Como golpistas convencem pessoas a gastarem milhares de dólares em ouro - e entregarem a compra

Criminosos disseram a mulher que ela foi vítima de roubo de identidade e, para receber um novo número de documento, deveria cooperar em uma investigação paralela que exigia a compra de ativos

PUBLICIDADE

Por Dan Morse (Washington Post)

Lisa Bromley já fez muitas coisas durante os seus 30 anos como polícial nos subúrbios de Maryland, nos Estados Unidos. Compras de drogas disfarçada. Investigações de roubos à mão armada. Trabalhando em acidentes de carro.

PUBLICIDADE

Mas foi só na semana passada que ela viu a si mesma disfarçada com uma máscara de covid-19 e uma peruca, desempenhando o papel de uma vítima de golpe na casa dos 60 anos que, segundo a polícia, já tinha sido roubada em cerca de US$ 789 mil em barras de ouro. A esperança dela: seu alvo iria em breve parar em um estacionamento em busca de mais ouro.

O plano deu certo, disseram autoridades policiais em um comunicado de imprensa na sexta-feira anunciando a prisão de Wenhui Sun, 34, de Lake Arbor, Califórnia. Autoridades locais e federais dizem que seu golpe faz parte de uma tendência crescente de golpistas. Muitas vezes se passando por investigadores federais, eles persuadem seus alvos a comprar barras de ouro — e entregá-las para guardar — enquanto falsos investigadores tentam identificar ladrões que, de outra forma, poderiam ter invadido as contas bancárias dos alvos.

“Eles estão fazendo qualquer coisa que eles conseguem para chegar até essas pessoas”, disse Bromley, que passou a última década como investigadora de crimes financeiros e trabalhou em um caso parecido no ano passado, cuja vítima perdeu mais de US$ 1 milhão. “Isso quebra o seu coração.”

Os golpistas projetam preocupação e uma pressão sutil, sugerindo que se seus alvos não agirem rapidamente, eles não apenas perderiam suas economias, mas também perderiam uma chance de ajudar o governo a combater perigosos ladrões de identidades. “Uma vez que a vítima está fisgada, o golpista irá seguir adiante”, disse Keith Custer, agente especial supervisor do FBI, que trabalha nesses casos no escritório local da agência em Baltimore.

Vítimas da barra de ouro e crimes relacionados podem ser perfeitamente inteligentes, disse Custer. “Médicos, advogados, executivos. Eu já vi praticamente qualquer vítima.”

Sun está detido sem fiança na prisão do condado de Montgomery, acusado de roubo de mais de US$ 100 mil e tentativa de roubo de mais de US$ 100 mil, de acordo com os registros do tribunal. A defesa de Sun não pôde ser localizada pelo Washington Post.

Publicidade

A procura pela polícia

Para Bromley e seus colegas do departamento de crimes financeiros da Polícia do Condado de Montgomery, o caso começou em 10 de março, quando uma mulher ligou para relatar que ela achava que tinha sido enganada. A mulher, que a polícia identificou como Vítima 1 em documentos judiciais para proteger sua privacidade, disse que em fevereiro ela recebeu uma ligação de um homem que se identificava como Mark Cooper, do “Escritório do Inspetor Geral, Comissão Federal de Comércio”, escreveram os detetives em um depoimento judicial.

O suposto Mark Cooper disse à mulher que ela estava sendo vítima de roubo de identidade que levou a uma investigação federal sobre drogas e lavagem de dinheiro. O homem então colocou a Vítima 1 em contato com alguém que se identificada como “Oficial David Freeman,” que disse que poderia fornecer a ela um novo Número de Seguro Social (Social Security number, o documento para cidadãos americanos) e proteção a testemunhas, mas apenas na conclusão de sua investigação, depois que ela cooperasse totalmente, de acordo com o depoimento.

Vítima gastou US$ 789 mil em compras de barras de ouro que foram entregues a criminosos. Foto: de Art/Adobe Stock

“Para garantir a cooperação dela e proteger seus bens, a Vítima 1 foi orientada a comprar barras de ouro”, escreveram os detetives, “que deveriam ser entregues aos agentes do FBI que iriam pegar as barras e guardá-las no Departamento de Tesouro dos Estados Unidos”.

