Elizabeth II é sepultada em Windsor, marcando o fim de uma era da monarquia britânica

Cerimônia é rica em simbolismos que destacam enterro da rainha, mas dão continuidade a transição entre os reinados

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Por Fernanda Simas
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Em um dos últimos atos do funeral da rainha Elizabeth II, Lorde Chamberlain – funcionário de mais alto escalão da Casa Real – encerrou simbolicamente a “segunda era elisabetana” ao quebrar o bastão da governante e o colocar sobre o caixão da monarca na Capela de St. George. O enterro da rainha nesta segunda-feira, 19, simboliza também o início do reinado de Charles III.

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“A cerimônia em Windsor foi muito rica em simbolismos, não apenas em termos do enterro da rainha, mas na questão da transição entre os reinados. Toda a cerimônia evocou a ideia de ‘dois corpos’ dos monarcas: o corpo político (dever e posição do soberano) e o corpo físico (a pessoa que ocupa o cargo)”, explica a historiadora na Universidade de Winchester, especializada em monarquias, Elena Woodacre. “Hoje vimos a separação dos dois corpos. O corpo físico descansa e o político passa para Charles III.

Num primeiro momento, a coroa, o cetro e o orbe que estavam em cima do caixão da rainha - e são os símbolos do “corpo político” - foram retirados do caixão. Em seguida, a quebra do bastão do governante foi o segundo momento dessa “separação dos corpos do monarca”. “Essa é uma tradição antiga que marca o fim do serviço da Casa Real ao monarca, mas nunca havia sido televisionada”, lembra Elena Woodacre.

Imagem mostra caixão da rainha Elizabeth II coberto pela bandeira real e com a coroa, orbe e cetro pousadas em cima. Funeral de Elizabeth encerra uma era na história da monarquia britânica Foto: Danny Lawson/Reuters

Ícone de uma era, agora Elizabeth repousa no Memorial George VI, onde estão os corpos de seu pai - o rei George VI - e mãe e as cinzas da irmã Margaret. O anexo terminou de ser construído em 1969, justamente para abrigar o caixão do rei George VI, que morreu de forma inesperada em fevereiro de 1952, aos 56 anos. Até então, não existia um local especial designado aos seus restos mortais.

O caixão do príncipe Philip foi enterrado ao lado do de Elizabeth, depois de ser transferido da cripta real, onde estava desde sua morte em abril de 2021. Esse era o último desejo da monarca.

Na cripta real, continuam repousando os restos mortais de uma longa lista de soberanos entre os séculos 18 e 19, entre eles o rei George III, morto em 1820. Diante da falta de espaço no local era necessária a construção de outra capela - no que foi a primeira mudança arquitetônica no edifício.

Nos próximos dias, o rei Charles III deve consolidar a formação de seu reinado, com o desafio de continuar criando laços com o público e tentar ter ao menos parte da admiração que sua mãe tinha. “O público tem dado apoio a Charles até agora, mas parte dessa simpatia pode ser direcionada a um filho de luto pela perda da mãe”, diz a historiadora.

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Agora, as atenções se voltam para a cerimônia de coroação de Charles, que deve ocorrer no ano que vem. A mesma coroa que foi retirada de cima do caixão de Elizabeth ontem poderá ser usada no evento, caso seja a vontade do novo monarca.

“Charles parece estar fazendo a construção de um reinado no qual a monarquia é mais acessível e moderna, sem perder a tradição e mística sobre a qual foi construída”, afirma Elena Woodacre, lembrando que essa transição já vinha sendo feita por Elizabeth II e deve agora seguir para o próximo sucessor ao trono, o príncipe William. “Acho que veremos uma monarquia mais ‘enxuta’ com William, Kate e seus filhos sendo muito proeminentes como herdeiros diretos e menos foco nos irmãos dele e suas famílias.”

Cortejo

Foram onze dias desde a morte da monarca mais longeva do Reino Unido até seu enterro na Capela de St. George, no Palácio de Windsor.

Após cinco dias de funeral aberto ao público, o caixão de Elizabeth deixou Westminster Hall e foi levado para a Abadia de Westminster, onde a rainha casou e foi coroada, para um funeral de Estado.

A família real seguiu o caixão durante a procissão. À frente estava o rei Charles III, acompanhado da rainha consorte, Camilla. Seus irmãos o seguiam, por ordem de nascimento: a princesa Anne e seu marido, Timothy Lawrence, o príncipe Andrew e o príncipe Edward, com sua mulher Sophie.

Logo atrás vinham o príncipe William e a princesa Kate Middleton, acompanhados de seus dois filhos mais velhos, George e Charlotte, de 9 e 7 anos. As duas crianças são, respectivamente, segundo e terceira na linha de sucessão ao trono. Depois de William vinham o príncipe Harry e Meghan Markle.

Antes da última procissão fúnebre, mais de cem presidentes, chefes de governo e membros da realeza de todos os continentes do mundo participaram da cerimônia de funeral de Estado da rainha na Abadia, onde um sermão do arcebispo da Cantuária, Justin Welby, exaltou a vida da rainha e a liderança que exerceu durante seus 70 anos como chefe de Estado. “Aqui a rainha Elizabeth casou e aqui foi coroada. Agora nos reunimos, milhares de pessoas de todo o mundo, para lamentar a sua perda”, iniciou o decano de Westminster, que conduziu a cerimônia religiosa.

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O Coral da Abadia de Westminster e o Coral da Capela Real entoaram seus cânticos para os quase 2.000 participantes, incluindo centenas de governantes e monarcas do mundo, do presidente americano Joe Biden ao brasileiro Jair Bolsonaro, passando pelo rei da Espanha, Felipe VI, ao imperador do Japão, Naruhito.

Na parte final da cerimônia, todo o país respeitou dois minutos de silêncio, das ruas aos parques, incluindo os pubs, onde muitos acompanharam a cerimônia pela televisão.

O funeral de Estado terminou com o hino nacional, “Deus salve o Rei”, cantado em homenagem a Charles III.

Etapa final

De Westminster, o caixão seguiu em cortejo, transportado em uma carreta da Marinha Real ao som das marchas fúnebres de Beethoven, Mendelssohn e Chopin e com a presença da família real, até o Arco de Wellington, de onde foi levado, em carro, para o Castelo de Windsor.

Milhares de pessoas se reuniram na grande avenida que leva ao Castelo para ver a chegada do caixão da rainha, transportado cerca de 40 km em um carro funerário da capital britânica. “Vim prestar meus respeitos e cumprimentá-la uma última vez quando o carro fúnebre passou, como veterano militar era meu dever”, disse à agência France-Press Robert MacDonald, um morador local que estava uniformizado.

Elizabeth II assumiu o trono em 1952, em um Reino Unido ainda abalado pelo pós-guerra, e faleceu em 2022, no pós-pandemia e Brexit. Conheceu 15 primeiros-ministros, de Winston Churchill à atual Liz Truss, assim como figuras históricas que incluem o soviético Nikita Khrushchev, a madre Teresa de Calcutá e o sul-africano Nelson Mandela. / Com AFP

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