Como derrotar Putin na Ucrânia e salvar o planeta; leia o artigo de Thomas Friedman

É a enésima vez que confrontamos um petroditador cuja ferocidade e inconsequência é possível somente por causa da riqueza petrolífera que ele extrai do subsolo

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Por Thomas L. Friedman
9 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - É impossível prever como a guerra na Ucrânia terminará. Espero fervorosamente que acabe numa Ucrânia livre, segura e independente. Mas o que sei com certeza é que os Estados Unidos não devem desperdiçar esta crise. É a enésima vez que confrontamos um petroditador cuja ferocidade e inconsequência é possível somente por causa da riqueza petrolífera que ele extrai do subsolo. Independentemente da maneira que a guerra na Ucrânia terminar, ela precisa acabar finalmente, formalmente e irreversivelmente com o vício dos EUA em petróleo.

Nada distorceu nossa política externa, nossos compromissos com direitos humanos, nossa segurança nacional e, acima de tudo, nosso meio ambiente mais do que nossa dependência de petróleo. Que esta seja a última guerra que nós e nossos aliados financiamos ambos os lados, pois é isso o que fazemos.

Países ocidentais financiam a Otan e ajudam o Exército da Ucrânia com os dólares de nossos impostos, e — já que as exportações de energia da Rússia financiam 40% do orçamento do governo do país — nós financiamos o Exército russo com nossas compras de petróleo e gás natural da Rússia.

Qual será a magnitude dessa estupidez?

Verão na Antártida

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Nossa civilização simplesmente não pode mais arcar com isso. As mudanças climáticas não entraram de folga por causa da guerra na Ucrânia. Você tem checado os boletins meteorológicos dos Polos Norte e Sul ultimamente? Ondas de calor atingiram simultaneamente este mês partes da Antártida, elevando as temperaturas 21º Celsius acima da média por lá, e do Ártico, elevando em 10º Celsius a temperatura média.

Não se trata de erros de digitação. Tratam-se de superextremos absurdos.

“São estações opostas — não vemos os Polos Norte e Sul derretendo ao mesmo tempo”, afirmou recentemente à Associated Press Walter Meier, pesquisador do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo. “É uma ocorrência sem dúvida incomum.” E na última sexta-feira, para nenhuma surpresa, cientistas anunciaram que uma geleira do tamanho da cidade de Nova York se desprendeu do leste da Antártida no início desse período de calidez aberrante.

Foi a primeira vez que humanos observaram “que a região gelada teve um desprendimento de geleira”, notou a AP, acrescentando que, se a água congelada no leste da Antártica derreter, o nível do mar se elevará em cerca de 50 metros em todo o mundo.

Ataque russo nos arredores de Kiev em 26 de março  Foto: Nariman El-Mofty/AP

A aposta de Biden no petróleo

Por todas essas razões, tenho me desapontado ao testemunhar o presidente Joe Biden e o secretário de Estado Antony Blinken dobrando a aposta na nossa dependência em petróleo, em vez de triplicar a aposta em fontes renováveis de energia e mais eficiência.

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Aparentemente assustada com as falaciosas alegações dos republicanos de que as políticas de energia de Biden são responsáveis pelos altos preços da gasolina, a equipe do presidente foi mendigar em algumas das maiores petroditaduras do mundo — Venezuela, Irã e Arábia Saudita, em particular — implorando a esses países que extraiam mais petróleo e baixem o preço da gasolina.

A verdade é que, mesmo se permitirmos que empresas petroleiras americanas extraiam petróleo de todos os parques nacionais, o efeito a curto prazo nos preços da gasolina não seria tão significativo. Conforme noticiou a CNN Business na semana passada, na última década, a oscilante indústria petroleira americana gastou zilhões financiando um crescimento franco na produção, o que ajudou a manter os preços baixos, mas “sustentando lucros que se provaram fugidios. Centenas de petroleiras foram à falência durante várias quedas no preço do petróleo, levando investidores a exigir mais comedimento dos CEOs do setor da energia”.

Então, hoje, a maioria dos executivos e investidores das petroleiras americanas “não querem adicionar tanta oferta, para não causar outra saturação que derrube os preços. E acionistas querem que as empresas retornem os lucros exagerados na forma de dividendos e recompras — e não os reinvistam em aumento de produção”.

O país com capacidade mais barata, à disposição e flexível para influenciar os preços globais do petróleo no curto prazo é a Arábia Saudita. Mas a Rússia também é um grande player deste mercado. É por isso que, apenas dois anos atrás, o ex-presidente Donald Trump implorava para Arábia Saudita e Rússia cortarem dramaticamente sua produção, porque o preço do barril de petróleo havia caído para cerca de US$ 15 nos mercados globais — prejudicando seriamente as petroleiras americanas, cujo custo de extração estava entre US$ 40 e US$ 50 por barril. O preço havia despencado porque Arábia Saudita e Rússia se engalfinharam numa briga de preços em razão da diminuição das fatias de mercado durante a pandemia.

