Israel e Hamas: o que muda no jogo de forças entre os países com a guerra; leia análise

Passados seis dias do maior atentado terrorista da história de Israel, a escala da violência se torna cada dia mais clara e mais sombria

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Por Luiz Raatz
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Passados seis dias do maior atentado terrorista da história de Israel, a escala da violência se torna cada dia mais clara e mais sombria. Mais de 1,2 mil pessoas morreram nos ataques de sábado do Hamas, um número jamais visto nos confrontos entre Israel e os radicais palestinos.

A magnitude, a audácia e a eficácia do atentado terrorista devem alterar ainda o cenário geopolítico no Oriente Médio a longo prazo. Mas as primeiras movimentações na região já indicam quem sai fortalecido e enfraquecido após o atentado.

Hamas

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Fundado em 1987 e no comando da Faixa de Gaza desde 2007, o grupo terrorista palestino luta há anos contra Israel, mas nunca tinha desferido um golpe nessas proporções contra o Estado judeu. Comparados à Guerra do Yom Kippur e ao 11/9 pelo ineditismo e virulência dos atentados, os ataques do dia 7 conseguiram algo raro, mas que constitui o objetivo de todo terrorista: a sensação de segurança do israelense comum foi destroçada.

Até os ataques do fim de semana, os israelenses, sobretudo no sul do país, contavam com a proteção do Domo de Ferro, o potente escudo antimísseis desenvolvido com auxílio americano que eliminava quase a totalidade dos mísseis disparados de Gaza. Isso limitava as baixas civis israelenses em confrontos com o Hamas a números baixos, na casa das dezenas.

Um tanque israelense passa pela fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza, na cidade de Sderot, no sul de Israel  Foto: Yuri Cortez/AFP

A combinação do uso de drones, paragliders, navios e escavadeiras para derrubar a muralha erguida por Israel para isolar Gaza e o lançamento de mísseis provavelmente mais modernos fornecidos pelo Irã abriu caminho para uma escala impensável de terror e morte na população civil.

Isso tudo fortalece o Hamas aos olhos dos palestinos, em particular, e do mundo árabe em geral, e amplia exponencialmente o medo da população civil israelense de novos ataques similares.

“O que o Hamas está fazendo é dizer aos israelenses: podemos minar o mito da sua invencibilidade”, disse Tareq Baconi, autor de um livro sobre o Hamas ao NYT. “Isso por si só é uma enorme transformação na imaginação palestina, e não creio que possamos ver ou compreender as implicações disso ainda.”

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Irã

Apesar das negativas sobre o envolvimento no planejamento do atentado do dia 7, os ganhos do Irã com o ataque são bem claros no xadrez político do Oriente Médio.

Desde a revolução xiita, os aiatolás patrocinam grupos palestinos que lutam contra Israel, principalmente o Hamas e o Hezbollah. Nos últimos anos, as monarquias sunitas do Golfo, lideradas pela Arábia Saudita, começaram um processo de aproximação com os israelenses, interessadas em diversificar uma economia muito dependente do petróleo. Isso deu origem aos Acordos de Abraão, entre Israel, Emirados Árabes e Bahrein, e posteriormente à negociação entre Netanyahu e a Arábia Saudita para normalização das relações bilaterais.

Rival histórico dos sauditas, os iranianos veem com maus olhos essa aproximação com Israel. Sobretudo porque especula-se que no pacote negociado pelos americanos está a cessão de tecnologia nuclear civil a Mohamed Bin Salman. Na quarta-feira, o príncipe saudita conversou sobre a crise com o presidente do Irã Ebrahim Raisi.

O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, discursa durante uma parada militar em Teerã, Irã  Foto: AFP/ AFP

O ataque do Hamas constrange sauditas e outros países do Golfo a estarem em bons termos com Israel. Mesmo em ditaduras e monarquias absolutas, nunca é bom quando a política de Estado está muito distante do sentimento das ruas.

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Martin Indyk, diplomata e negociador do governo Clinton nos anos 90, e um dos diplomatas que mais conhecem o Oriente Médio, disse à Foreign Affairs nesta semana que como parte da negociação com os sauditas, a Casa Branca queria fortalecer a Autoridade Palestina, liderada pelo Fatah, com concessões na Cisjordânia.

“Esta foi uma oportunidade para o Hamas e os seus apoiadores iranianos perturbarem todo o processo, que penso que, em retrospectiva, foi profundamente ameaçador para ambos”, disse Indyk, " Não creio que o Hamas siga as ordens do Irã, mas penso que atuam em coordenação e tinham um interesse comum em perturbar o progresso que estava em curso e que estava a ganhar muito apoio entre as populações árabes. A ideia era envergonhar os líderes árabes que fizeram a paz com Israel, ou que poderiam fazê-lo, e provar que o Hamas e o Irã são aqueles que são capazes de infligir uma derrota militar a Israel.”

Estados Unidos

Do lado dos enfraquecidos pelo ataque, estão os Estados Unidos. Desde a gestão Obama, Washington procura tirar seu foco estratégico do Oriente Médio e concentrá-lo no Pacífico. Faz sentido. O mundo busca uma transição energética onde o petróleo perderá importância e a ascensão da China como superpotência obriga Washington a tentar contê-la e manter o status quo pós-Guerra Fria.

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Nesta transição, no entanto, alguns problemas foram deixados de lado, e talvez o mais significativo deles seja o conflito entre israelenses e palestinos. Também um produto da Guerra Fria, quando o apoio americano a Israel era contestado pelo apoio soviético ao pan-arabismo de Nasser e Assad, a questão palestina dava indícios de ser solucionada com os acordos de Oslo, 30 anos atrás. Sucessivamente, no entanto, presidentes americanos almejaram e fracassaram concluir a criação de um Estado Palestino.

O então primeiro-ministro de Israel Itzhak Rabin cumprimenta o líder palestino Yasser Arafat na presença do então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton após a assinatura dos Acordos de Oslo  Foto: Ron Edmonds / AP

Como escreveu Stephen Walt, na Foreign Policy, depois dos sucessivos fracassos de Clinton, Bush, Obama e Trump na questão, toda vez que um porta-voz do Departamento de Estado fala em ‘solução de dois Estados’, a sala de imprensa da chancelaria deveria reagir às gargalhadas.

“Esta última tragédia confirma a falência da política americana para a região”, sentenciou Waltz.

Binyamin Netanyahu

Em Israel, quando a operação militar acabar, o premiê Binyamin Netanyahu terá de responder pelas falhas de segurança que possibilitaram o ataque, o que, a exemplo do que ocorreu depois da Guerra do Yom Kippur, com Golda Meir pode levar à queda de seu governo.

Netanyahu se gaba de ser um líder cauteloso no que diz respeito a operações militares, mas, no momento, nenhuma das opções sobre sua mesa é fácil. Manter a resposta padrão de Israel - um bombardeio seguido de uma pequena incursão terrestre em Gaza - pode ser interpretada como fraqueza diante da escala da violência do Hamas no fim de semana.

Uma invasão completa de Gaza traz problemas. Todos os comandantes militares israelenses sabem dos riscos envolvidos: um terreno urbano, densamente povoado e repleto de civis dispostos a colaborar com o inimigo. Para piorar, há 150 reféns nas mãos do grupo terrorista.

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