Dificuldade de implementação e falta de informação atrasam aplicação da lei do aborto na Colômbia

Mulheres relatam que médicos tentam convencê-las a não passar pelo procedimento ou colocam impedimentos para atrasar o processo

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Por Fernanda Simas

Há um ano, o aborto na Colômbia é descriminalizado até a 24.ª semana da gestação, o que significa que qualquer mulher no país, colombiana ou migrante, tem direito ao aborto legal e gratuito sem justificar o que a levou a tal decisão. No entanto, a nova legislação, elogiada por partes da sociedade e criticada por outras, ainda não está totalmente implementada.

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Falta de informação, falta de estrutura médica e preconceitos tornam a busca pelo aborto legal mais difícil, principalmente nas regiões afastadas das capitais. Na Colômbia, o serviço público de saúde é oferecido pelas EPS (Empresas Portadoras de Saúde), mas, segundo relatam mulheres ouvidas pelo Estadão, muitas vezes entraves são colocados como forma de impedir a realização do procedimento dentro do prazo permitido, como pedir documentação extra sobre a gravidez e realizar juntas médicas para dar uma decisão sobre o caso.

María (nome fictício por questão de segurança) estava com um mês de gravidez quando decidiu que iria abortar por não se sentir preparada para a maternidade. Um mês depois, graças à orientação de amigas, conseguiu realizar o procedimento legal.

Mulheres que defendem legalização do aborto na Colômbia comemoram decisão em 2022 Foto: LUISA GONZALEZ

“Cheguei ao centro de atendimento e a todo o momento a médica me comparava com o que havia vivido, que também passou por isso e foi capaz de levar a gravidez adiante. Depois disse que iria falar com alguém, voltou e disse que meu aborto não era legal e se eu fizesse teria que, na sequência, fazer uma cirurgia para não ter mais filhos. Comecei a chorar e lhe disse que eu tinha lido que o aborto era legal”, contou a jovem de 22 anos, moradora de um povoado a pouco mais de 100 quilômetros de Bucaramanga, no Departamento (Estado) de Santander.

Segundo dados da Women’s Link WorldWide, em um relatório divulgado no início da pandemia de covid-19, dos cerca de 400 mil abortos ao ano que eram realizados na Colômbia, entre 1% e 9% eram legais. Outro dado mostra que, entre aquelas que realizam abortos induzidos e têm complicações, 53% são da zona rural do país.

“Se eu não tivesse buscado outra opinião, teria desistido por medo do que ela (médica) me falou. Procurei minha amiga para fazer um aborto ilegal e ela me explicou que eu poderia fazer, sim, um aborto legal. Cheguei a pensar que tinha entendido mal a lei”, conta María.

A falta de informação dentro do sistema de saúde é um problema antigo, segundo profissionais envolvidos no debate sobre o aborto no país.

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Segundo a advogada Catalina Calderóm, diretora do Women’s Equality Center, desde que o aborto foi despenalizado quando envolvia três condicionantes - má formação do feto, gravidez resultado de estupro ou incesto e risco à vida da mãe -, coletivos lutam para que o acesso ao método seja garantido.

“Desde 2006, lutamos para que os serviços de saúde entendam que é importante não impor barreiras para que as mulheres tenham acesso ao aborto. Tantos anos se passaram e não tivemos muito êxito. Tivemos casos muito difíceis e dolorosos, principalmente nas zonas rurais”, afirma a advogada.

Uma pesquisa dos grupos que defendem a despenalização do aborto na Colômbia mostrou em 2022 que cerca de 54% das pessoas entrevistadas desconheciam as condicionantes que permitem a realização do aborto há 16 anos.

Mudanças

A expectativa daqueles que aprovam a nova legislação é que a implementação seja mais rápida sob o governo de Gustavo Petro e haja mais informação aos prestadores de saúde para que o acesso ao aborto seja garantido em todo o país.

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“Agora o que falta é que o governo cumpra com uma política pública clara. Há muito desconhecimento por parte do sistema de saúde, e é compreensível, afinal são médicos e não advogados. Será necessária uma campanha mais forte direcionada às mulheres e aos serviços de saúde”, diz Catalina Calderón.

Do outro lado, aqueles contrários à decisão de fevereiro de 2022 tentam derrubar a medida na Justiça e argumentam que muitas mulheres estão tendo problemas de saúde em decorrência de abortos realizados de maneira legal. “A decisão da corte foi irresponsável porque os abortos legais estão provocando muitos danos físicos em crianças que nascem de gravidezes seguintes em mães que abortaram. Há o aumento do nascimento de bebês prematuros e de deficiências infantis ligadas a isso”, afirma a advogada Natália Bernal, uma das porta-vozes contrárias à legalização do aborto no debate na Corte Suprema de Justiça.

A agilidade em reverter a legislação, mesmo sabendo da dificuldade após a eleição presidencial, se explica também pela questão da implementação da medida. “A Corte ordenou ao Ministério de Saúde regular todos os serviços desses procedimentos abortivos que ocorrem nos hospitais. Se a decisão não for anulada, o Ministério da Saúde precisa obedecer a Corte e regularizar a interrupção da gravidez até a semana 24″, diz Natália Bernal.

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