Lerdo, envelhecido e endividado: o coração industrial da China pode ser reanimado?

Encarando uma diminuição de ritmo da economia, Pequim quer tornar o nordeste industrial chinês mais produtivo apelando para políticas, segundo economistas, antiquadas

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Por Keith Bradsher

THE NEW YORK TIMES — Centenas de trabalhadores de uma fábrica em Shenyang, no nordeste da China, soldam máquinas automatizadas, de 87 metros de extensão, que são usadas para escavar túneis de metrô. Em outra fábrica da cidade, trabalhadores montam robôs que fabricantes de painéis solares usarão para otimizar sua produção.

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Shenyang é capital da Província de Liaoning, uma das três maiores Províncias no nordeste da China que constituem o berço da indústria pesada chinesa. Agora, o governo central, enfrentando uma economia nacional que diminuiu de ritmo em razão de uma crise no setor imobiliário que não tem solução simples, volta a atenção para cidades como Shenyang. Pequim espera incrementar produtividade e eficiência das fábricas da região.

Mas essas fábricas contam apenas uma parte da história da economia do nordeste chinês, sublinhando os desafios diante dos formuladores políticas em Pequim, que estão apelando para o que muitos economistas acreditam ser uma cartilha ultrapassada, com foco em investimentos na indústria em vez de mais benefícios sociais para os consumidores.

Indústria pesada em Shenyang, China, 11 de setembro de 2023.  Foto: Li You/The New York Times

A taxa de natalidade da região está despencando: um quarto da população tem mais de 65 anos, e essa fatia cresce cerca de 2 pontos porcentuais anualmente, enquanto a fatia de adultos economicamente ativos declina aproximadamente na mesma proporção. Menos gente está comprando residências novas, os preços dos apartamentos estão caindo, e os guindastes das construções estão menos ativos.

O nordeste da China é como Michigan e Ohio da manufatura chinesa, mas com uma população consideravelmente mais idosa que a da Flórida. De muitas maneiras, a região é uma combinação dos problemas internos mais profundos diante da economia do país.

A região é pesadamente endividada. A renda pública diminui em razão do colapso no setor imobiliário. As pensões são responsabilidade dos três governos provinciais da região — Liaoning, Jilin e Heilongjiang — e seu custo é cada vez mais alto.

Numa noite recente, Zhang Shaocheng, de 70 anos, funcionário aposentado de uma fábrica de tintas estatal, aguardava com outros idosos para assistir um filme ao ar livre gratuitamente no pátio de uma fábrica de maquinário desativada em Shenyang. Zhang aprecia o fato de as fábricas de hoje emitirem menos poluição do que as do passado, em que trabalhou, mas ele e outros idosos contam com o governo para cuidar deles. “O ar está bom agora, e eu tenho uma pensão”, afirmou Zhang.

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Conforme a economia da China diminuiu de ritmo este ano, o nordeste do país tem se aproximado perigosamente da recessão. Garantir que a economia do coração industrial da China possa continuar crescendo e sustentando um gasto crescente com pensões e produzindo cada vez mais itens de exportação tornou-se prioridade em Pequim.

No início de setembro, quando chefes de Estado reuniram-se na cúpula do Grupo dos 20, em Nova Délhi, o líder supremo da China, Xi Jinping, viajou para o nordeste chinês.

A região detém importância estratégica; abrange áreas sensíveis que fazem fronteira com a Coreia do Norte e a Rússia; é lar de grande parte da indústria armamentista da China, construída inicialmente com assessoria soviética, nos anos 50; é a maior produtora chinesa de grãos e petróleo; e bastião do Partido Comunista Chinês desde os anos 40, assim como reduto de um nacionalismo com frequência estridente.

Xi pediu ação rápida. O que emergiu após a viagem e de comunicados a meios de imprensa em Liaoning organizados pelo governo nacional é um plano com foco principalmente em mais investimentos públicos, um tema recorrente nas políticas de Pequim. Um aspecto notável do programa envolve tecnologia digital — passos como modernizar fábricas de carros com robôs.

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Medidas capazes de elevar a confiança do consumidor, porém, como aumentos de benefícios para desempregados e em pensões, ou pagamentos diretos a lares para estimular o consumo, não estão presentes no programa. Passos nesse sentido, até aqui, não foram dados para ajudar a economia nacional.

