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Lula vai se reunir com Giorgia Meloni para tentar ‘normalizar relação’ com governo italiano

O encontro deve marcar um momento de mais pragmatismo e menos ideologia entre os governantes de Brasil e Itália, já que Lula e Meloni divergem politicamente em uma série de questões

Foto do author Felipe Frazão
Por Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A ROMA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitará a passagem por Roma, capita italiana, por dois dias, para conversas com autoridade locais. Na esteira de uma visita que ele fará ao papa Francisco no Vaticano, foco principal da viagem, Lula também vai encontrar Giorgia Meloni, a primeira-ministra do país, em uma tentativa de aproximação com seu governo de direita.

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A reunião bilateral havia sido solicitada pelo governo brasileiro, por via diplomática, mas o governo italiano respondera que não havia compatibilidade de agendas.

O desencontro já havia sido confirmado pelo Itamaraty, na última versão dos compromissos de Lula na Itália. Agora, Meloni encaixou ume encontro bilateral com o presidente Lula. Ela vai retornar de Paris para a reunião entre o petista e a líder italiana no Palácio Chigi, sede do governo italiano.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, desembarca em Roma, ao lado da primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, e é recebido por autoridades italianas Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Meloni participou de compromissos em Paris nesta terça, ao se encontrar com o presidente francês, Emmanuel Macron, e promoveu ao lado de autoridades italianas a candidatura de Roma a sede da Expo 2030. Estava ao lado do prefeito de Roma, Roberto Gualteri, que já havia confirmado uma recepção a Lula.

O encontro deve marcar um momento de mais pragmatismo e menos ideologia entre os governantes de Brasil e Itália. Essa é a recomendação de diplomatas de lado a lado, já que Lula e Meloni divergem politicamente em uma série de questões. Para eles, será o momento de normalização das relações entre os líderes políticos do Brasil e da Itália.

Caso Cesare Battisti

Os italianos ainda repercutem atitudes do petista no passado – um recente, outro nem tanto. O petista carrega consigo a sombra de ter dado asilo político no Brasil, durante seu governo anterior, a Cesare Battisti. Ele havia sido condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos na década de 1970, por grupos de extrema esquerda.

O asilo oferecido por Lula e a negativa de extradição de Battisti, no último dia de seu governo em 2010, continuam a repercutir na sociedade e na classe política italianas. Ele é considerado por membros do governo um criminoso comum, em série, e não um terrorista com ideologia política.

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Battisti seria extraditado somente durante no governo Michel Temer. O ex-presidente derrubou decisão de Lula e liberou o cumprimento da ordem do Supremo Tribunal Federal, após requisição da Justiça italiana. No entanto, Battisti fugiu e foi preso na Bolívia.

Ao ser levado para a Itália, confessou os crimes em 2019. Ele passou quase dez anos no Brasil com o refúgio oferecido pelo petista, que barrou a extradição. Um ano depois, Lula pediu desculpas e se disse “frustrado” e “decepcionado”.

Ao falar sobre o caso, colocou a responsabilidade sobre os ombros do seu então ministro da Justiça Tarso Genro, que teria orientado a decisão e concedeu o status de refugiado. Essa versão que não convence nos círculos oficiais.

Autoridades italianas se queixam, de forma recorrente, de uma declaração atribuída a Lula durante a campanha eleitoral do ano passado, quando teria se referido à Itália como um “país de fascistas” – justamente quando o partido liderado por Meloni, o Irmãos da Itália, foi vitorioso.

Cesare Battisti em 2017, quando ainda estava no Brasil. Condenado à prisão perpétua na Itália, seu caso ainda é lembrado pelos italianos Foto: Gabriela Biló / Estadão

Reaproximação

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O governo brasileiro se mobilizou para reunir Lula e Meloni. A tentativa do governo brasileiro era que Giorgia Meloni e Lula se reunissem no dia 21. Ao Estadão, autoridades do governo italiano também informaram que o desejo de encontro partiu de Lula. Mas admitem que a reunião entre os dois seria “importante para ambos”, ainda que existam interesses diferentes dos governos em fóruns como o G-20.

A primeira-ministra Meloni é um símbolo da direita italiana. Recentemente, recebeu no país o empresário Elon Musk, visto no Brasil como um aliado político do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Meloni, no entanto, criticou a tentativa de golpe de Estado promovida em 8 de janeiro por bolsonaristas. Ela disse que não podia ficar indiferente aos ataques antidemocráticos e classificou os atos como inaceitáveis e incompatíveis com a dissidência democrática.

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A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, em uma coletiva de imprensa no Palácio Chigi, em Roma: símbolo da direita na Europa  Foto: Guglielmo Mangiapane / Reuters

Meloni felicitou prontamente Lula por sua eleição. O Palácio Chigi emitiu um comunicado na época falando em trabalho conjunto. Meloni sofreu, porém, críticas por não enviar um representante de alto nível à posse de Lula.

Dos dois lados, diplomatas defendem mais pragmatismo na relação entre Lula e Meloni, apesar das divergências ideológicas. Segundo uma autoridade responsável por criar pontes, não deveria haver polêmica em um eventual encontro entre eles - o que certamente despertaria críticas - porque “normalizaria os mal-entendidos” e ressaltaria as relações entre governos, que devem se articular no ano que vem por causa das presidências concomitantes do G-7, no caso da Itália, e do G-20, no caso do Brasil.

Agenda

Lula vai ser recebido com honras em almoço no Palácio Quirinale, pelo presidente italiano, Sergio Matarella, chefe de Estado do país. O Palácio do Planalto confirmou encontro com o prefeito de Roma, Roberto Gualteri, logo após a audiência no Vaticano.

Lula vai se hospedar no hotel Meliá, em Roma, numa área mais reservada. O hotel de luxo resiste à presença da imprensa no local. Lá receberá o sociólogo e escritor Domenico de Masi, que assim como o prefeito de Roma o visitou na cadeia em Curitiba (PR), quando preso na Operação Lava-Jato.

A comitiva presidencial enxuta inclui somente o presidente, a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, o chanceler Mauro Vieira e o assessor especial Celso Amorim.

Havia ainda a tentativa de um encontro entre entre os chanceleres Mauro Vieira e Antonio Tajani.

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Recado

Ciente das divergências, o embaixador da Itália em Brasília, Francesco Azzarello, deu um recado há duas semanas, no lançamento da Frente Parlamentar Brasil-Itália. Em discurso para deputados, senadores e diplomatas estrangeiros, o embaixador veterano ressaltou a importância de manter vínculos ativos, qualquer que seja o governo de turno nos dois países.

“Não importa o governo do dia, o parlamento do dia, mas é muito importante que os governos cooperem e que os parlamentos cooperem. Não deve nunca ser uma questão de ideologia ou de personalismos”, discursou o diplomata.

O embaixador afirmou que o Brasil é considerado da “família ocidental” e tem laços sanguíneos com a Itália, em razão da imigração histórica.

“Se o Brasil é neutro, perfeito. É uma questão de prioridade. Todos os governos têm suas prioridades. Mas nunca esqueçamos a parceria entre EU e o Brasil e a necessidade de ter a paz no mundo”, alertou Azzarello. “Temos hoje uma guerra no centro da Europa. A impressão é que muita gente esquece ou subavalia uma situação preocupante, porque tem um lado que está aumentando o nível. É muito perigoso.”

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