Com morte de Elizabeth II, mundo perde símbolo de equilíbrio e unidade em tempos de polarização

Em tempos de polarização extrema, apaga-se um símbolo de unidade e resiliência

PUBLICIDADE

Foto do author Renata Tranches
Por Renata Tranches
Atualização:

Como os grandes eventos que encerram uma era, o mundo se despede de Elizabeth II. Em tempos de polarização extrema, apaga-se um símbolo de unidade e resiliência. O trono vazio é um choque para 87% dos britânicos que nunca conheceram outro chefe de Estado. Agora, o país assiste ansioso à transição na família mais famosa do Reino Unido.

Seus 96 anos de vida estão entre os grandes capítulos da história contemporânea – 70 deles foram dedicados à função pública de uma das mais importantes democracias do mundo, um feito sem precedente na monarquia britânica.

A rainha Elizabeth enquanto espera para receber Liz Truss, a nova primeira-ministra do Reino Unido, em 6 de setembro de 2022 Foto: Jane Barlow/Pool via Reuters

PUBLICIDADE

Nos últimos anos, preocupada com a sobrevivência da linhagem de Windsor, Elizabeth passou a entregar parte de suas atribuições aos herdeiros, especialmente ao filho mais velho, Charles, Príncipe de Gales e futuro rei, e ao neto William, o segundo na linha sucessória.

Servindo como rainha desde os 25 anos – ela foi coroada aos 27 –, Elizabeth foi chefe de Estado de 15 primeiros-ministros britânicos, começando por Winston Churchill, em uma Europa renascida da 2.ª Guerra. Seis anos antes, aos 21, ela fez o compromisso de dedicar sua vida ao serviço público.

Quis o destino que sua vida fosse longa, e memes na internet brincavam com sua “imortalidade”. Mas, por todo esse tempo, segundo a revista Economist, mais do que uma boa saúde, sua longevidade simbolizou a constância do Estado britânico, mesmo quando outras instituições cambaleavam.

Viagens

Ao projetar o simbolismo da coroa, ela fortaleceu os laços com aliados e suavizou relacionamentos tensos em lugares como Índia, Rússia, África do Sul e Irlanda. Gastando muita sola de seus sapatos Anello & Davide, foram mais de 90 viagens oficiais, principalmente por países da Comunidade Britânica (Commonwealth). Só presidentes americanos ela conheceu 13.

Sempre buscando um jeito de não se descolar totalmente de seus súditos, Elizabeth transformou uma monarquia imperial em uma família de nações. Em uma dessas viagens, em 1970, ao visitar Austrália e Nova Zelândia, ela quebrou séculos de tradição quando, em vez de acenar de longe, decidiu caminhar pelas ruas de Sydney, sorrindo e conversando com o populacho espantado – desde então, o “walkabout” da rainha tornou-se prática regular da família real.

Publicidade

A rainha Elizabeth recebe flores de crianças em idade escolar agitando bandeiras da Austrália em Sydney nesta foto de arquivo de 13 de março de 2006 Foto: Reuters

Visitando incansavelmente os 53 países da Commonwealth, a maioria ex-colônias britânicas, ela manteve a unidade do reino. Segundo disse ao Estadão o diretor de do Queens’ College, Andrew Thompson, na ocasião do aniversário de 90 anos da rainha, a diplomacia de Elizabeth catapultou sua popularidade e levou a família real junto.

Nas relações internacionais, Elizabeth coleciona outros feitos. Foi a primeira monarca britânica a visitar a China, em 1986, uma viagem importante no esforço do Reino Unido, que se preparava para devolver Hong Kong ao controle chinês.

Durante seu longo reinado, poucos líderes receberam a deferência que a rainha reservou a Nelson Mandela. O então presidente sul-africano chegou ao Reino Unido em 1996 para uma visita de Estado na qual, em discurso no Parlamento, denunciou o racismo como uma “praga na consciência humana”. Na viagem, Mandela e Elizabeth desenvolveram um carinho mútuo. Ela o hospedou no Palácio de Buckingham e o levou para passear de carruagem no centro de Londres, além de oferecer-lhe uma festa no Royal Albert Hall.

Nelson Mandela e a rainha Elizabeth II andam de carruagem do lado de fora do Palácio de Buckingham, em Londres, nesta foto de arquivo de 9 de julho de 1996 Foto: Reuters

PUBLICIDADE

Décadas após receber Mandela, ícone da luta contra o racismo, o tema voltaria a atormentar a rainha, turbinado pelos tabloides do reino. Seu neto, o príncipe Harry, e a mulher, a americana Meghan Markle, se afastaram da família real após várias queixas, entre elas, uma denúncia de racismo feita durante entrevista ao programa da apresentadora Oprah Winfrey.

Para alguns pessoas, a entrevista foi uma condenação da família real no momento em que a questão da desigualdade racial atraía atenção global, após as execuções de negros por policiais brancos nos EUA. Para outros, foi um ataque à instituição, com a rainha Elizabeth II no crepúsculo de seu reinado e seu marido, o príncipe Philip, internado em um hospital.

O príncipe britânico Harry e Meghan Markle são entrevistados por Oprah Winfrey Foto: Harpo Productions/Joe Pugliese via Reuters

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Despedida

Uma pandemia global restringiu os últimos anos da monarca de quase um século de idade. Uma das últimas imagens marcantes da rainha será a do funeral de seu marido, o príncipe Philip. Elizabeth surgiu sentada sozinha em um banco, usando uma máscara preta, seguindo as restrições nacionais impostas pela pandemia de covid-19. “Minha força e minha constância”, disse ela sobre o homem que ficou a seu lado por 73 anos.

Elizabeth serviu ao trono quase o mesmo tempo em que a média das pessoas do mundo vivem – considerando a expectativa de vida global de 72 anos. Durante seu reinado, o Reino Unido entrou e saiu da União Europeia. Apesar de sua imagem sacolejando dentro de um Range Rover em sua residência de verão em Balmoral, na Escócia, a soberana representou a estabilidade em uma era fugaz, de mudanças sociais, geopolíticas e tecnológicas aceleradas.

A rainha Elizabeth II olha para o caixão de seu marido, o príncipe Philip, que morreu aos 99 anos, durante seu funeral na Capela de São Jorge, em Windsor, Reino Unido, em 17 de abril de 2021 Foto: Jonathan Brady/Pool via Reuters