o eleitor de esquerda argentino, que, na verdade, não está nem um pouco contente com ele”, afirma Calle.

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Em termos de votos por coalizão, Massa terminou em terceiro, ainda que em questão de votos específicos aos candidatos ele tenha recebido mais apoio que Bullrich. O libertário Milei, da coalizão A Liberdade Avança (LLA), recebeu 30,04% dos votos, à frente da aliança do Juntos pela Mudança (JxC), de Bullrich que obteve 28,27%, e da peronista União Pela Pátria (UP), com seus 27,27%. Os números são considerados um empate técnico.

A ida de Milei para o segundo turno já é dada como certa, ainda que alguns analistas alertam para o risco de celebrar vitórias a dois meses do pleito nacional. O que procura Massa, então, é conseguir a última vaga para o segundo turno. Pesquisas recentes apontam que o cenário para o segundo turno, no momento, é entre ele e Milei.

“O que Massa necessita hoje é garantir a sua superioridade frente a Patricia”, afirma Touzon. “Ele precisa chegar ao segundo turno, porém, ele representa um governo que é um fracasso governamental. Fernández e Cristina praticamente fugiram de defender o governo e ele ficou sozinho para se defender e tentar se eleger”.

Na prática Massa tem pouco espaço de manobra, já que muitos dos votos recebidos por Milei, bem como os mais de 30% de brancos, nulos e ausentes, são interpretados por analistas como um “voto de descontento” contra o governo peronista. No fim, ele ainda pode herdar os votos do seu adversário de coalizão nas primárias, Juan Grabóis, que obteve 5,5% e é possível que receba um eleitorado mais moderado que preferiu Horario Rodríguez Larreta, perdedor da disputa no JxC.

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“Com certeza o apoio de Lula também é importante, ainda que a perspectiva atual do eleitorado é de que Lula apenas reforce os votos que Massa já tem. Mas acredito que não ajuda a roubar voto de nenhum dos outros dois”, afirma Rosiello.

O presidente Lula cumprimenta Alberto Fernández durante encontro no Itamaraty em 30 de maio Foto: Evaristo Sa/AFP

Preferência

No dia seguinte à visita de Massa ao Brasil, o jornal argentino La Nación publicou uma matéria com base em informações de bastidor que sugeria que Lula teria garantido apoio ao candidato peronista, chegando a prometer uma declaração pública em favor do União pela Pátria. A publicação ainda afirmava que, em conversas não publicadas, Lula teria chamado Milei de “louco” e Bullrich de “burra” por não apoiar a entrada da Argentina no Brics.

Ao Estadão, a Secretaria de Imprensa da Presidência da República (Secom) negou todas as informações. “Não procede nenhuma das manifestações publicadas pelo La Nación citadas pela reportagem sobre a reunião realizada no Palácio do Planalto, nesta segunda-feira (28), entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa”, afirmou por meio de nota. “Reiteramos que o jornal argentino jamais checou as supostas falas atribuídas ao presidente.”

Historicamente próximo do peronismo, em especial do kirchnerismo, Lula tem evitado demonstrar apoio explícito a um dos candidatos, como fez seu antecessor Jair Bolsonaro, que nas eleições de 2019 declarou apoio a Mauricio Macri contra Alberto Fernández.

“Obviamente é mais conveniente a Lula um governo da orientação de Massa, dado que somos parceiros econômicos muito importantes e a vitória de Milei seria muito inconveniente a ele”, afirma Rosiello. “Mas acredito que independentemente da orientação ideológica do Lula, ele tem histórico de ser bastante razoável em termos econômicos com a Argentina”.

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