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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Quais os principais riscos geopolíticos em 2024? Leia a coluna de Oliver Stuenkel

Mundo vive fase de instabilidade geopolítica sem precedentes nas últimas três décadas

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Tudo indica que 2024 será marcado por fortes tensões geopolíticas com possíveis consequências significativas para a economia global. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) preveem um crescimento econômico global em 2024 de 2.7% e 2.9%, respectivamente, mas numerosos riscos políticos têm o potencial de impactar a economia. Cinco questões se destacam.

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Em primeiro lugar, o processo eleitoral nos EUA — que começa com as primárias em 15 de janeiro de 2024 e se encerra com a posse do presidente em 20 de janeiro de 2025 — representa o mais elevado risco político global dos próximos doze meses: os dois principais candidatos têm posicionamentos muito distintos, o pleito deve ser extremamente acirrado, e há possibilidade de judicialização e violência pós-eleitoral.

Além disso, Donald Trump pode vir a ser condenado antes do pleito, produzindo uma situação sem precedentes na história do país. Observadores e investidores, portanto, enfrentam meses de drama – afinal, um impasse constitucional prolongado poderia ter consequências não apenas para a economia americana, mas para o cenário econômico global. Além das eleições para presidente, há também o risco de a paralisia política em Washington, fruto da polarização extrema, aumentar ainda mais.

Nos Estados Unidos, Donald Trump pode vir a ser condenado antes do pleito, produzindo uma situação sem precedentes na história do país Foto: Max Whittaker/The New York Times

Em segundo lugar, a guerra em curso entre Israel e Hamas pode ter forte impacto sobre a economia global. Recentes ataques de rebeldes houthis do Iêmen não apenas contra Israel mas também contra embarcações no Mar Vermelho ameaçam reduzir a capacidade global de transporte em 20%, afetando cadeias de abastecimento, com possível aumento da inflação global.

Eles também aumentam o risco da entrada de outros atores na guerra – como, por exemplo, do Irã, que financia os rebeldes houthis. Da mesma forma, vários integrantes-chave do governo Netanyahu já ventilam a possibilidade de Israel atacar o Hezbollah no Líbano depois que o Hamas for vencido. Além disso, quanto mais durar a guerra no Oriente Médio, mais alto o risco de ataques terroristas no Ocidente. Para se ter uma ideia, no mês passado, a Alemanha e a Dinamarca detiveram supostos membros do Hamas que estariam planejando atos de terrorismo na Europa.

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Uma possível escalada da guerra entre a Rússia e a Ucrânia representa o terceiro risco geopolítico de 2024. Ganhos territoriais de Moscou poderiam levar milhões de ucranianos a fugirem da perseguição russa, com o potencial de desestabilizar a política em países como Polônia, Alemanha e França.

A Rússia deve intensificar seus ataques a alvos civis, aprofundando seu isolamento diplomático no Ocidente e limitando a capacidade de plataformas como o G20 de achar pontos de convergência – mesmo em questões não relacionadas à guerra no leste europeu.

É provável que o governo Volodimir Zelenski, sob pressão, tente aumentar a frequência de ataques de alta visibilidade tanto na Crimeia, península ucraniana atualmente ocupada pela Rússia, quanto em território russo. Além disso, grandes mobilizações tanto na Ucrânia quanto na Rússia podem afetar a estabilidade política nos dois países.

Em quarto, a frequência crescente de ocorrências meteorológicas extremas tem cada vez mais potencial de ameaçar safras mundo afora e de afetar a estabilidade política em vários países, sobretudo no Sul Global, onde algumas populações estão mais vulneráveis a flutuações dos preços de alimentos.

O Sahel, a vasta faixa árida ao sul do Deserto do Saara que vai desde o Oceano Atlântico a oeste até o Mar Vermelho a leste, o Oriente Médio e a América Central dão pistas sobre as tensões políticas e fluxos migratórios causados pelas mudanças climáticas, situação que aos poucos pode se estender para outras regiões do planeta.

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É nesse contexto também que a União Europeia acaba de aprovar, de forma preliminar, uma grande reforma no sistema migratório do bloco, a qual prevê controles mais severos da imigração. Da mesma forma, é provável que os EUA adotem igualmente postura mais rígida contra migrantes nos próximos anos.

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Por fim, as eleições presidenciais taiwanesas no dia 13 de janeiro, que devem reconduzir o Partido Democrático Progressista (DPP) ao poder, aumentam o risco de tensões no Estreito de Taiwan. Apesar de não apoiar a independência taiwanesa, o DPP é cético em relação a Pequim e busca fortalecer os laços com o Ocidente.

O governo chinês de Xi Jinping está ciente de que, a cada ano, consolida-se uma identidade nacional taiwanesa própria, muito distinta da chinesa, pois tem eleições livres e liberdade de expressão como pilares básicos. Um conflito entre China e Taiwan, mesmo sem envolvimento direto dos EUA, ainda não é o cenário mais provável, mas teria consequências catastróficas para o cenário econômico global.

O Brasil tem o privilégio de assistir à maioria desses possíveis conflitos de longe – mas isso não livra o país da necessidade de acompanhar, de perto, o cenário global em um mundo cada vez mais turbulento.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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