Carlos Navarro estava comendo comida para viagem do lado de fora de um restaurante na Virgínia recentemente quando agentes de imigração o prenderam e disseram que havia uma ordem para removê-lo do país.
Ele nunca se envolveu com a lei antes, disse Navarro, 32 anos, acrescentando que trabalhava em aviculturas.
“Absolutamente nenhum episódio.”

Na semana passada, ele estava de volta à Guatemala pela primeira vez em 11 anos, ligando para sua mulher nos Estados Unidos de um centro de recepção para deportados na capital, Cidade da Guatemala.
A experiência de Navarro pode ser uma prévia do tipo de deportações rápidas sob o governo de Donald Trump para comunidades em todos os Estados Unidos, que abrigam até 14 milhões de imigrantes não autorizados.
O governo, que prometeu as maiores deportações em massa da história americana, já deu início a elas em sua primeira semana. Em seu discurso inaugural na segunda feira, Trump prometeu “iniciar o processo de retorno de milhões e milhões de estrangeiros criminosos aos lugares de onde vieram”.
A situação de Navarro oferece um vislumbre do que as deportações em massa podem significar em países latino-americanos na outra ponta do caminho da deportação.

As autoridades locais estão se preparando para receber um número significativo de seus cidadãos, embora muitos governos tenham dito que não conseguiram se reunir com o novo governo americano para falar do seu esforço de deportação.
A Guatemala, um país pequeno e empobrecido marcado por uma guerra civil brutal, tem uma população substancial de imigrantes não documentados nos Estados Unidos. Cerca de 675.000 guatemaltecos sem documentos viviam nos EUA em 2022, de acordo com o Pew Research Center.
Isso o torna um dos principais países de origem de imigrantes não autorizados nos Estados Unidos, depois do México, Índia e El Salvador, e um laboratório de como as deportações em massa também podem mudar a vida fora dos Estados Unidos.
No ano passado, a Guatemala recebeu cerca de sete voos de deportação por semana dos Estados Unidos, de acordo com autoridades de imigração, o que se traduz em cerca de 1.000 pessoas. O governo disse às autoridades dos EUA que pode acomodar no máximo 20 desses voos por semana, ou cerca de 2.500 pessoas.

Ao mesmo tempo, o governo da Guatemala vem desenvolvendo um plano — que o presidente Bernardo Arévalo chamou de “Retorno para casa” — para garantir aos guatemaltecos deportados que eles podem esperar ajuda dos consulados nos Estados Unidos e, no caso de detenção e remoção, uma “recepção digna”.
“Sabemos que eles estão preocupados”, disse Carlos Ramiro Martínez, o ministro das Relações Exteriores. “Estão vivendo com imenso medo e, como governo, não podemos simplesmente dizer: ‘Olha, também tememos por vocês’. Temos que fazer alguma coisa.”
O plano da Guatemala, que foi compartilhado em uma reunião de ministros das Relações Exteriores da região na Cidade do México na semana passada, vai além das preocupações imediatas que muitos governos da região compartilham — como abrigar ou alimentar os deportados em sua primeira noite.
Ele também aborda como reintegrar à sociedade os guatemaltecos deportados.

O plano, que se concentra em vincular os deportados a empregos e fazer uso de suas habilidades de linguagem e de trabalho, também visa oferecer suporte de saúde mental para pessoas que lidam com o trauma da deportação.
Em termos práticos, isso significa que quando os deportados saírem do avião, funcionários do governo os entrevistarão extensivamente, para obter um quadro detalhado daqueles que retornam ao país, a ajuda de que precisam e o tipo de trabalho que poderiam desempenhar.
Especialistas dizem que o plano da Guatemala parece refletir uma expectativa tácita por parte do governo Trump de que os governos latino-americanos não apenas recebam seus cidadãos deportados, mas também trabalhem para impedi-los de retornar aos Estados Unidos.
Historicamente, muitas pessoas devolvidas para suas terras natais deram meia-volta e tentaram retornar, “mesmo em circunstâncias extremas”, disse Felipe González Morales, que atuou como Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos humanos dos migrantes.

De acordo com o Departamento de Segurança Interna dos EUA, cerca de 40% das deportações em 2020 envolveram pessoas que haviam sido deportadas antes e entraram novamente no país.
A dinâmica tem sido “basicamente uma porta giratória” há anos, disse Martínez, ministro das Relações Exteriores da Guatemala, em uma entrevista.
Trump pretende mudar isso.
“Quando o mundo inteiro assistir ao presidente Trump e seu governo deportando em massa criminosos ilegais das comunidades americanas de volta para seus países de origem”, disse Karoline Leavitt, porta-voz da transição de Trump, em um e-mail, “isso enviará uma mensagem muito forte para que não venham para os EUA, a menos que planejem fazer isso dentro da lei, ou então vocês serão mandados para casa.”
O número de travessias ilegais na fronteira dos EUA já caiu drasticamente, com cerca de 46.000 pessoas tentando cruzar em novembro, de acordo com o governo dos EUA, o menor número mensal durante o governo Biden.
Espera-se que o governo Trump pressione os governos da América Latina a continuar apoiando sua repressão à imigração.