Agora, Biden está implorando aos sauditas que aumentem dramaticamente sua produção para baixar os preços. Mas os sauditas estão bravos com Biden porque Biden está bravo com eles em razão do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi — e, relata-se, não atendem aos telefonemas de Biden.

Mendigando por energia suja

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Mas o denominador comum entre Biden e Trump é o verbo “mendigar”. É este o futuro que queremos? Enquanto continuarmos dependentes de petróleo, sempre imploraremos a alguém, normalmente um sujeito do mal, para que aumente ou abaixe o preço, porque nós, sozinhos, não somos mestres do nosso próprio destino.

Isso tem de parar. Sim, é preciso haver uma fase de transição, durante a qual continuaremos usando petróleo, gás e carvão. Não somos capazes de parar subitamente com o vício. Mas devemos nos comprometer em dobrar o ritmo dessa transição — e não em dobrar a aposta nos combustíveis fósseis.

Nada ameaçaria Putin mais do que isso. Afinal, foi a queda nos preços globais do petróleo entre 1988 e 1992, ocasionada por uma superprodução saudita, que ajudou a quebrar a União Soviética e acelerou seu colapso. Podemos criar os mesmos efeitos hoje aumentando a produção de energia a partir de fontes renováveis e intensificando a ênfase em eficiência energética.

Uma rede elétrica mais limpa

A maneira melhor e mais rápida de fazer isso, argumenta Hal Harvey, diretor-executivo da Energy Innovation, uma consultoria especializada em energia limpa, é aumentando os padrões de energia limpa no fornecimento de eletricidade. Ou seja, exigir que a rede de transmissão de eletricidade dos EUA reduza suas emissões de carbono mudando para fontes renováveis de energia a uma taxa de 7% a 10% ao ano — um ritmo jamais visto.

Utopia? Que nada. O diretor-executivo da American Electric Power, que já foi totalmente dependente do carvão, promete agora que a empresa vai zerar as emissões de carbono até 2050, apoiando-se principalmente no gás natural. Trinta e um Estados já estabeleceram padrões de aumento de uso de fontes limpas de energia em suas redes públicas de fornecimento de eletricidade. Cheguemos agora a todos os 50.

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Ao mesmo tempo, temos de aprovar uma lei nacional que conceda a cada consumidor a capacidade de se juntar a essa briga. Seria uma lei que eliminaria o limite regulatório sobre a instalação de sistemas de energia solar ao mesmo tempo que conferiria a cada lar americano um estímulo fiscal para instalar os painéis, de maneira similar ao que fez a Austrália — país que aumenta seus mercados de energia limpa per capita mais rapidamente do que China, Europa, Japão e EUA.

Quando carros, caminhões, prédios, fábricas e residências forem movidos a eletricidade e a rede de fornecimento utilizar principalmente fontes renováveis: abracadabra! — nos livraremos cada vez mais dos combustíveis fósseis, e Putin obterá cada vez menos dólares.

Os americanos estão entendendo isso. Carros elétricos estão desaparecendo das concessionárias. O Estado que mais produz energia eólica no país é o republicano Texas, que gera mais eletricidade com o vento do que os três Estados seguintes do ranking (Iowa, Oklahoma e Kansas) somados. Mas tornar isso uma missão verdadeiramente nacional nos levaria a uma economia de energia limpa com muito mais rapidez.

Na 2.ª Guerra, o governo dos EUA pediu aos cidadãos do país que plantassem “jardins da vitória” para cultivar suas próprias frutas e legumes — e reservar a comida enlatada para os soldados. Cerca de 20 milhões de americanos responderam plantando hortas por todo lado, de quintais a telhados. Bem, aqueles jardins da vitória representaram para o nosso esforço de guerra naquela época o que os painéis solares representam para a luta da nossa geração contra as petroditaduras.

Se você quiser baixar os preços imediatamente, o método mais infalível — e climaticamente correto — seria reduzir o limite de velocidade nas autoestradas para 100 km/h e pedir para todas as empresas dos EUA permitirem que seus funcionários trabalhem de casa e não tenham de se deslocar para o trabalho todos os dias. Essas duas coisas cortariam imediatamente a demanda por gasolina, o que faria baixar o preço do combustível.

Seria muito pedir uma vitória contra petroditadores, como Putin, cujo subproduto seja ar limpo, em vez de tanques em chamas?

“As alternativas limpas são agora mais baratas do que as poluentes”, notou Harvey. “Hoje custa mais caro arruinar o planeta do que salvá-lo” e também “é mais barato nos livrarmos de petroditadores do que continuarmos escravizados por eles”.

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É isso aí. A tecnologia chegou. E torna Putin um alvo fácil. A questão é apenas de liderança e vontade nacional. O que estamos esperando? / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO