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Ele é conhecido como ’Ivan, o Troll’. Suas armas fabricadas em impressoras 3D viralizaram

De sua residência em Illinois, ele defende armas para todos. O Times confirmou seu nome verdadeiro e constatou que armas cujo projeto ele ajudou a desenvolver chegaram a terroristas, narcotraficantes e combatentes por liberdade em pelo menos 15 países

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Por Lizzie Dearden (The New York Times) e Thomas Gibbons-Neff (The New York Times)

Após uma tentativa de assassinato praticada pelo crime organizado na cidade francesa de Marselha, no ano passado, a polícia encontrou um fuzil de assalto que parecia de brinquedo, aparentemente fabricado com plástico e peças de Lego. “Mas era uma armamento letal”, recordou-se o coronel Hervé Pétry, da gendarmeria nacional.

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Nos últimos três anos, esse modelo de arma de fogo de fabricação caseira, conhecido como FGC-9, apareceu nas mãos de paramilitares na Irlanda do Norte, rebeldes em Mianmar e neonazistas na Espanha. Em outubro, um adolescente britânico será sentenciado por fabricar um FGC-9, em um dos casos mais recentes de terrorismo envolvendo esse armamento.

Um grupo online conhecido como Deterrence Dispensed divulga gratuitamente instruções para a fabricação da arma, em um manual que proclama que todas as pessoas de todas as partes devem estar armadas e preparadas.

“Juntos nós podemos derrotar definitivamente a atual violação ao nosso direito natural de portar armas, defender a nós mesmos e nos erguer contra a tirania”, afirma o documento.

Essa cepa americana de libertarianismo tem historicamente dificuldade de se propagar em muitos outros países. Mesmo que algumas pessoas acreditem nisso em teoria, leis rígidas dificultam tanto a compra de armas que tornam irrelevante essa ideologia.

Mas o FGC-9 está mudando as coisas.

“Não é apenas uma arma, é também uma ideologia”, afirmou o agente de inteligência Kristian Abrahamsson, da polícia aduaneira da Suécia. Dúzias de FGC-9s apareceram em seu país nos anos recentes, afirmou ele.

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O New York Times mapeou o histórico de evolução do FGC-9 de garagens de hobistas até se tornar uma arma mortífera nas mãos de insurgentes, terroristas, narcotraficantes e milicianos em pelo menos 15 países.

Ainda que incontáveis modelos de armas de fogo fabricadas em impressoras 3D tenham sido projetados e sejam divulgados na internet, autoridades internacionais de segurança afirmam que o FGC-9 é de longe o mais comum. O armamento é tão desejado entre extremistas de direita no Reino Unido que sua posse e o compartilhamento de seu manual de instruções tem sido qualificados como crimes de terrorismo.

Ninguém trabalha mais para promover a arma e a ideologia do que seu coprojetista, conhecido online como Ivan, o Troll. Principal figura do Deterrence Dispensed, ele tem apresentado diversos vídeos no YouTube e podcasts, mas sempre identificado por alcunhas.

Documentos judiciais, registros corporativos e informações postadas em seus perfis em redes sociais ligam o personagem Ivan, o Troll a um fabricante de armas chamado John Elik, de 26 anos, morador do Estado americano de Illinois. Sobrinho de uma deputada estadual, Elik emergiu como uma das figuras mais importantes na nascente indústria internacional de armas fabricadas em impressoras 3D.

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Polícias de todo o planeta consideram essa indústria uma ameaça a regulamentações que restringem e limitam o acesso a armas de fogo. Neste quesito, autoridades e defensores do direito de possuir e portar armas concordam.

O Times enviou um pedido de entrevista e um resumo desta reportagem ao e-mail de Elik. Uma mensagem enviada a partir de um perfil atribuído a Ivan, o Troll recusou-se a responder perguntas e afirmou que ele acredita que não seria tratado de forma justa.

Nos Estados Unidos, armamentos fabricados por impressoras 3D são regulados por uma miscelânea de leis estaduais. Illinois restringiu o comércio e a posse de componentes de armas de fabricação caseira, a não ser por parte de vendedores e fabricantes de armas. Por ser um fabricante licenciado, nada indica que Elik esteja infringindo essa legislação. As leis de Illinois exigem que fabricantes de armamentos registrem números de série em peças de armas de fogo.

