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É prêmio Nobel de Literatura. Escreve quinzenalmente.

Opinião|O exemplo do Peru é o que queremos para a América Latina? Leia a coluna de Mario Vargas Llosa

Golpe fracassado de Pedro Castillo mostra que as coisas não vão bem para os países da região

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Atualização:

Imitando Fujimori, o presidente do Peru, Pedro Castillo, quis dar um golpe de Estado, mas esqueceu de avisar aos militares, ou pelo menos aos que realmente importam, que são os que entendem dessas coisas. Apesar disso, o líder peruano se dirigiu às rádios e televisões, anunciou seu “golpe”, dissolveu o Congresso, declarou que o Poder Judiciário seria “reorganizado” e que novas eleições seriam realizadas para reformular a Constituição e formar um novo Congresso.

Entretanto, como seu conhecido “golpe” não prosperava, pediu para ser escoltado até a embaixada do México, onde, seu novo amigo, o presidente do México, López Obrador, havia dado ordens para que ele fosse recebido e tivesse um asilo que prometia ser “esplendoroso”. Os profissionais responsáveis pela segurança do chefe de Estado, depois de receberem as ordens do presidente, não as obedeceram e, ao invés da embaixada, levaram ele para a prefeitura de Lima. De lá, foi levado para a cadeia, onde permanece até hoje. Esta prisão, lembremos, é uma unidade policial que foi preparada especialmente para o ex-presidente Fujimori, com quem Pedro Castillo terá com certeza muito tempo para conversar no futuro.

Presidente do México, López Obrador, tentou levar Castillo para a embaixada do país em Lima, mas plano não deu certo Foto: Pedro Pardo / AFP

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Enquanto isso, a vice-presidente, Dina Boluarte, que assumiu a presidência após a decisão do Congresso, anunciava que se iniciava um período de paz no país. Sem saber que todos os grupos de esquerda e de extrema esquerda, que têm certa capacidade de mobilização no sul do Peru, tinham levado muito à sério a causa do ex-presidente, declarando que a “direita” o havia sequestrado. Esses grupos bloquearam as estradas num piscar de olhos, tomaram aeroportos, atacaram policiais e invadiram as dependências do Poder Judiciário e da Procuradoria-Geral; espalhando o caos pelo pobre país.

Por ora, a situação está tranquila, mas o famoso Congresso Internacional da Língua Espanhola, que se reúne a cada três anos e seria realizado em Arequipa, já não acontecerá mais no Peru: agora será realizado em um lugar mais pacífico, Cádiz, na Espanha, que há algum tempo pedia para sediar o congresso.

O evento, que levaria para Arequipa cerca de 300 pesquisadores de todo o mundo hispânico, assim como os reis da Espanha, foi cancelado, deixando um vazio que sem dúvidas não voltará a ser preenchido, pelo menos num futuro próximo. É uma pena. Esse congresso era esperado com bastante entusiasmo por todas as universidades de Arequipa, onde muitos professores se prepararam para apresentar ensaios e teses sobre “a miscigenação”, tema que seria discutido no evento internacional.

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Dina Boluarte, vice-presidente do Peru, assumiu a cadeira de Castillo e prometeu novas eleições para daqui um ano e meio  Foto: Presidência do Peru/Reuters

Vice-presidente anuncia nova eleição

Qual a situação atual do Peru? A vice-presidente, reconhecida como presidente pelos parlamentares após destituírem o presidente golpista de acordo com o processo constitucional, prometeu deixar o cargo após a próxima eleição, que acontecerá daqui a um ano e três meses. Depois da agitação que sacudiu o país, ele parece estar mais tranquilo e a situação dá a sensação de calmaria, embora ela possa mudar sob qualquer pretexto.

Talvez seja ridículo comemorar o ocorrido, já que a imagem internacional do Peru foi seriamente afetada nessas semanas. Tudo isso era previsível, já que os peruanos, em um equívoco colossal, elegeram um presidente como Pedro Castillo, que, claramente, não tinha o mínimo de preparo para exercer essa liderança.

