Novo governo de Netanyahu preocupa Forças Armadas de Israel por aliança com direita radical

Envolvimento de soldados israelenses na política do país ameaça ordem das Forças Armadas, vista historicamente como força moderadora

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Por Patrick Kingsley
Atualização:

JERUSALÉM – Quando um soldado israelense expressou aprovação no mês passado a um político de extrema direita que deve se tornar ministro em um possível governo de Binyamin Netanyahu, um furor nacional foi desencadeado.

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O político, Itamar Ben-Gvir, foi considerado extremista demais para servir no exército. Até 2020, ele tinha em casa um retrato de um atirador judeu que, em 1994, matou 29 palestinos a tiros dentro de uma mesquita.

Após o soldado expressas o apoio a Ben-Gvir, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, o tenente-general Aviv Kochavi, rapidamente divulgou uma carta pública alertando os soldados a não se envolver com a política, enquanto o soldado foi enviado para a prisão militar.

Benjamin Netanyahu durante evento de campanha em Ofakim, em Israel, no dia 19 de outubro. Governo de coalizão do israelense pode erodir ordem nas forças armadas Foto: Amit Elkayam / NYT

“Os soldados estão proibidos de expressar opiniões políticas”, escreveu o general Kochavi. “Eles estão proibidos de se comportar e agir por inclinação política”, acrescentou.

O episódio foi apenas um dos vários incidentes recentes que ameaçaram a harmonia das Forças de Defesa de Israel, que historicamente é vista pelos israelenses judeus como um símbolo de estabilidade e unidade. A maioria deles serve por três anos de recrutamento, apoiando o país contra um leque de ameaças à segurança de todo o Oriente Médio.

Para os palestinos, os militares representam os ataques aéreos de Israel em Gaza, os ataques a cidades da Cisjordânia e o sistema legal de dois níveis no território – comparado por alguns críticos ao apartheid, em uma alegação negada por Israel.

Independente da visão acerca das forças armadas, os principais membros do establishment de segurança israelense temem agora que a imagem e o papel da instituição estejam ameaçados. Uma proporção significativa de soldados votou na extrema direita nas eleições gerais do mês passado – o que reflete uma mudança mais ampla no país, mas aumenta a probabilidade de discordância entre soldados e comandantes.

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Dos eleitores que votaram fora de suas zonas eleitorais na eleição geral no mês passado, a maioria dos quais provavelmente eram soldados em serviço, mais de 15% votaram na extrema direita, de acordo com uma análise de Ofer Kenig, do Instituto de Democracia de Israel, um grupo de pesquisa com sede em Jerusalém. A taxa foi cerca de 50% maior do que entre a população geral.

Em uma carta pública a Netanyahu na semana passada, um grupo de mais de 400 ex-oficiais veteranos, Comandantes para a Segurança de Israel, alertou que os eventos recentes poderiam “terminar em divisões internas e conflitos entre oficiais e tropas, insubordinação, anarquia e, finalmente, a desintegração das Forças Armadas de Israel como uma força de combate eficaz”.

Netanyahu não respondeu diretamente à carta dos ex-generais e seu porta-voz recusou fazer comentários à reportagem. Em outras entrevistas, no entanto, ele afirmou que Israel permanecerá seguro sob a sua liderança.

Divergências internas na coalizão de Netanyahu

O grupo político de coalizão de Netanyahu venceu a eleição em 1º de novembro, mas ainda não assumiu o poder por causa de divergências internas e por obstáculos legais à nomeação de duas pessoas destinada a cargos ministeriais. Na terça-feira, a aliança de Netanyahu votou em um novo presidente do Parlamento, uma medida que permitirá que o bloco aprove uma nova legislação para permitir as nomeações.

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Embora ele ainda não esteja de volta ao poder, os acordos preliminares de coalizão de Netanyahu, que correm o risco de diluir o comando militar, e as consequências do incidente envolvendo o soldado na Cisjordânia, atraíram preocupações sobre a capacidade dos militares de superar a crise política.

Historicamente, os líderes militares de Israel foram retratados como uma força moderadora, temperando as ideias mais radicais dos líderes civis – ao mesmo tempo em que cultivavam uma imagem de permanecer fora da disputa política. Essa imagem sempre foi testada, principalmente quando gerações de generais entraram na política logo após deixarem o serviço militar.

Entretanto, os eventos recentes refletiram um mudança sociocultural mais ampla entre o establishment centrista de Israel, que busca amplamente manter o status quo no país e na Cisjordânia, e os aliados de extrema direita de Netanyahu, que buscam reformas judiciais abrangentes, uma postura ainda mais dura contra os palestinos na Cisjordânia e um senso ainda mais forte de identidade judaica dentro de Israel.

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A manifestação do soldado em favor de Ben-Gvir aconteceu em um pequeno protesto em Hebron, uma cidade da Cisjordânia onde há violência frequente entre colonos e palestinos. “Ben-Gvir vai consertar as coisas aqui”, dizia enquanto reprimia ativistas anti-ocupação.

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O incidente alarmou o centro e a esquerda de Israel, mas políticos da direita afirmaram que a manifestação não foi errada. Depois que o soldado foi punido, eles voltaram a dar declarações para afirmar que o episódio havia provado que Ben-Gvir está certo ao sugerir que os soldados precisam de mais apoio.

Pressionado a intervir, Netanyahu adotou um tom cauteloso. Ele evitou criticar Ben-Gvir e, em vez disso, pediu a “todos, da direita a esquerda” que deixem os militares fora do debate político. A resposta deixou alguns membros de segurança de Israel preocupados de que os soldados possam se sentir incentivados a participar da política no futuro.

Soldados israelenses usam escudos durante confrontos com palestinos na Cisjordânia, em imagem de 9 de dezembro Foto: Zain Jaafar / AFP

“O fato de que há soldados que não se comportam de acordo com a tradição das Forças Armadas de Israel e da cadeia de comando militar não é novo”, disse Amos Yadlin, ex-chefe da inteligência militar. “A preocupação é se a magnitude do fenômeno será maior”, acrescentou.

Os temores foram agravados após o acordo que Netanyahu fez com Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, líder de outro grupo de extrema direita e que está na aliança eleita. Smotrich deve ter o controle total de um departamento do Ministério da Defesa, composto por soldados em serviço que supervisionam a burocracia.

Um outro acordo com Ben-Gvir deve dar a ele o controle sobre uma unidade especial da política paramilitar que, até agora, trabalhou sob o Exército israelense na Cisjordânia.

Alguns ex-generais minimizaram as consequências das decisões; outros defenderam que Smotrich e Ben-Gvir poderiam fornecer uma nova abordagem à estratégia de segurança israelense. “Tanto Smotrich quanto Ben-Gvir podem desafiar os padrões existentes dentro da defesa e provocar uma nova cultura, apesar de não terem servido em combate”, disse Amir Avivi, general de brigada da reserva e chefe do Fórum de Defesa e Segurança de Israel, um grupo de ex-oficiais.

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Entretanto, muitos ex-generais discordam fortemente. Em entrevistas ao The New York Times, vários afirmaram que os movimentos poderiam minar a cadeia de comando do exército na Cisjordânia. Isso causaria uma estrutura com três autoridades separadas, em vez de apenas uma.

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