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A maioria dos armamentos produzidos em massa no século 20, até mesmo as armas vendidas como itens de defesa pessoal, foi projetada originalmente para militares e caçadores. O FGC-9, em contraste, foi criado com o objetivo específico de armar o máximo possível de cidadãos comuns.

Peças de FGC-9 apreendida na Alemanha. Arma de fabricação caseira caiu nas mãos de rebeldes, paramilitares, extremistas e terroristas em 15 países.  Foto: Koblenz Public Prosecutor's Office, Germany/ The New York Times

FGC é uma sigla que expressa o que seus criadores pensam a respeito do controle sobre armas de fogo. O número 9 indica o calibre dos projéteis disparados pelo fuzil, de 9 milímetros.

O uso que os insurgentes que se opõem à junta militar que controla Mianmar fazem do FGC-9 é parte do plano declarado por seus criadores, uma concretização da esperança de que armas podem ser usadas para se levantar contra o Estado.

Em seu e-mail ao Times, Elik afirmou que é um erro dar atenção a “policiais europeus reclamando sobre uma pequena quantidade de armamentos apreendidos” e tiroteios que não deixaram nenhum ferido, “em vez do uso das armas de fogo enquanto ferramenta de libertação”

O protótipo

O principal projetista do FGC-9 foi Jacob Duygu, um alemão de ascendência curda.

A Alemanha exige que proprietários de armas de fogo obtenham licença, mas Duygu queria ter seu armamento segundo seus próprios termos. E tornou sua missão oferecer a todas as pessoas as ferramentas para fazer o mesmo, especialmente em países com leis rígidas de controle sobre armas de fogo.

Duygu desenvolveu uma afinidade pelo libertarianismo americano e o direito de portar armas previsto na 2.ª Emenda, de acordo com Rajan Basra, pesquisador sênior do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, que acompanha a proliferação do FGC-9.

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Duygu era conhecido online como JStark, em homenagem ao major-general John Stark, um dos comandantes militares da Revolução Americana.

Perfis em redes sociais ligados a Elik expressaram visões similares.

“Civis precisam de fuzis de assalto porque ter uma arma feita para matar pessoas é muito importante para a autodefesa”, afirma um post, acrescentando, “Se a arma é feita para matar pessoas rapidamente e facilmente, tanto melhor”.

O projeto de Duygu foi tornado público em março de 2020 com o objetivo declarado de evitar leis de controle de armamentos. Armas de fogo de fabricação caseira existem há séculos, mas o projeto de Duygu representa um passo além. O FGC-9 pode ser construído literalmente do zero, prescindindo totalmente de peças de armas convencionais, cuja fabricação e destinação com frequência são reguladas e acompanhadas por agências policiais internacionalmente.

Qualquer indivíduo que possua uma impressora 3D comercial, centenas de dólares em materiais, alguma habilidade em metalurgia e muita paciência pode virar proprietário de uma arma de fogo.

“É um divisor de águas”, afirmou Basra. “Agora existe algo que as pessoas podem fabricar em casa com componentes não regulados. Portanto, de um ponto de vista policial, como é possível impedir isso?”

As instruções de montagem para a primeira versão do FGC-9 pedia que o lema do general Stark, “Viver livre ou morrer”, fosse gravado em cada arma.

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O lançamento do FGC-9 inspirou aficionados por armamentos a sugerir suas próprias modificações. Entre eles estava Elik, que separadamente desenvolveu um processo faça você mesmo para fabricação de ranhuras helicoidais, ou estriamentos, dentro do cano da arma.

Um ano depois, uma nova versão do FGC-9 foi lançada, dando crédito de cocriador ao pseudônimo de Elik.

Basra e um pesquisador da área da segurança, Nathan Mayer, constataram inicialmente a ligação de Elik aos perfis de Ivan, o Troll usando pistas online, depois que ele foi identificado em um processo judicial como proprietário de um website que promovia armas fabricadas em impressoras 3D. O Times replicou e avançou a investigação usando fotos e vídeos que Elik postou de sua residência e estandes de tiro de propriedade de sua família, incluindo de sua tia.

Sua tia, Amy Elik, é deputada estadual do Partido Republicano e defensora ferrenha dos direitos a posse e porte de armas de fogo. Ela votou contra um banimento em Illinois a armamentos de fabricação caseira. Ela não respondeu a uma mensagem solicitando seu comentário.