O maior passo dado até aqui para aumentar a demanda por itens do nordeste chinês é também a medida mais capaz de irritar o Ocidente: vender mais para a Rússia. Os fabricantes chineses de automóveis capturaram metade do mercado russo de veículos, por exemplo, depois que os competidores ocidentais se retiraram da Rússia no ano passado, após a invasão à Ucrânia.

“O nordeste é um importante acesso para o nosso país se abrir para o norte”, declarou Xi durante sua visita a Harbin, a capital de Heilongjiang.

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De muitas maneiras, o nordeste da China é um alvo natural para estímulo econômico com base em investimento público. Em outras partes do país, muitos jovens procurando trabalho evitam empregos em fábricas, buscando trabalhar em escritórios mesmo que por metade dos salários da indústria. Mas o nordeste ainda tem muitas famílias multigeracionais de técnicos.

“No nordeste, a cultura de manufatura é forte”, afirmou Li Kai, economista da Universidade Nordestina, em Shenyang.

As minas de ferro, as siderúrgicas e as fábricas de maquinário da região são pouco afetadas por questões comerciais como as restrições dos Estados Unidos sobre semicondutores super-rápidos. Uma fábrica de Shenyang que produz assentos de carro para a alemã BMW, por exemplo, importa da Itália chips menos avançados para os complexos movimentos do assento.

“Não é um chip de última geração, então não há impacto, afirmou Kou Chuang, diretor de negócios da fábrica, que é propriedade de duas fabricantes chinesas de peças automotivas, Jinbei e Yanfeng.

Trabalhador em fábrica que faz bancos para BMW em Shenyang, China, 11 de setembro de 2023.  Foto: Li You/The New Shenyang,York Times

Shenyang também aderiu a um recente movimento nacional de cidades chinesas no sentido de aliviar regras de hipotecas. Qualquer comprador pode agora se qualificar para obter a mesma taxa de juro com desconto permitida a compradores de primeiras residências, mesmo que tenha imóvel já totalmente quitado.

O nordeste chinês é lar de muitas empresas estatais, e algumas delas buscaram mais eficiência privatizando-se parcialmente.

O grupo Northern Heavy Industries, de Shenyang, expandiu-se rapidamente desde os anos 50 e passou por uma reforma corporativa em 2013. Hoje, o Fangda Group, um conglomerado privado de Liaoning, possui a maioria das ações. O Bingshan Group, gigante na fabricação de equipamentos de refrigeração em Liaoning, tem um terço do capital de propriedade do governo municipal de Dalian, onde fica sua sede, mas vendeu uma pequena participação para a japonesa Panasonic.

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Para estabilizar o gasto em consumo na região, o governo está investindo na construção de shopping centers com temáticas culturais e museus, para estimular moradores e turistas a gastar.

Autoridades de Liaoning incrementaram os recursos destinados a instituições culturais como a Trupe de Balé de Liaoning, que se apresentou 30 vezes em 2022 e mais de 40 este ano.

A companhia apresentou recentemente a composição original “Homem de Ferro”, sobre trabalhadores da indústria nos anos 50, esperando atrair à província espectadores idosos e jovens. “Nós queremos que os nossos jovens saibam o que seus pais fizeram”, afirmou a diretora do balé, Qu Zijiao.

Bailarinas ensaiam em centro cultural no momento em que o setor é uma das apostas no esforço local para aumentar os gastos, Shenyang, China, 12 de setembro de 2023. Foto: Li You/The New York Times

A temporada de turismo no verão retomou depois da suspensão dos controles anticovid, em dezembro. O clima fresco torna o nordeste um destino popular quando outras partes da China fervem sob temperaturas escaldantes.

A contadora Sue Sui, de 50 anos, radicada em Pequim, passeava na praia em Dalian numa tarde de meados de setembro. Ela afirmou que não conseguiu visitar a região durante o verão intenso (Hemisfério Norte) porque todos os hotéis que ela podia pagar estavam lotados. “Há um gasto de vingança no turismo”, afirmou ela.

Mas as fraquezas no gasto em consumo persistem. O nível de compras no varejo por pessoa na Província de Liaoning é hoje apenas um terço do nível em Pequim ou Xangai e metade do nível em Províncias vibrantes do sudeste chinês.

Quase não havia maneira de gastar dinheiro entre os bem preservados edifícios de tijolos do complexo fabril em que Zhang, o aposentado, e outros idosos foram assistir o filme ao ar livre. Uma pequena cafeteria escondia-se numa loja sem vitrine nem letreiro de identificação, numa esquina distante e mal iluminada. Na noite do filme, o local estava quase vazio. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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