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Paul Krugman: Por que oligarcas petulantes como Elon Musk governam nosso mundo

As visões mais sombrias de futuro imaginavam distopias corporativistas que suprimiam a individualidade, não sociedades dominadas por plutocratas egomaníacos e melindrosos

Por Paul Krugman*
Atualização:

Alguns anos atrás - acho que em 2015 - aprendi rapidamente como é fácil se tornar uma pessoa horrível. Fui palestrante em uma conferência em São Paulo, e meu voo de chegada estava muito atrasado. Os organizadores, temendo que eu perdesse meu horário devido ao notório trânsito da cidade, providenciaram para que eu me encontrasse no aeroporto e voasse diretamente para a cobertura do hotel de helicóptero.

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Então, quando a conferência acabou, havia um carro esperando para me levar de volta ao aeroporto. E por um minuto me vi pensando: “O quê? Eu tenho que pegar um carro? A propósito, na vida real eu me locomovo de metrô”.

De qualquer forma, a lição que tirei do meu momento de mesquinhez foi que o privilégio corrompe, facilmente gera um senso de direito. E certamente, parafraseando Lord Acton, privilégios enormes corrompem enormemente, em parte porque os privilegiados normalmente estão cercados por pessoas que nunca ousariam dizer a eles que estão se comportando mal.

É por isso que não estou chocado com o espetáculo da autoimolação da reputação de Elon Musk. Fascinado, sim; quem não estaria, não é mesmo? Mas quando um homem imensamente rico, acostumado não apenas a conseguir tudo o que quer, mas também a ser um ícone admirado, se vê não apenas perdendo sua aura, mas se tornando alvo de ridículo generalizado, é claro que ele ataca erraticamente e, assim, torna seus problemas ainda piores.

Fundador da SpaceX, CEO da Tesla e da Neuralink e proprietário do Twitter, Elon Musk é atualmente o homem mais rico do mundo. Foto: Jim Watson/ AFP - 10/02/2022

A questão mais interessante é por que agora somos governados por essas pessoas. Pois estamos claramente vivendo na era do oligarca petulante.

Como Kevin Roose, do The Times, apontou recentemente, Musk ainda tem muitos admiradores no mundo da tecnologia. Eles o veem não como um pirralho chorão, mas como alguém que entende como o mundo deveria ser governado - uma ideologia que o escritor John Ganz chama de bossismo, uma crença de que os grandes não deveriam responder ou mesmo enfrentar críticas das pessoinhas. E os adeptos dessa ideologia claramente têm muito poder, mesmo que esse poder ainda não se estenda a proteger gente como Musk de ser vaiado em público.

Mas como isso é possível?

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Não é realmente uma surpresa que o progresso tecnológico e o aumento do PIB não tenham criado uma sociedade feliz e igualitária; visões pessimistas do futuro têm sido elementos básicos tanto da análise séria quanto da cultura popular desde que me lembro. Mas tanto críticos sociais como John Kenneth Galbraith quanto escritores especulativos como William Gibson geralmente imaginavam distopias corporativistas que suprimiam a individualidade – não sociedades dominadas por plutocratas egomaníacos e melindrosos que expressavam suas inseguranças em público.

Então o que aconteceu?

Parte da resposta, certamente, é a escala absoluta de concentração de riqueza no topo. Mesmo antes do fiasco do Twitter, muitas pessoas comparavam Elon Musk a Howard Hughes em seus anos de declínio. Mas a riqueza de Hughes, mesmo medida em dólares de hoje, era insignificante em comparação com a de Musk, mesmo após a recente queda das ações da Tesla.

De modo mais geral, as melhores estimativas disponíveis dizem que a participação dos 0,00001% mais ricos na riqueza total hoje é quase 10 vezes maior do que era há quatro décadas. E a imensa riqueza da superelite moderna certamente trouxe muito poder, inclusive o poder de agir infantilmente.

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Além disso, muitos dos super-ricos, que como classe costumavam ser reservados, tornaram-se celebridades. O arquétipo do inovador que enriquece enquanto muda o mundo não é novo; remonta pelo menos até Thomas Edison. Mas as grandes fortunas feitas em tecnologia da informação transformaram essa narrativa em um culto completo, com tipos aspirantes ou semelhantes a Steve Jobs em todos os lugares que você olha.

De fato, o culto ao empresário genial desempenhou um grande papel no desastre contínuo que é o mundo das criptomoedas. Sam Bankman-Fried, da FTX, não estava vendendo um produto real. Nem, pelo que se sabe, os seus ex-concorrentes que ainda não faliram: depois de todo esse tempo, ninguém apareceu com usos para criptomoedas além da lavagem de dinheiro. O que Bankman-Fried estava vendendo, em vez disso, era uma imagem, a do visionário de cabelos despenteados e roupas desalinhadas que agarra o futuro de uma forma que os normaizinhos não conseguem.

Elon Musk não está exatamente na mesma categoria. Suas empresas produzem carros que realmente dirigem e foguetes que realmente voam. Mas as vendas e principalmente o valor de mercado de suas empresas certamente dependem, pelo menos em parte, da força de sua marca pessoal, que ele não consegue evitar de destruir cada vez mais a cada dia que passa.

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No final, Musk e Bankman-Fried podem acabar prestando um serviço público, ao manchar a lenda do genial empresário que faz muito mal. Por enquanto, no entanto, as travessuras de Musk no Twitter estão degradando o que se tornou um recurso útil, um lugar onde alguns de nós fomos para obter informações de pessoas que realmente sabiam do que estavam falando. E um final feliz para essa história parece cada vez mais improvável.

Ah, e se esta coluna me banir do Twitter - ou se o site simplesmente morrer por maus-tratos - você pode acompanhar um pouco do que estou pensando, junto com os pensamentos de um número crescente de refugiados do Twitter, no Mastodon.

*Paul Krugman é colunista do New York Times desde 2008, e Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica

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