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Como Rússia, China e Irã defendem Hamas na batalha das redes sociais sobre a narrativa em Gaza

Desinformação cresce na internet com escalamento de conflitos mundiais

Por Steven Lee Myers e Sheera Frenkel

O conflito entre Israel e Hamas está se tornando rapidamente uma guerra mundial online.

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Irã, Rússia e, em menor grau, China usaram a mídia estatal e as principais plataformas de redes sociais do mundo para defender o Hamas e enfraquecer Israel, ao mesmo tempo manchando a imagem dos Estados Unidos, principal aliado dos israelenses.

Forças a serviço do Irã no Líbano, na Síria e no Iraque também entraram para o combate na internet, junto com grupos extremistas como Al Qaeda e Estado Islâmico que antes discordavam da linha do Hamas.

Motoristas passam por um gigantesco outdoor que retrata povos muçulmanos caminhando com suas bandeiras nacionais em direção ao Santuário da Cúpula da Rocha em Jerusalém, erguido na Praça Valiasr, no centro de Teerã, em 25 de outubro de 2023.  Foto: ATTA KENARE / AFP

A enxurrada de propaganda e desinformação online é maior do que qualquer coisa já vista, de acordo com funcionários do governo americano e pesquisadores independentes, refletindo a divisão geopolítica do mundo.

“É algo visto por milhões, centenas de milhões de pessoas em todo o mundo”, disse Rafi Mendelsohn, vice-presidente da Cyabra, empresa de inteligência em redes sociais de Tel Aviv, “e isso está afetando a guerra de uma forma quase tão eficaz quanto qualquer outra tática de campo”. A Cyabra documentou pelo menos 40.000 bots ou contas falsas online desde o ataque do Hamas a Israel a partir de Gaza no dia 7 de outubro.

O conteúdo visceral, emotivo, politicamente enviesado e, frequentemente, falso, fomentou a raiva e a violência muito além de Gaza, trazendo consigo o temor de inflamar um conflito mais amplo. Apesar de negar qualquer envolvimento no ataque do Hamas, o Irã ameaçou tal ampliação, com seu ministro das relações exteriores, Hossein Amir Abdollahian, alertando para uma retaliação em “múltiplas frentes” se forças israelenses persistirem em Gaza.

“É como se todos estivessem envolvidos”, disse Moustafa Ayad, diretor executivo para África, Oriente Médio e Ásia do Institute for Strategic Dialogue. O instituto, uma organização de pesquisas sem fins lucrativos de Londres, detalhou na semana passada as campanhas de influência do Irã, da Rússia e da China.

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Não parece haver coordenação entre as campanhas, de acordo com especialistas e funcionários do governo americano e de outros governos, mas não se exclui a possibilidade de uma cooperação.

Se Irã, Rússia e China têm motivos individuais para ficar do lado do Hamas contra Israel, eles promoveram os mesmos temas desde o início da guerra. De acordo com funcionários e especialistas, eles não estão apenas oferecendo apoio moral, e sim organizando campanhas de informação secretas e abertas para se amplificar mutuamente e expandir o alcance global do seu ponto de vista em diferentes plataformas e idiomas.

A filial espanhola da RT, rede global russa de televisão, por exemplo, republicou recentemente uma declaração do presidente iraniano descrevendo a explosão no hospital Al-Ahli em Gaza, no dia 17 de outubro, como um crime de guerra israelense, apesar de agências ocidentais e analistas independentes já terem declarado que um míssil disparado de Gaza seria uma causa mais provável para a explosão.

Outro veículo de notícias russo no exterior, a Sputnik Índia, citou um “especialista militar” que afirmou, sem provas, que os EUA forneceram a bomba que destruiu o hospital. Publicações desse tipo receberam dezenas de milhares de visualizações.

“Estamos em uma guerra não declarada de informação contra os países autoritários”, disse em entrevista recente o diretor do centro de engajamento global do departamento de estado, James P. Rubin.