Duygu foi encontrado morto em 2021, por causas indeterminadas, poucos dias após ser interrogado pela polícia alemã. Elik tornou-se rapidamente o porta-voz mais importante da arma que eles criaram e passou a desenvolver seus próprios projetos de armas fabricadas em parte por impressoras 3D, incluindo versões do fuzil Kalashnikov e de uma submetralhadora MP5.

“Esse mercado puro de ideias não foi criado por acidente, mesmo que seja muito mais bem-sucedido do que Stark ou eu jamais imaginamos que seria”, afirma online um dos perfis ligados a Elik.

Viralizando

O FGC-9 ficou conhecido inicialmente em dezembro de 2020, quando o neonazista britânico Matthew Cronjager foi preso e indiciado por tentar recrutar e armar uma milícia. Os alvos incluíam o governo britânico, judeus, gays, muçulmanos e membros de minorias étnicas.

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Então com 17 anos, Cronjager tinha baixado um manual do Deterrence Dispensed para fabricação de munições de 9 milímetros e ps planos para o FGC-9. Ele foi preso após tentar pagar um policial disfarçado para fabricar a arma. Cronjager, que posteriormente foi condenado a uma pena de mais de 11 anos na prisão, afirmou que queria derrubar o governo e iniciar uma revolução, segundo registros judiciais.

Desde então, vários indivíduos afeitos à supremacia branca e adeptos de posições anti-imigração têm sido processados por crimes de terrorismo na Europa após tentar obter o FGC-9 para cometer homicídios múltiplos. Gangues de narcotraficantes e detentos de prisões no Brasil foram encontrados com a arma, afirmam autoridades do país.

Nenhuma autoridade policial estabeleceu ligação entre um FGC-9 e algum homicídio até aqui, mas policiais afirmam que isso pode ocorrer porque as técnicas forenses tradicionais nem sempre são confiáveis em relação a armas de fabricação caseira.

Ivaylo Stefanov, da unidade de armas ilícitas da Interpol, afirmou: “Todos pensaram que levaria décadas para que a tecnologia avançasse e as impressoras fossem disponibilizadas para cidadãos comuns”.

A Interpol é notificada sobre apreensões de FGC-9s pelo menos a cada dois meses, e Stefanov afirmou que muito mais provavelmente não são relatadas. “A gente vê isso em países europeus que nunca registraram casos desse tipo”, afirmou ele.

A mensagem de Ivan, o Troll nos meios de comunicação é que isso não passa de hipocrisia. Governos ocidentais, notou ele, armam insurgentes e líderes autoritários com armas de guerra. “Eu compartilho um arquivo de computador”, afirmou ele em uma entrevista de 2022. “Se eu sou culpado por compartilhar informações, eles são o quê?”

E ainda que tenha se popularizado entre extremistas de direita, o FGC-9 também foi adotado por grupos insurgentes que combatem a junta militar que controla Mianmar e cometeu atrocidades contra seu próprio povo.

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Rebeldes pró-democracia em treinamento no Mianmar. Assim como extremistas de direita na Europa, eles também recorreram à armas FGC-9.  Foto: Daniel Berehulak/The New York Times

“Muita gente usa”, afirmou um combatente de codinome 3-D. Ele disse que o FGC-9 é frequentemente usado para defesa pessoal, em vez de em combates, porque seu projeto o deixa suscetível a travar no ambiente adverso da selva.

Conforme a tecnologia melhora, afirmaram Stefanov e outras fontes, fabricantes amadores de armas muito provavelmente serão capazes de usar peças de procedência indetectável para fabricar armas que disparam como metralhadoras. O governo Biden está tentando regular o mercado de componentes de armas de fogo de fabricação caseira, um movimento que será analisado pela Suprema Corte proximamente.

Os FGC-9s têm sido cada vez mais fabricados não apenas por hobistas e extremistas individualmente, mas também por operações criminosas que produzem as armas para vender ou alugar. Fábricas improvisadas foram encontradas na Austrália, na França e na Espanha. “Há um elemento ideológico óbvio”, afirmou o coronel Pétry, o gendarme francês. “Mas nós não devemos ser ingênuos. Acima de tudo existe seu desejo de enriquecer fabulosamente.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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