Por isso pedi a meus compatriotas para votar em Keiko Fujimori, que parecia mais preparada que o pobre cajamarquino eleito, e que foi declarado, quase por unanimidade, o pior presidente da história do Peru (incluindo, é claro, os golpistas). Há cargos que não podem ser exercidos por um professor de ensino secundário como ele, pois é obviamente uma insensatez. Este candidato era alguém que representava um partido marxista, havia sido próximo de um grupo de fachada do Sendero Luminoso, desconhecia as leis e não fazia ideia dos problemas básicos do país dos quais resultaram os imbróglios seguintes.

Há alguma chance de a calmaria atual continuar até as próximas eleições? Não é impossível, contanto que os grupos e grupinhos da extrema esquerda se acalmem, enterrem seus mortos com circunspecção e tenham como principal reivindicação a paz e a coexistência. É pedir demais, sem dúvidas, na alvoroçada América Latina de hoje. Seria preciso reivindicar algo semelhante aos líderes de México, Bolívia, Argentina e Colômbia, que, de modo irresponsável, têm apoiado Pedro Castillo e a extrema esquerda peruana em sua tese delirante de “sequestro” do ex-presidente, esquecendo com certeza dos problemas que têm em casa e que parecem bastante graves.

Tanto que, comparados aos do Peru, estes últimos parecem apenas pecados veniais. Mas sem deixar de lado, sobretudo, o presidente do México, que levou a família de Castillo e lhe concedeu asilo, e parece ter uma aversão aos assuntos peruanos. Pode-se dizer que, como ele não tem condições de resolver os problemas mexicanos, esforça-se para resolver os assuntos peruanos. Mas como não sabe como fazer isso, apenas atrapalha cada vez mais com suas declarações absurdas.

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Este e os três países que o apoiam, fariam bem se seguissem o exemplo do líder chileno Boric, que, de modo admirável, absteve-se de se intrometer no vespeiro peruano, mantendo uma neutralidade que o enaltece, assim como o Peru sustentou uma neutralidade respeitosa quando as manifestações e os escândalos afetaram o que parecia ser uma fórmula de sucesso para a sociedade chilena. Pelo menos neste caso, cada país dá seu jeito e resolve os problemas como pode e deve.

Presidente do Chile, Gabriel Boric, preferiu não se envolver na crise instalada no Peru Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Países da região precisam escolher fórmulas de governo mais sensatas

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Talvez valha a pena terminar com uma breve reflexão sobre a América Latina no geral. As coisas não vão bem nos países que Cristóvão Colombo pôs em contato com o restante do mundo. Em vez de escolher fórmulas mais sensatas – promover os investimentos, enfrentar as grandes carências nacionais por meio das relações com a comunidade internacional –, a América Latina parece se esforçar para seguir o exemplo de Cuba e Venezuela, países que, basta verificar o que acontece com suas populações, e a evasão de seus habitantes ao exterior – para os Estados Unidos, é claro, ou, em todo caso, para qualquer país latino-americano – em busca de trabalho e de um futuro que não seja continuar sendo empobrecidos e arruinados, para perceber que oferecem as piores perspectivas.

Chega de imitar os maus exemplos, que só levam a agravar a situação principalmente dos pobres, mas também daquelas classes médias, que parece que queremos arruinar, mergulhando-as cada vez mais na miséria ou no desemprego... A Venezuela “expulsou” 6 milhões de habitantes (1 milhão foi para o Peru), a julgar pela forma como os pobres venezuelanos têm invadido os países da América Latina, em busca de paz e trabalho. Não é assim que um país avança e se ergue. Hoje qualquer país pode escolher o progresso e a modernidade. Mas, para isso, deve abrir mão de políticas absurdas que já foram rejeitadas pela história do século 20. Enquanto nos apegamos a um passado anacrônico, podemos deixar escapar oportunidades. E o resultado é um conjunto de países cada vez mais pobres e atrasados, dos quais os cidadãos só querem fugir. É isso o que queremos para a América Latina? l TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Opinião por Mario Vargas Llosa

É prêmio Nobel de Literatura

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