O Regime infanticia versus a Oposição Canibal (e vice-versa)
Um Estado para alauítas e cristãos na Síria Mediterrânea?
O premiê da Turquia, Recep Tayyp Erdogan, errou dois anos atrás quando apostou que os dias de Bashar al Assad no poder estavam contados. Agora, ele paga o preço por este erro de avaliação.
Até a eclosão dos levantes na Síria no início de 2011, Erdogan era um dos maiores aliados de Assad na comunidade internacional. Em Damasco, cartazes com a foto do premiê turco estavam espalhados por toda a cidade. Os investimentos da Turquia na economia da Síria eram gigantescos e a elite de Istambul e Ancara frequentava Aleppo e Damasco.
Mas, em meio à febre inicial da Primavera Árabe, Erdogan abandonou o seu aliado e apostou todas as fichas nos opositores. Imaginou que estes conseguiriam derrubar o regime e pretendia manter a influência sobre a Síria depois da partida de Bashar. Fazia ameaças ao líder sírio e deu como certa muitas vezes a sua queda.
O problema é que Assad não caiu. Sem dúvida, está mais enfraquecido do que três anos atrás. No entanto, conforme escrevi ontem, ainda domina a maior parte do território sírio, incluindo Damasco, Hama e toda a costa Mediterrânea. Homs também permanece com as suas forças, apesar dos confrontos. O mesmo se aplica a Daara, mais perto da fronteira com a Jordânia. Aleppo se transformou em uma cidade dividida. A estrada que liga esta gigantesca metrópole à capital também voltou para as mãos do governo.
E, mais grave, o conflito sírio começa a afetar a Turquia. A população turca está insatisfeita com Erdogan por ter adotado um dos lados na guerra. As dezenas de milhares de refugiados começam a gerar problemas na fronteira. Para complicar, o número deles tende apenas a crescer. Sem uma perspectiva de fim para o conflito, eles podem permanecer por anos no território turco. O país foi até alvo de atentado terrorista.
Em vez de dias, Erdogan sabe que Assad pode durar anos no poder. E, mesmo que venha a cair no futuro (algo improvável hoje), sua queda será apenas uma nova etapa na guerra civil sem data para terminar.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires
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