Mas o plano da Guatemala de reintegrar os deportados não é apenas uma forma de mostrar a Trump que o país está cooperando, de acordo com Anita Isaacs, especialista em Guatemala que criou o projeto para o plano.
Anita disse a respeito dos deportados: “Se pudermos encontrar uma maneira de integrá-los e aproveitar suas habilidades, então as oportunidades para a Guatemala são enormes”.
Até agora, ela disse, os deportados que desembarcavam de um avião na Cidade da Guatemala recebiam principalmente o básico, como novos documentos de identificação, suprimentos sanitários e uma carona para um abrigo ou para o principal terminal de ônibus.
Em vez disso, ela propôs que a Guatemala poderia acolher seus cidadãos recém-retornados como um ativo econômico, inclusive para seu setor de turismo.
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Como exemplo, ela apontou o caso de centenas de guatemaltecos deportados após uma invasão do ICE em 2008 em um frigorífico em Iowa que se tornaram guias de visitação a vulcões.
Ainda assim, há grandes desafios para encorajar os deportados a permanecerem em sua terra natal.
As forças que os fizeram partir em primeiro lugar ainda existem, disse Alfredo Danilo Rivera, diretor de imigração da Guatemala: pobreza extrema e falta de empregos, clima extremo agravado pelas mudanças climáticas, a ameaça de gangues e do crime organizado.
Depois, há o atrativo dos Estados Unidos, onde não há apenas mais empregos, mas os trabalhadores são pagos em dólares.
“Se vamos falar nas razões pelas quais as pessoas migram, as causas, também temos que falar sobre o fato de que elas se estabelecem lá e muitas conseguem ter sucesso”, disse Rivera.

Os deportados também sentem maior pressão para chegar aos Estados Unidos do que as pessoas que imigram pela primeira vez, disse o padre Francisco Pellizzari, diretor da Casa del Migrante, o principal abrigo para deportados na Cidade da Guatemala.
Eles frequentemente devem milhares de dólares a contrabandistas e, na Guatemala rural, pessoas pobres frequentemente entregam escrituras de suas casas ou terras como garantia de empréstimos para pagar contrabandistas, o que os deixa essencialmente sem teto se forem deportados.
“Eles não podem mais voltar”, disse o padre Pellizzari.
As medidas mais duras impostas pelo governo Biden na fronteira também levaram os contrabandistas, cientes do risco elevado de deportação, a oferecer aos imigrantes até três chances de entrar nos Estados Unidos pelo preço de uma tentativa, de acordo com o padre Pellizzari e outros.
José Manuel Jochola, 18 anos, que foi deportado para a Guatemala na semana passada após ser detido por cruzar ilegalmente a fronteira para o Texas, disse que tinha três meses para usar suas chances restantes. “Vou tentar de novo”, disse ele, embora esperasse para ver o que Trump faria.
O desejo de voltar para os Estados Unidos após ser deportado é particularmente forte entre aqueles cujas famílias estão lá.
Navarro, o homem recentemente deportado da Virgínia, disse que não se deixou intimidar pela repressão de Trump. “Tenho que voltar, pelo meu filho, pela minha esposa”, disse ele.
Uma mulher que estava no voo de deportação de Navarro, Neida Vásquez Esquivel, 20 anos, disse que era sua quarta vez sendo deportada enquanto tentava falar com seus pais em Nova Jersey. Outra tentativa não estava fora de questão, disse ela.
Mas alguns deportados dizem que o maior apelo de permanecer na Guatemala é que, por enquanto, a alternativa não parece mais tão boa.
Depois que José Moreno, 26 anos, foi deportado na semana passada após um acidente de carro por dirigir embriagado, ele decidiu não tentar voltar para Boston, onde passou uma década, por causa dos perigos de cruzar a fronteira e da atitude do novo presidente em relação aos imigrantes.

Em vez disso, ele disse que usaria seu inglês para oferecer passeios guiados em Petén, uma área na Guatemala com um lago pitoresco e ruínas maias, onde sua família tem um pequeno hotel.
“Meus pais estão aqui, eu tenho tudo aqui”, ele disse. “Por que eu voltaria?”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL