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Modern Love: Não me chame pelo meu nome verdadeiro

Como profissional do sexo, tive que estabelecer limites com os clientes que às vezes não conseguia cumprir sozinha

Por Chris Belcher
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Os clientes adoram perguntar aos profissionais do sexo: “Qual é o seu nome verdadeiro?” É uma jogada de poder. “Eu sei que você contém multidões” é o que eles querem dizer, “e eu tenho o direito de ver”. Afinal, eles pagaram.

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Os clientes que me faziam essa pergunta geralmente eram do tipo que se enganavam acreditando que tínhamos um relacionamento pessoal - romântico ou sexual pelo qual eles não teriam que pagar se tivéssemos nos conhecido em circunstâncias diferentes.

Quando os clientes me perguntavam, eu gostava de devolver a pergunta.

“John é meu nome verdadeiro!” ele poderia dizer, rindo da ideia de que ele, ao contrário de mim, teria algo a esconder.

“John é meu nome verdadeiro também”, eu poderia dizer com uma piscadela.

Por quase uma década, fui a Amante Natalie, uma dominatrix profissional. Um senso de humor provocante era um ativo no trabalho.

Eu nem sempre fui tímida nessa situação. Ocasionalmente, um cliente perguntava meu nome verdadeiro e eu respondia honestamente, dizendo que meus amigos me chamavam de Chris. Era uma jogada impotente. “Eu contenho multidões” é o que eu queria dizer, “e não quero que você pense que isso é tudo que eu sou”.

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Eu dizia a mim mesma que esses clientes eram diferentes - jovens, como eu, ou estudantes de pós-graduação, como eu, ou mulheres queer, como eu. Eu precisava acreditar que eles podiam me ver por baixo dos espartilhos, cílios postiços e botas de cano alto.

Esse sempre foi um péssimo motivo para dizer a um cliente meu nome verdadeiro. Raramente havia uma boa razão. Um nome falso é um limite, e alguns clientes não têm problemas em ultrapassar os limites de uma profissional do sexo.

'O medo é uma arma empunhada por aqueles que querem manter os outros em silêncio, e o estigma contra o trabalho sexual facilita que nos assustem ou façam chantagem.' Foto: Brian Rea/The New York Times

Ainda recebo e-mails de uma cliente que começou a me perseguir obsessivamente depois que descobriu meu primeiro nome.

“Querida Chris: um dia vou construir uma casa e espero que você more nela comigo.”

“Querida Chris: você é o amor da minha vida.”

“Querida Amante Natalie: Quando te encontrei pela primeira vez, estava nervosa e você fez com que eu ficasse confortável. Como tive tempo para refletir, percebo que ultrapassei meus limites com você”.

Eu tento ignorar essas mensagens, mas é difícil. Tenho medo dela. Minha namorada também tinha medo dela. A cliente enviou presentes da minha lista de desejos da Amazon, que se acumularam na nossa porta enquanto eu estava fora.

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“Não se preocupe, querida,” eu disse para minha namorada. “Ela não sabe meu sobrenome. Ela não sabe como nos encontrar. Mas eu não tinha certeza.

Depois que aquela namorada e eu terminamos, fiquei sozinha com meu medo, o que foi um alívio.

Quase uma década atrás, em um quarto de hotel em uma cidade do sul, conheci um cliente que era outro aluno de pós-graduação. Seu nome realmente era John, e o Ph.D de John seria em ciência da computação. O meu seria em humanidades. Isso explica porque ele tinha dinheiro para contratar uma dominatrix e eu tinha tão pouco que precisava buscar por fora.

Quando John entrou no meu quarto, achei que ele era fofo. Quando ele me disse que tudo o que queria era beijar minhas botas de couro, pensei: “Dinheiro fácil”. Quando ele me disse que tinha namorada, eu me perguntei por que ele não podia beijar as botas dela de graça. (Nossa cultura realmente bagunça a cabeça dos homens que estão interessados em submissão sexual.)

“Qual é o seu nome verdadeiro?” John perguntou depois da sessão.

Não dei a ele o nome pelo qual meus amigos me chamam, Chris, mas o nome que meus pais me deram, Christina. Eu disse a ele que era estudante de Ph.D., como ele, estudando inglês. Eu contenho multidões!

Com um pouco de pesquisa, ele conseguiu encontrar meu sobrenome.

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Quando voltei para casa, ele mandou uma mensagem: “Então, doutora, o que acontece se eu começar a ter sentimentos por você e quiser vê-la em um nível diferente?”

Eu o ignorei.

Uma semana depois, usando meu nome completo, ele disse que havia lido meus artigos acadêmicos, algo que não consegui convencer nem minha namorada da época a fazer.