Evocar a proteção de um ativo como o ouro é fundamental para esses esquemas, disse Custer, o agente do FBI: “Eles gostam de evocar bancos da Reserva Federal, imagens de pilhas de ouro no Forte Knox (o terceiro maior depósito de ouro do mundo).”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

E há outra razão pela qual eles querem que seus alvos comprem barras de ouro — essas negociações geralmente são feitas através de transferências bancárias com vendedores legítimos que então enviam o ouro por meio de encomenda garantida. Uma vez que o ouro chega, disse Custer, os criminosos precisam apenas persuadir seus alvos a entregá-lo — uma estratégia que evita que as vítimas tenham que ir fisicamente a um banco retirar dinheiro, o que poderia levar suspeitas do banco.

No caso do Condado de Montgomery County, a vítima fez seu primeiro pagamento de US$ 331,817.54 para um vendedor de ouro em 21 de fevereiro. Duas semanas depois, enquanto ela mantinha contato com os criminosos enviando capturas de tela sobre o status de seu pedido, as barras chegaram via a empresa de entrega UPS, segundo os documentos do caso.

Os golpistas falaram para ela encontrar um “mensageiro” perto de um estacionamento. Ela assim o fez, colocando a caixa de ouro na traseira de um carro, que então foi embora.

Publicidade

A polícia disse que eles agiram novamente no dia seguinte, persuadindo a mulher a transferir US$ 457.410,34 para um negociante em troca de mais barras de ouro. No dia 8 de março, ela encontrou novamente o mensageiro, desta vez em um estacionamento próximo, mas diferente, e entregou o segundo pacote. O motorista, ao volante de um caminhão Dodge Ram com placa de Nova York, foi embora.

Dois dias depois, percebendo que havia sido vítima de um golpe, ela ligou para a polícia.

O esquema da polícia

Vídeos de sistema de vigilância perto do estacionamento revelaram a placa da camionete, que eles rastrearam até uma locadora de automóveis em Nova York e depois até a Sun, segundo os detetives. Leitores automatizados de placas também rastrearam o caminhão que viajava de Nova York a Maryland no dia da segunda coleta de barras de ouro.

Os investigadores fizeram com que a mulher continuasse se comunicando com os golpistas, falando a eles que ela tinha mais barras de ouro, para atraí-los de volta, mesmo com a polícia preocupada que os criminosos pudessem suspeitar de algo. “Eu estava extremamente nervoso”, disse o detetive Sean Petty. “Este é o trabalho deles. Eles aperfeiçoaram isso.”

Mas funcionou, conforme eles escreveram nos documentos judiciais, dizenndo que os fraudadores indicaram que voltariam para uma nova remessa.

Desta vez eles estavam esperando — uma equipe de detetives de crimes financeiros e policiais disfarçados, incluindo Bromley, usando sua máscara e peruca castanha, que ela tinha solicitado para entrega rápida da Amazon. Pouco depois das 19h de segunda-feira, um Jeep Wagoneer preto — dirigido por Sun — chegou à guarita da Leisure World, e foi autorizado a passar, segundo os detetives.

Ele parou no ponto de encontro, de acordo com detetives, no momento em que Bromley colocou uma caixa marrom — sem valor — no banco de trás. O Wagoneer partiu, mas não para muito longe — políciais disfarçados o atacaram pouco tempo depois.

Publicidade

Sun falou com investigadores dizendo que um amigo na China o orientou a dirigir até Maryland para pegar um pacote. Ele disse que também pegou o pacote no dia 8 de março, mas não sabia o que havia nele.

“Sun admitiu que ele viajou para Tennessee, Montana, Nova York e Maryland, mas reforçou que o único lugar que ele pegou pacotes foi em Maryland”, escreveram os investigadores.

Eles também revelaram em documentos judiciais algo que encontraram no Wagoneer de Sun: uma passagem de avião para aquele dia para a Califórnia. Sun disse que adiou a viagem para pegar o pacote, mas que partiria para a Califórnia no dia seguinte. No entanto, de acordo com os registros judiciais, ele foi preso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.