PUBLICIDADE

Como a Índia tenta controlar os ariscos e perigosos macacos sagrados de Nova Délhi; assista

Autoridades locais recorrem a primatas de papelão da espécie langur para tentar afastar os bandos de pequenos macacos rhesus de prédios, telhados de hotéis e do contato com humanos

Foto do author Felipe Frazão
Por Felipe Frazão
Atualização:


ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLHI E FARIDABAD - A cena é inusitada. Na entrada de prédios comerciais da Índia, macacos cinzas de papelão com cerca de um metro de altura e uma expressão assustadora. O rosto exibe um contorno branco, e os dentes caninos pontiagudos aparentes, como se estivessem guinchando. É primata contra primata.

PUBLICIDADE

Os langures fake passaram a ser usados pelas autoridades municipais indianas como forma de afastar do contato humano os bandos de macacos rhesus, ou reso, uma espécie arisca e até perigosa, que infesta as metrópoles, como Nova Délhi e Faridabad.

No passado, langures-cinzentos capturados eram colocados próximos aos bandos de rhesus, por serem rivais naturais, mas a prática foi banida em 2012, por causa de maus-tratos.

Há uma série de registros de ataques de rhesus a humanos, em busca de comida. Eles reagem de forma agressiva se forem encarados.

Um macaco langur-cinzento de papelão posicionado para assustar os primatas rivais rhesus, em Faridabad, Índia Foto: Felipe Frazão

Hanuman, deus-macaco

A expansão descontrolada dos rhesus tem raízes religiosas e acaba sendo fomentada por humanos.

Na mitologia hinduísta, o deus-macaco é Hanuman, uma figura musculosa e poderosa, associada ao altruísmo e heroísmo. Diariamente, os devotos circulam por lugares de concentração dos primatas para alimentá-los. Curiosos fazem o mesmo.

Assim como no Brasil, alimentar animais silvestres é considerado crime na Índia. A depender da cidade, por render multa de até 10 mil rúpias (R$ 590) ou até prisão por três anos. A reincidência pode elevar o valor a 25 mi rúpias (R$ 1.475) e cadeia de até sete anos.

Publicidade

Diversas espécies de macacos são protegidas na Lei de Proteção da Vida Selvagem, de 1972. Após cinco décadas, no entanto, os rhesus foram retirados da lista neste ano, e agora recebem tratamento de um problema urbano, equiparado ao de animais domésticos, como cães vira-latas, gatos e vacas. Os langures permanecem protegidos e não podem ser usados para fins comerciais, conforme os ativistas da Wildlife SOS.

O Departamento Florestal de Délhi alegou que os rhesus não estão mais ameaçados, sob críticas de ativistas ambientais. O órgão abandonou o plano de realizar um censo sobre a população de rhesus na capital indiana.

Carta a Modi

Até o primeiro-ministro Narendra Modi foi criticado e recebeu uma carta com pedido para reverter a decisão e colocar os rhesus sob proteção novamente. “Retirar os macacos rhesus da Lei de Proteção da Vida Selvagem com uma emenda em 2022 os deixou vulneráveis à captura, abusos e exploração”, disse o cientista Ankita Pandey, da PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais), ao enviar em julho uma carta a Modi. O grupo diz que a espécie nativa pode ser exportada para experimentos fora do país.

Bando de macacos rhesus fora da Floresta Central em Nova Délhi Foto: Felipe Frazão

Em Délhi, placas pedem que os macacos não sejam alimentados. Mas a prática é tão arraigada na sociedade que existem até vendedores de bananas, no entorno da Floresta Central de Délhi. Eles trabalham sem ser incomodados.

A área verde fica muito próxima do quateirão diplomático e de alguns dos hotéis de luxo mais tradicionais do país, como o Taj Palace, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se hospedou durante a Cúpula do G-20, em setembro.

A prefeitura de Nova Délhi também contratou e espalhou cerca de 40 homens que imitavam os ruídos dos primatas para espantar os rhesus dos hotéis destinados a delegações estrangeiras. Era outra forma de assustá-los, além do uso dos langures-cinzentos.

Macaco alivia-se do calor do lado de fora da Floresta Central, em Nova Délhi Foto: Felipe Frazão

O Estadão flagrou dois homens que, há 18 anos, saem diariamente de carro com quilos de frutas para distribuir aos animais. Tudo a mando do patrão, segundo eles.

Publicidade

Eles entregavam bananas e tomates, principalmente, mas os animais também consomem pequenas sementes e até pão de forma, um alimento inadequado. Também encheram reservatórios de água para os animais.

Chacais-dourados na Floresta Central de Nova Délhi, Índia Foto: Felipe Frazão

Interação perigosa

Os rhesus são pequenos macacos intrépidos, de cor bege ou marrom clara e costumam ter até 53 cm de altura. Embora prefiram as copas de árvores, uma escolha mais natural, também entram em lojas de repente e já foram vistos até mesmo dentro de vagões do metrô.

A interação com humanos é considerada arriscada. Eles são atraídos e tentam roubar objetos portáteis, principalmente, que se assemelhem a alimentos. Casos de ataques já levaram à morte de bebês recém-nascidos e idosos, por arranhões, mordidas e apedrejamento. Um bebê foi arrancado dos braços da mãe, em 2018, enquanto era amamentado.

Por causa do calor típico da capital indiana, costumam buscar abrigo nos telhados de prédios e casas, especialmente dentro de caixas d’água, onde encontram água, podem se banhar e escapar da luz do sol.

Rhesus se abrigam em caixa d'água no topo de prédios na região de Janpath, Nova Délhi, Índia Foto: Felipe Frazão

Um diplomata europeu contou que, meses depois de chegar a Délhi , percebeu que a água do chuveiro estava mais escura e saía com menos vazão. Ao investigar o problema, descobriu que os rheshus haviam feito a caixa d’água de sua residência como esconderijo e banheira.

A fauna urbana da capital indiana também inclui corvos, chacais, esquilos e vacas, também sagradas no hinduísmo. A reportagem do Estadão flagrou até camelos no trânsito, mas esses, assim como elefantes, costumam ser usados como meios de transporte de pessoas ou carga e eram montados por humanos.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.