Minhas bochechas queimaram enquanto eu lia o texto, sabendo que era meu próprio ego que havia me atraído para um território perigoso. Eu disse a John para me chamar de “Amante Natalie”, mas não bloqueei seu número.

Naquele Natal, ele mandou uma mensagem dizendo que estava em Orange County visitando seus pais. Quando vi o número dele piscando no meu telefone, lembrei que ele sabia meu nome verdadeiro e não atendi. Ele deixou mensagens de voz raivosas, reclamando sobre como eu havia alimentado sua obsessão e o deixado esperando.

“Christina”, ele implorou, “não estrague meu Natal”.

Eu já trabalhava há alguns anos quando conheci a mulher que ainda me envia e-mails impróprios, mas poderia contar nos dedos de uma mão o número de minhas clientes mulheres. Eu gostava disso. Clientes mulheres eram mais complicadas. Eu tinha mais dificuldade em separar o profissional do pessoal. Tinha mais dificuldade em dizer “não” quando perguntavam meu nome verdadeiro.

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Na prática BDSM, o “cuidado posterior” é importante, por isso eu oferecia abraços a todos os clientes no final de uma sessão. Parecia o mínimo que eu poderia fazer. Com aquela mulher, deixei os abraços demorarem. Ela podia contar com quatro, cinco ciclos de respiração antes que eu me afastasse. Ela demoraria mais se eu deixasse.

Depois de nossas sessões, ela me mandava uma mensagem dizendo que o abraço era sua parte favorita.

A última vez que a vi, ela apareceu para me encontrar no saguão de um hotel - descalça e drogada, sem dinheiro para a sessão que havia agendado - em uma cidade onde havia rumores de que a polícia estava fazendo operações contra prostituição em hotéis de luxo.

A prática BDSM profissional existe em uma área cinzenta da lei: não é prostituição, a aceitação de dinheiro por sexo, mas apenas porque sexo é difícil de definir. Eu não achava que os policiais que conduziam uma operação provavelmente se aprofundariam nas ambiguidades, e eu não precisava de uma cliente instável que pudesse me levar à prisão. Eu tinha acabado de defender minha dissertação e estava prestes a ingressar no mercado de trabalho acadêmico. Então, dei-lhe dinheiro para tirar o carro do estacionamento do hotel onde ela havia dormido e jurei nunca mais vê-la.

Na época, eu pertencia a um coletivo de autodefesa de trabalhadoras do sexo. Passávamos horas todas as semanas treinando estratégias para desviar os toques. Praticávamos manobras destinadas a retirar as mãos da parte inferior de nossas costas, evitar que nossos pulsos fossem agarrados. Conversávamos sobre limites e como defini-los.

O coletivo levou uma hora para me persuadir a parar de me encontrar com essa mulher. Depois daquela manhã no saguão do hotel, ela ameaçou se machucar se eu não a visse novamente, mas jurei que não o faria.

“Não posso mais ter contato com você”, escrevi enquanto meu grupo de apoio assistia. “Desejo-lhe o melhor, mas você persistiu em me contatar contra minha vontade.”

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Fiz uma amiga pressionar “enviar”. Desliguei meu telefone por 12 horas, com medo de sua resposta. Tudo o que eu conseguia pensar era: ela sabe meu nome verdadeiro.

De qualquer maneira, ainda prendo a respiração quando abro minha antiga caixa de e-mail do trabalho, me preparando para declarações de amor ou pior - pensar que ela poderia descobrir onde eu moro, aparecer na minha porta e pedir outra chance de um amor que ela nunca teve.

O medo é uma arma empunhada por aqueles que querem manter os outros em silêncio, e o estigma contra o trabalho sexual facilita que nos assustem ou façam chantagem. Então, finalmente, alguns anos atrás, eu me assumi como trabalhadora do sexo. Meu nome não é mais segredo para ninguém. Não assumi porque não tenho medo. Assumi porque às vezes ainda tenho medo e sei que não estou sozinha.

Em geral, porém, eu raramente tinha medo de meus clientes, os pais atrapalhados que me mostravam fotos de seus filhos e cachorros no iPhone, os caras meigos e sem noção que pediam meus conselhos em seus perfis de namoro. Mesmo John - o aluno de Ph.D. que usou meu nome verdadeiro - ligou um ano depois, quando voltou para casa nas férias, para se desculpar. “Sou um bobo quando se trata de sentimentos”, ele escreveu. “É por isso que agi do jeito que agi.”

Ele disse que estava fazendo terapia e eu concordei em vê-lo novamente. Ele parecia arrependido, eu precisava do dinheiro e, afinal, era Natal. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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