Da imigração ao combate ao narcotráfico, entenda efeito das eleições dos EUA para países da América

Revisão do acordo comercial EUA-México-Canadá, fluxo migratório pelo México e autoritarismo de Nicolás Maduro são alguns desafios para o próximo presidente americano

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Foto do author Isabel Gomes

Com dois aliados dos Estados Unidos dependendo de apoio militar em guerras na Europa e no Oriente Médio e a competição econômica com a China chegando a patamares recordes, vizinhos do continente americano, especialmente tratando-se da América Latina, não deverão ser a maior prioridade do próximo presidente dos Estados Unidos no que se refere à política externa.

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Mesmo assim, Donald Trump ou Kamala Harris terão de lidar com alguns desafios crescentes na região, como o fluxo migratório que passa pelo México, o narcotráfico e a relação com figuras autoritárias, como o ditador venezuelano Nicolás Maduro.

“A América Latina é mais problema do que solução para os EUA”, pontua Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para a especialista, o que poderá fazer com que o próximo presidente atue de forma mais estratégia na região é a influência da China.

“Hoje, você tem na América Latina 22 países que já assinaram o memorando da Rota da Seda. Isso é péssimo para os Estados Unidos, porque, do ponto de vista geopolítico, não significa que eles vão perder a liderança na região, mas significa que você cria um terreno para que esses países se distanciem dos Estados Unidos”, explica.

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Veja abaixo como as eleições americanas podem impactar alguns países da América, e como seria a relação dos EUA com o Brasil nos dois cenários de vitória.

Fronteira com o México é tema central

Migração é um dos temas chaves das eleições americanas e é também o tópico de maior divergência entre Donald Trump e Kamala Harris. O assunto recai diretamente sobre o México, que é por onde grande parte dos imigrantes ilegais entram nos Estados Unidos.

Entre janeiro de 2021 e janeiro de 2024, a Patrulha de Fronteira dos EUA confirmou mais de 7,2 milhões de travessias de migrantes ilegais ao longo da fronteira com o México. Trump, que atribui aos migrantes uma competição desleal no mercado de trabalho americano e acusa-os de integrarem manicômios e prisões de seus países de origems, promete conter o fluxo migratório e a continuação da construção do muro na fronteira.

O republicano portanto deverá pressionar o México para colaborar no combate à imigração ilegal. Essa pressão poderá ser feita por meio do aumento tarifas ou da ameaça da não renovação do acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), que será revisado em 2026 — tanto Trump quanto Kamala prometeram analisar de perto o acordo. O pacto comercial foi fechado durante o primeiro mandato de Trump em 2020 e substituiu o Acordo de Livre Comércio da América do Norte.

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Além disso, uma das propostas apresentadas pelo ex-presidente para contenção migratória é o programa “Remain in Mexico”, que exigia que solicitantes de asilo permanecessem no México enquanto seus casos eram processados.

Com a crise dos opióides atingindo os Estados Unidos, o narcotráfico também é um assunto a ser resolvido entre EUA e México. Trump poderá ter uma abordagem mais agressiva, incluindo a retomada de uma ideia proposta por ele em 2019 de designar os cartéis como “organizações terroristas”, o que permitira operações mais invasivas sobre o México.

Do outro lado, é provável que o governo de Claudia Sheinbaum resista a uma interferência excessiva dos EUA, o que pode dificultar essa cooperação, especialmente se houver divergências sobre métodos e níveis de envolvimento.

Já uma presidência de Kamala provavelmente seria caracterizada por uma cooperação diplomática mais ampla entre Estados Unidos e México. A democrata defende uma “reforma abrangente” da emigração aos EUA e promete um projeto de lei bipartidário de segurança de fronteira que falhou duas vezes no Congresso.

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Kamala em visita à fronteira EUA-México no Arizona em setembro. Foto: Rebecca Noble/AFP

Kamala tem trabalhado para construir relações positivas com Claudia Sheinbaum, buscando reforçar a cooperação para melhorar os mecanismos legais de entrada para diminuir a migração ilegal.

Quanto ao tráfico de drogas, Kamala já enfatizou que dará continuidade às estratégias de colaboração entre EUA e México para combater redes de tráfico. Sua campanha diz que ela assinará o projeto de lei bipartidário de segurança de fronteira para financiar tecnologia que ajudaria a detectar drogas ilegais sendo contrabandeadas pela fronteira.

Canadá aguarda revisão do USMCA

A revisão do acordo Estados Unidos-México-Canadá em 2026 é espera com ansiedade no Canadá, que tem os EUA como maiores parceiros comerciais. Aproximadamente 75% das exportações canadenses têm como destino os EUA, especialmente produtos como petróleo, veículos e maquinário.

