Há risco de guerra entre Israel e Síria? Um ataque israelense ao Irã levaria toda a região para um conflito?
Assad - Sempre há risco enquanto não houver paz. Pode se elevar ainda mais a possibilidade de guerra quando existe um governo (Israel) trabalhando contra a paz, especialmente quando este governo apenas ameaça os outros. Por isso achamos que o risco é muito alto. Não temos evidências porque ninguém sabe quando haverá ou não guerra. Como governo, não podemos dizer que a possibilidade seja 60% ou 10%, porque, mesmo que seja 1%, este 1% significa guerra e pode se transformar em 100%. Portanto, temos de trabalhar como se fosse ocorrer uma guerra porque não temos um parceiro na paz. Esse é o problema. Este governo de Israel é extremista. Não são parceiros na paz. É preciso se preocupar com suas ações, como a realizada contra os turcos quando eles atacaram a flotilha de Gaza. Isso indica que o governo de Israel está se movendo na direção da guerra, não da paz.
A acusação de que a Síria forneceu mísseis Scud para o Hezbollah é verdadeira?
Assad - Isso foi para desviar a atenção de seus problemas, especialmente em Gaza. Eles (os israelenses) falaram sobre mísseis e têm falado disso há anos. Mas cada vez eles mudam o nome do armamento. E sempre adicionam algo novo, como se fosse algo novo no mercado.
Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, em vez de criticar Israel pelos assentamentos na Cisjordânia ou o bloqueio a Gaza, prefere questionar o Holocausto. O sr. concorda com isso?
Assad - Acho que a política deve ser dividida em duas partes - o discurso político e as ações. Claro que as ações são mais importantes. É como quando você diz que eu tenho uma boa imagem, mas uma má realidade. Logo, é mais importante ter uma boa realidade, antes de ter uma boa imagem. Consequentemente, se eu fosse avaliar Ahmadinejad, eu avaliaria as suas políticas, que não trabalham contra a paz. Nos fomos na direção da paz. E sempre tivemos boas relações com o Irã e os iranianos sempre apoiaram a Síria. Na realidade, o Irã apoia a paz. Em segundo lugar, há um sentimento geral na região desde a ocupação da Palestina de que os árabes, especialmente os palestinos, pagam o preço do Holocausto. O Ocidente tem um complexo sobre o que ocorreu na 2.ª Guerra. E acabam ignorando o que Israel faz na região.
Mas, ao questionar o Holocausto, Ahmadinejad não prejudica os palestinos?
Assad - Eu disse em discurso no Catar em 2008 que o que está acontecendo em Gaza é um Holocausto.
Obama melhorou a relação dos EUA com a Síria? Afinal, de um lado, envia emissários como John Kerry (senador democrata) e nomeia um embaixador para Damasco. De outro, mantém sanções no Congresso.
Assad - Nós podemos sentir uma posição diferente neste governo. Eles não tentam mais ditar as coisas no Oriente Médio. Isso é importante, mas não há nada além de diálogo por enquanto. Tivemos alguns passos triviais, como a nomeação de um embaixador e o fim do veto à inclusão da Síria na OMC (Organização Mundial do Comércio). Estamos no começo da relação. Não sei até onde poderemos chegar com essa administração, porque ela não é apenas o presidente Obama. Existem outras instituições, como o Congresso, que aprovou a lei com sanções à Síria. Não sabemos o que o presidente pode fazer em relação a essa lei.
Podemos dizer que o que vem ocorrendo eh pouco. Levara muito tempo ate falarmos de uma relação normal entre os EUA e a Síria, especialmente com um Congresso que não ajuda o presidente. Como você disse, John Kerry (senador democrata) tem vindo a Damasco e conversamos sobre a paz e relações bilaterais. Mas estamos nos movendo muito devagar.
As relações com o Líbano se normalizaram depois das visitas do presidente libanês, Michel Suleiman, e do premiê, Saad Hariri, a Damasco?
Assad - Estamos melhorando. Fizemos grandes avanços com estas visitas. Estamos voltando a normalidade. O único obstáculo e a situação interna no Líbano. Enquanto tivermos divisões entre os libaneses, isto se refletira nas relações com a Síria. No fim, se um lado apoia as relações com a Síria, o outro ficara contra. Nós achamos que quanto mais os libaneses se unirem, melhor ficará a relação com a Síria.
Ainda há risco de mais problemas no Iraque?
Assad - Este é um momento crítico por causa das eleições. Se houver um governo com uma mentalidade mais aberta, será bem melhor porque os iraquianos se sentarão para discutir todos os assuntos, até mesmo a Constituição e novas instituições. Mas ainda não é estável porque as mudanças de que falamos ainda não ocorreram. Apenas tivemos eleições e os iraquianos não conseguiram formar um governo. Eles precisam formar um governo e é necessário que seja um bom. Se eles falharem, os iraquianos pagarão o preço.
A Síria recebe ajuda para lidar com 1,2 milhão de refugiados iraquianos no país?
Assad - Ninguém ajuda. Eles (os EUA) criaram esse problema e não querem nos ajudar e não permitem que o governo iraquiano nos ajude. Portanto os custos estão com a Síria. Mas este não é apenas um problema humanitário, mas político. Imagine se eles voltassem para seu país sem educação, na pobreza? Iriam diretamente para o extremismo. Portanto temos de recebê-los e fazê-los se sentir num país normal. Não os tratamos como refugiados, mas como hóspedes. No caso dos palestinos, são meio milhão e eles têm todos os direitos na Síria, menos a nacionalidade e o voto.
Sua administração trouxe avanços na economia. Por outro lado, seus críticos dizem que a abertura política foi interrompida. O sr. pretende reiniciar a abertura? Por que é tão difícil?
Assad - Nós não começamos algo e depois paramos. Desde o começo, quando começamos a reforma, houve diferentes avaliações sobre a velocidade. Alguns dirão que foi muito rápida. Outros, que foi lenta. Na verdade, nós não interrompemos. Mas abrimos a uma base metódica. Não fazemos as coisas porque somos entusiasmados como pessoas fanáticas ou românticas. Nós sabemos o que estamos fazendo. Começamos a reforma da economia em 2000, mas apenas sentimos a abertura em 2007, 2008. Demoraram sete, oito anos porque foi necessária uma reforma legislativa e o diálogo. Não pode haver reforma sem diálogo. E como começamos o diálogo? Abrimos a mídia primeiro. Depois a internet. Quando assumi (em 2000), havia 30 mil usuários na Síria. Hoje, são 3 milhões e somos o país árabe que registra mais crescimento na área. Temos imprensa privada. Ha diferentes jornais, revistas, canais de TV. Portanto, estamos nos movendo. Se você me perguntar se é rápido, eu diria que não é rápido, mas é difícil medir a velocidade. Diria que vamos o mais rápido possível com a menor quantidade de efeitos colaterais.
Com a Síria fora da Copa do Mundo, para quem o sr torce? Argentina por causa da grande comunidade de imigrantes sírios?
Assad - Sempre torci para o Brasil. Vocês venceram cinco Copas. E eu gostava muito do Sócrates e do Zico.
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O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de "O Estado de S. Paulo" em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009, empatado com o blogueiro Ariel Palacios