PUBLICIDADE

Karl Rove, o ''''menino gênio'''', já vai tarde

Por Eugene Robinson
Atualização:

Tchauzinho, Karl Rove. Ao sair da Casa Branca, não deixe a porta lhe bater onde o cachorro deveria ter mordido. Não posso dizer que sentirei falta do velho estrategista político de George W. Bush - o homem que o presidente americano costumava chamar de "menino gênio" -, pois seria mentira. E, de qualquer modo, para citar um grande título de canção country - How Can I Miss You When You Won?t Go Away? (Como posso sentir sua falta se você não vai embora?) -, não acredito nem por um minuto que Rove realmente pretenda abandonar a vida pública. Minha previsão é que ele escreverá artigos, dará entrevistas a canais noticiosos amigáveis e telefonará a candidatos presidenciais republicanos para alertar que eles não devem abandonar Bush, por mais baixa que esteja sua popularidade. A nova função de Rove será passar batom no hediondo legado de Bush - e, no processo, retocar seu próprio legado. A reputação de Rove como o grande pensador político de sua era levou uma grande surra em novembro, quando, apesar de suas previsões confiantes de uma vitória republicana, os democratas tomaram o controle da Câmara e do Senado. Mas é preciso reconhecer as qualidades do homem. Karl Rove conseguiu eleger George Walker Bush presidente dos EUA - não uma, mas duas vezes. Certo, vocês têm razão, na primeira vez ele precisou de muita ajuda da então secretária de Estado da Flórida Katherine Harris (falando em batom) e da Suprema Corte, que selaram a vitória de Bush na recontagem de votos. Mesmo assim, a honestidade pede o reconhecimento de que Rove era muito bom no que fazia. O problema, obviamente, é outro: as coisas que Rove fez, e como ele fez, foram terríveis para a nação. Rove anunciou a renúncia ao cargo de vice-chefe de gabinete da Casa Branca numa entrevista concedida na semana passada ao Wall Street Journal, afirmando que, embora soubesse que algumas pessoas o acusariam de apenas tentar driblar os investigadores do Congresso, "não decidirei ficar ou sair para agradar à ralé". Eis o homem, exatamente nessa frase: tolos ignorantes que não confiam cegamente em sua honestidade ou não reconhecem totalmente sua genialidade não são nada mais do que "a ralé". Rove não inventou a política "divisória", mas era um adepto dessa arte sórdida. Quando Bush fazia campanha em 2000, ele se proclamou "um unificador, não um divisor". Mas a teoria Bush-Rove sobre fazer política e governar foi dividir, dividir, dividir - ou você está "conosco" ou está "contra nós"; ou está certo ou está errado; ou você é acolhido ou é atacado sem dó. Sim, fazer política é vencer. Ninguém ganha pontos por fracassar com classe. Mas a política de "nós-ou-eles" que Rove aperfeiçoou e Bush pôs em prática foi um desastre para a nação e sua posição no mundo. Ao anunciar sua saída, em declarações no gramado da Casa Branca, Rove elogiou Bush por ter posto a nação "em pé de guerra" depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. Mas é justamente isso que Bush não fez. Em vez de tentar criar um espírito de solidariedade nacional e sacrifício comum, ele insistiu em cortes de impostos destinados a agradar a seus simpatizantes mais ricos. Em vez de envolver os críticos da guerra num diálogo autêntico, Bush os acusou de defender a opção de "bater em retirada". Em vez de pôr em prática o bipartidarismo que pregou dissimuladamente, Bush governou com uma agenda política hiperpartidária. Não surpreende que os democratas no Congresso, depois de seis anos de virtual bloqueio, estejam emitindo intimações para depoimento a torto e a direito - nem que a Casa Branca resista a elas com tanta firmeza. Uma das perguntas que o Congresso gostaria de fazer a Rove é se o partidarismo extremado do governo alcançou também o Departamento de Justiça - ou seja, se procuradores federais foram demitidos por razões políticas e se Rove esteve envolvido nessas decisões. O Congresso também gostaria de saber por que Rove e outros assessores políticos da Casa Branca tratavam de seus assuntos não pelo sistema de e-mail da Casa Branca - o que teria exposto suas comunicações a um exame minucioso -, e sim usando contas de e-mail do Comitê Nacional Republicano, que parece ter perdido as mensagens em questão. Rove disse que renunciou para passar mais tempo com a família - a explicação-padrão para o abandono de qualquer cargo em Washington. Bush disse que Rove continuará sendo "um querido amigo", e não duvido nem por um minuto que ele permanecerá como um dos mais íntimos e confiáveis conselheiros do presidente. Não creio que o governo Bush vá mudar de rumo a esta altura. "Em breve estarei na estrada, atrás de você", disse Bush a Rove, diante dos repórteres na Casa Branca. Já vai tarde.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.