Com a revisão do acordo, Trump poderia trazer uma postura protecionista para promover o que ele chama de “comércio mais justo” com o Canadá. As políticas de Trump, principalmente contra importações chinesas, também podem afetar cadeias de suprimento na América do Norte, pressionando empresas canadenses a buscar outros parceiros comerciais ou transferir produção para os EUA. Recentemente, para a Fox News, o republicano afirmou que com a revisão do USMCA gostaria de “tirar vantagem, agora, da indústria automobilística”, disse.

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Kamala também sugeriu que gostaria de fazer mudanças no USMCA. Em 2020, ela foi uma dos 10 senadores dos EUA que votaram contra o acordo e, já no cargo de vice-presidente, afirmou que o acordo não protegia suficientemente os trabalhadores dos Estados Unidos.

Um dos pontos de revisão que Kamala poderia fazer seriam as questões ambientais, defendendo padrões ambientais mais rigorosos nos acordos comerciais. A democrata afirmou que as disposições ambientais do acordo eram “insuficientes — e ao não abordar as mudanças climáticas, o USMCA falha em lidar com as crises deste momento”.

Os dois extremos da relação Brasil-EUA

Lula já deixou claro que prefere uma vitória de Kamala nos Estados Unidos, afirmando que a vitória da vice-presidente é a “opção mais segura para o fortalecimento da democracia nos EUA”. Não é novidade, uma vez que o petista é aliado do atual de Joe Biden. A vitória de Kamala, portanto significaria uma linha mais cooperativa, com pontos de diálogo com o governo Lula em questões de proteção ambiental, com foco na preservação da Amazônia.

No entanto, a postura de Lula em relação a potências como Rússia e China pode criar tensões, especialmente em temas geopolíticos sensíveis, como a guerra na Ucrânia e a Rota da Seda da China que, embora o País ainda não seja signatário, sofre uma pressão dos EUA para não aderir.

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“A China está vindo para cá. É o nosso maior parceiro comercial, então tem a questão da disputa por terras raras, minerais críticos, instalações de fábricas chinesas e a infraestrutura da Rota da Seda, então é uma preocupação para o próximo presidente”, diz Cristina.

Presidente Lula em encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York em setembro de 2023. Lula manifestou apoio à Kamala. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por outro lado, uma vitória de Trump traria desafios específicos para as relações Brasil-EUA. Sem o apoio ideológico que teve com Bolsonaro, Trump poderia adotar uma postura mais pragmática e menos inclinada ao multilateralismo, pressionando o Brasil em questões econômicas, como abertura de mercado e comércio bilateral.

As relações com Rússia e China também poderiam ser um problema. O foco de Trump em interesses de segurança nacional e seu ceticismo em relação a acordos ambientais globais pode tornar difícil uma colaboração efetiva na área ambiental, limitando as oportunidades de cooperação entre os dois países em temas globais e de interesse comum.

O autoritarismo na América Latina representado por Maduro

Daniel Ortega, da Nicarágua, Miguel Díaz-Canel, de Cuba e Alejandro Giammattei, Guatemala, são alguns dos líderes latinos que têm gerado preocupação nos EUA com a escalada de autoritarismo. Mas nenhum deles é uma dor de cabeça tão grande quanto Maduro, especialmente após as eleições fraudadas de julho.

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“Venezuela é uma convergência plena entre democratas e republicanos”, sintetiza Cristina, afirmando que ambos enfrentam o desafio de lidar com a crise humanitária e migratória venezuelana e o autoritarismo crescente no país.

Caso Trump vença, é provável que retome sua política de “pressão máxima”, com o aumento de sanções econômicas e pressão diplomática para isolar Maduro. Trump já acusou o regime venezuelano de liberar prisioneiros para se infiltrarem como imigrantes nos EUA, e sua política poderia buscar tanto intensificar as sanções quanto explorar possíveis negociações para limitar o fluxo de migrantes e enfraquecer o governo de Maduro.

Ditador venezuelano Nicolás Maduro em Kazan, na Rússia, em outubro. Foto: AP Photo/Alexander Zemlianichenko, Pool

Por outro lado, uma administração Kamala tenderia a seguir a abordagem mais diplomática da gestão Biden, que, apesar de buscar negociações e oferecer alívio de sanções, não conseguiu conter a repressão e a crise no país. Diante das recentes eleições venezuelanas fraudulentas em 2024 e da repressão subsequente, Kamala poderia tentar aumentar a pressão junto a aliados internacionais, mas com foco em uma solução diplomática.

Ambas as abordagens, no entanto, enfrentariam o desafio de uma migração em massa, pois a repressão e a crise econômica na Venezuela provavelmente levarão milhões de venezuelanos a deixarem o país. Quase 8 milhões de venezuelanos já fugiram do seu país desde que Maduro assumiu o poder, em 2013, e estima-se que outros milhões sairão após as eleições.

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