Já nas primeiras horas após o ataque, o Hamas empregou uma ampla e sofisticada estratégia de mídia, inspirada em grupos como o Estado Islâmico. Seus agentes espalharam imagens explícitas usando contas falsas em países como o Paquistão, driblando o veto ao Hamas no Facebook e no X (antigo Twitter), de acordo com pesquisadores da Cyabra.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, gesticula durante uma coletiva de imprensa no Ministério das Relações Exteriores em Pequim, China, em 9 de outubro de 2023.  Foto: WU HAO / EFE

Um perfil no X com características típicas de uma conta falsa (@RebelTaha) fez 616 publicações nos dois primeiros dias do conflito, embora antes só publicasse conteúdo relacionado a críquete. Uma publicação trazia uma caricatura mostrando os diferentes pesos e medidas que retratavam a resistência palestina a Israel como terrorismo, enquanto a luta da Ucrânia contra a Rússia era mostrada como autodefesa.

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Autoridades e especialistas que acompanham a desinformação e o extremismo ficaram surpresos com a rapidez e a extensão da difusão da mensagem do Hamas na internet. Foi um feito quase certamente facilitado pela intensidade emocional despertada pela questão israelo-palestina e pelas imagens explícitas de violência, capturadas virtualmente em tempo real com câmeras dos pistoleiros do Hamas. Foi também amplificado pela vasta rede de bots e, logo depois, contas oficiais pertencentes a governos e canais de mídia estatal no Irã, na Rússia e na China, ecoando nas plataformas de redes sociais.

Em um só dia após o início do conflito, cerca de um quarto das contas do Facebook, Instagram, TikTok e X publicando a respeito do tema pareciam ser falsas, de acordo com a Cyabra. Nas 24 horas após a explosão no hospital Al-Ahli, mais de um terço das contas publicando a respeito do assunto no X eram falsas.

Os pesquisadores da empresa identificaram seis campanhas coordenadas em tamanha escala a ponto de indicar o envolvimento de países ou grandes atores não governamentais.

O relatório do Institute for Strategic Dialogue na semana passada identificava contas iranianas no Facebook e no X que “disseminam conteúdo particularmente nocivo, incluindo a glorificação de crimes de guerra e da violência contra civis israelenses, incentivando novos ataques contra Israel”.

Embora o líder supremo do país, aiatolá Ali Khamenei, tenha negado o envolvimento do Irã no ataque, as contas o retratam como líder de uma “resistência pan-islâmica” a Israel e às potências ocidentais neocolonialistas.

Uma vista mostra os aviões da companhia aérea Red Wings no aeroporto de Makhachkala, na região do Daguestão, Rússia, em 31 de outubro de 2023.  Foto: Kazbek Basayev / REUTERS

Uma série de publicações no X por um veículo afiliado ao estado, a agência de notícias Tasnim, disse que os EUA eram responsáveis pelos “crimes”, mostrando um vídeo de palestinos feridos. No Telegram, contas também disseminaram conteúdo falso ou não verificado, incluindo um relato amplamente desmentido segundo o qual a CNN teria fingido um ataque à sua equipe de TV.

A Cyabra também identificou uma campanha online em árabe no X com origem no Iraque, evidentemente de grupos paramilitares xiitas apoiados pelo Irã, incluindo o movimento de Muqtada al-Sadr. Uma rede de contas publicou mensagens e imagens idênticas, usando a hashtag #AmericasponsorIsraelTerrorism [#euapatrocinaterrorismoisraelense]. O auge dessas publicações foi em 18 e 19 de outubro, alcançando mais de 6.000 engajamentos, com o potencial de alcançar 10 milhões de espectadores, de acordo com a Cyabra.

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Israel, que tem suas próprias operações sofisticadas de informação, viu-se inesperadamente na defensiva.

“Como as suas forças armadas, as redes sociais de Israel foram pegas no contrapé, respondendo dias mais tarde”, disse Ben Decker, diretor executivo da Memetica, firma de consultoria de inteligência e risco, e ex-pesquisador do New York Times. “A resposta foi caótica, até mesmo quando finalmente chegou.”

Dois funcionários do governo israelense, falando sob condição de anonimato para poder comentar assuntos de inteligência, disse que Israel estava acompanhando a atividade dos bots do Irã e de outros países. Eles destacaram que a atual campanha é a maior que já viram.

A guerra aumentou a preocupação em Washington e outras capitais ocidentais de que uma aliança de governos autoritários teria conseguido fomentar sentimentos antidemocráticos e antiliberais, especialmente na África, América do Sul e outras partes do mundo onde as acusações de colonialismo americano ou ocidental encontram solo fértil. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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