Com navios de guerra e uma saraivada de propaganda, os militares chineses lançaram exercícios em larga escala na terça e na quarta-feira para protestar contra a rejeição cada vez mais enérgica do presidente taiwanês Lai Ching-te à reivindicação de Pequim de governar a democracia autônoma da ilha.
Os exercícios envolvem forças do exército, da marinha, da aviação e de foguetes praticando uma tomada coordenada do mar e do espaço aéreo ao redor de Taiwan, bloqueando rotas marítimas taiwanesas e lançando ataques contra alvos marítimos e terrestres, disse o Comando do Teatro Oriental da China em um comunicado.
O anúncio foi acompanhado por cartazes declarando que os militares chineses estavam “se aproximando” dos “separatistas de Taiwan” e uma série de ataques pessoais incomuns a Lai. Em uma animação, o presidente democraticamente eleito de Taiwan foi retratado como um “parasita” venenoso tentando sequestrar Taiwan, até finalmente encontrar um fim ardente.

O Escritório de Assuntos de Taiwan da China chamou os exercícios de “punição severa” pela “provocação desenfreada” de Lai com ações recentes que “expuseram seu lado feio de ser contrário à paz, à troca, à democracia e à humanidade”.
Pré-invasão
“Não é apenas um exercício”, disse Huang Chung-ting, pesquisador associado do Instituto de Pesquisa de Defesa e Segurança Nacional em Taipei, um centro de estudos estratégicos financiado pelo governo. “Para dar concretude à ameaça que esses exercícios chineses representam para Taiwan, deveríamos chamá-los de uma operação de pré-invasão”.
Ao mirar especificamente em Taiwan e culpar Lai, disse Huang, a China está se envolvendo em uma “guerra cognitiva” que está gradualmente tornando os taiwaneses insensíveis às ameaças reais que enfrentam.


O Partido Comunista Chinês nunca governou Taiwan, mas chama a ilha de 23 milhões de habitantes de seu “território sagrado”. O poderoso líder do partido, Xi Jinping, descreve a unificação de “inevitável” e regularmente ameaça assumir o controle pela força se Taipei se recusar a se submeter.
As tensões no Estreito de Taiwan continuaram a aumentar desde que o presidente Donald Trump entrou na Casa Branca, enquanto Pequim e Taipé tentam descobrir se a política externa dele pregando os “Estados Unidos em primeiro lugar” significa que os americanos recuarão na proteção de Taiwan.
Enquanto os EUA são obrigados por lei a ajudar Taiwan a reforçar suas próprias defesas, Washington sempre foi deliberadamente vago a respeito do envio de tropas americanas para ajudar a afastar uma invasão chinesa.

Preocupação
Muitos em Taipé observaram o apoio decrescente de Trump à Ucrânia com preocupação de que Taiwan pudesse ser a próxima vítima, embora esses temores tenham sido parcialmente aliviados por um memorando interno do Pentágono assinado pelo Secretário de Defesa Pete Hegseth pedindo que os militares dos EUA priorizem a dissuasão de uma tomada chinesa de Taiwan.
Pequim tentou minar Lai explorando dúvidas crescentes quanto ao apoio americano.
“A história prova que os EUA só dão a Taiwan um apoio superficial ‘sólido como uma rocha’, enquanto há muito se preparam para ‘abandonar Taiwan’ por seus próprios interesses”, disse o jornal estatal chinês Global Times na terça feira.
Pequim especialmente não gosta de Lai e do Partido Democrático Progressista que ele lidera, por defenderem anteriormente a independência formal. Como vice-presidente e depois como presidente, Lai suavizou sua posição e prometeu se concentrar em manter a paz no Estreito de Taiwan.

Mas Pequim novamente expressou indignação no mês passado quando Lai rotulou a China de “força hostil estrangeira” e reviveu os tribunais militares da era da lei marcial para punir espiões chineses. Ele também prometeu aumentar os gastos com defesa para 3% do produto interno bruto, o nível mais alto em uma década.
Da perspectiva de Pequim, a designação de Lai foi “outro grande passo no caminho de provocar a independência de Taiwan”, disse Xin Qiang, diretor do Centro de Estudos de Taiwan da Universidade Fudan em Xangai.
Rotular a China como uma potência estrangeira é “uma grande provocação política para Pequim e bloqueia as expectativas do continente por uma reunificação pacífica”, disse Xin.
Além de chamá-lo de parasita, os militares chineses também o acusaram de táticas semelhantes às de Joseph McCarthy para derrubar seus oponentes políticos e o compararam ao chefe demoníaco do jogo “Black Myth: Wukong”, um popular videogame chinês.
Saiba mais
“Queremos alertar o governo Lai de que, se eles continuarem buscando a ‘independência’, o Exército de Libertação Popular tomará novas medidas”, disse o tenente-coronel Fu Zhengnan, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Militares, administrada pelo estado, à mídia estatal.
O professor Zheng Jian do Instituto de Pós-Graduação em Estudos de Taiwan da Universidade de Xiamen até comparou Lai a Adolf Hitler no uso do populismo para conduzir os jovens contra a China.
O gabinete de Lai condenou os exercícios na terça feira e chamou Pequim de “encrenqueiro reconhecido” por seu assédio militar na Ásia-Pacífico. “A determinação de Taiwan em manter a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan permanece inalterada”, disse a porta-voz Kuo Ya-hui.

Ameaças
Pequim frequentemente usa ameaças extremas para colocar pressão psicológica sobre os líderes de Taiwan e minar a esperança do povo taiwanês em sua capacidade de se defender contra um ataque chinês.
No entanto, essas táticas são cada vez mais combinadas com preparativos no mundo real para uma invasão.
Pequim encenou exercícios semelhantes em larga escala com regularidade crescente nos três anos mais recentes para sondar as defesas de Taiwan. O Exército de Libertação Popular frequentemente usa os exercícios para imitar bloqueios ou potenciais linhas de ataque.
Não estava claro quão grandes serão os exercícios atuais ou quanto tempo eles durarão. Ao contrário das rodadas anteriores, o Comando do Teatro Oriental não deu uma data de conclusão planejada nem anunciou zonas de exclusão que indicariam a escala das operações planejadas.

O Ministério da Defesa de Taiwan disse que a China enviou 71 caças e 21 navios de guerra, incluindo um grupo de ataque de oito porta-aviões, para o ar e os mares perto de Taiwan entre 7h e 15h30, horário local, terça feira.
Seis equipes de navios da Guarda Costeira Chinesa também participaram dos exercícios, com duas embarcações entrando em águas restritas perto de Dongyin, uma das ilhas periféricas de Taiwan, na terça feira, disse a Guarda Costeira de Taiwan.
Desta vez, a China parece estar se concentrando na “capacidade de um único teatro de comando de conduzir operações conjuntas entre o exército, a marinha, a força aérea e as forças de foguetes”, disse Lin Ying-yu, um especialista militar chinês na Universidade Tamkang em Taipei.
O aumento gradual da atividade em frequência e complexidade levanta a possibilidade de “os exercícios se transformarem em um conflito real”, disse Lin. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL