Putin declara lei marcial em regiões anexadas da Ucrânia em um esforço para aumentar seu controle

Decreto amplia os poderes de repressão do Kremlin em Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia, além de aumentar capacidades restritivas de líderes em todas as regiões russas

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Por Redação
Atualização:

MOSCOU - Em uma medida que visa ampliar poderes de repressão e controle na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, declarou uma lei marcial nesta quarta-feira, 19, em quatro regiões recentemente anexadas de forma ilegal por Moscou. Embora ainda não esteja claro o que de fato a medida muda para o Kremlin, a lei pode permitir às autoridades pró-Rússia impor ainda mais restrições aos civis, incluindo realocações forçadas, como a que parece já estar ocorrendo no sul.

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Por meio de um decreto, Putin declarou a lei marcial em Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia – cuja anexação pela Rússia no mês passado foi condenada internacionalmente como um movimento ilegal. Com a determinação, oficiais militares assumirão a responsabilidade direta pelas funções dos governos civis nessas regiões. Mas não está claro o que exatamente a introdução da medida mudaria no campo de batalha, já que as forças russas perdendo terrenos nesses mesmo territórios.

Em um sinal de temores frente aos reveses nas últimas semanas, os representantes russos na região sul de Kherson começaram a realocar civis em aparente antecipação de uma grande luta pela capital regional.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante conferência por vídeo com membros do Conselho de Segurança Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik/Kremlin/EPA/EFE

Putin não especificou imediatamente os poderes que a lei marcial concederia. Mas na prática, ela pode permitir às autoridades impor toques de recolher, confiscar propriedades, reassentar residentes à força em outra região, prender imigrantes indocumentados, estabelecer postos de controle e deter pessoas por até 30 dias. A câmara alta do Parlamento russo, o Conselho da Federação, aprovou a lei marcial por unanimidade.

Especialistas disseram que esta foi a primeira vez que o Kremlin declarou lei marcial desde a 2ª Guerra Mundial - um movimento notável, já que Putin continua chamando sua invasão da Ucrânia de “operação militar especial” em vez de guerra.

O presidente também ordenou a criação de forças de defesa territorial, uma espécie de milícia civil, nas quatro regiões anexadas, levantando a possibilidade de que as forças de Moscou tentem recrutar ucranianos para combater contra suas próprias forças.

A tentativa de obrigar os ucranianos a lutar contra outros ucranianos é parte de um esforço mais amplo para mobilizar centenas de milhares de novos combatentes, já que suas forças sofrem grandes baixas em meio à pressão da Ucrânia para retomar o território.

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“A ação da Rússia não muda nada [para a Ucrânia]”, disse o assessor do presidente ucraniano Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, no Twitter. “A implementação da ‘lei marcial’ nos territórios ocupados deve ser considerada apenas como uma pseudo-legalização do saque de propriedades dos ucranianos por outro ‘reagrupamento’”, disse. “Continuaremos a liberação e desocupação do nosso território”.

Mudanças na Rússia

O decreto também permite que medidas significativamente mais restritivas sejam introduzidas em regiões da própria Rússia, inclusive em Moscou, para controlar mais rigidamente instalações de infraestrutura crítica, transporte público e comunicações.

“Na situação atual, considero necessário dar poderes adicionais aos líderes de todas as regiões russas”, disse Putin no início de uma reunião de seu Conselho de Segurança russo por videoconferência.

Com esta fala, Putin leva para dentro de seu território a guerra ao permitir a introdução de medidas mais restritivas em casa, em um momento em que o presidente vem sofrendo diversas críticas pelas perdas russas na guerra.

O decreto, que foi publicado no portal oficial do governo durante o discurso de Putin, afirma que “para atender às necessidades das Forças Armadas”, algumas restrições serão introduzidas em oito regiões russas vizinhas, incluindo as áreas de Belgorod e Krasnodar que se veem no meio da invasão de Moscou e da contraofensiva ucraniana.

Com isso, essas áreas ficam sob o estado de nível médio de resposta, permitindo que as autoridades russas afastem as pessoas de áreas potencialmente perigosas, restrinjam seus movimentos e aumentem a segurança de locais militares e de infraestrutura críticos.

Retirada em Kherson

Em um sinal de reconhecimento tácito por parte de Moscou de que outra derrota no campo de batalha pode estar se desenhando, suas forças organizaram a retirada de civis de uma das primeiras grandes cidades que tomaram no início da guerra que se aproxima de seu oitavo mês.

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Com uma contraofensiva ucraniana em direção a Kherson, a batalha pela cidade do sul de mais de 250.000 pessoas, indústrias e um grande porto é um momento crucial para a Ucrânia e a Rússia que se aproximavam do inverno, quando as linhas de frente podem ficar congeladas por meses.

Na região, que é coberta pela ordem da lei marcial, as forças ucranianas reverteram as posições russas na margem oeste do Rio Dnieper. Ao retirar os civis da principal cidade, que fica de costas para o rio, e fortificar as posições ali, as forças russas parecem esperar que as águas sirvam como barreira natural contra o avanço ucraniano.

O que antes eram pequenas retiradas de pessoas da cidade, nos últimos dias se tornou uma multidão. A televisão estatal russa mostrou moradores se aglomerando nas margens do Dnieper, muitos com crianças pequenas, para atravessar de barcos para o leste – e, de lá, para mais fundo no território controlado pelos russos.

Na cidade, as autoridades russas simularam temores de um ataque, aparentemente para persuadir os moradores a sair. Mensagens de texto alertaram os moradores para esperarem bombardeios, informou a mídia estatal russa.

Vista aérea da cidade de Kherson, onde forças russas fazem a retirada de civis temendo uma contraofensiva ucraniana Foto: Andrey Borodulin/AFP

Um morador contatado por telefone pela agência Associated Press descreveu colunas de veículos militares deixando a cidade, autoridades instaladas em Moscou lutando para carregar documentos em caminhões e milhares de pessoas fazendo fila para balsas e ônibus.

“Parece mais um pânico do que uma retirada organizada. As pessoas estão comprando os últimos mantimentos restantes em mercearias e estão correndo para o porto de Kherson, onde milhares de pessoas já estão esperando”, disse o morador Konstantin, cujo último nome não foi revelado por motivos de segurança.

Andri Iermak, chefe do gabinete presidencial ucraniano, chamou a retirada de “um show de propaganda” e disse que as alegações da Rússia de que as forças de Kiev podem bombardear Kherson eram “uma tática bastante primitiva, já que as Forças Armadas não disparam contra cidades ucranianas”.

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O analista militar ucraniano Oleh Zhdanov disse que a operação pode ser um precursor para combates intensos e táticas “mais duras” do novo comandante da Rússia para a Ucrânia, general Sergei Surovikin.

“Eles estão preparados para varrer a cidade da face da Terra, mas não para devolvê-la aos ucranianos”, disse Zhdanov em entrevista. “Os russos querem mostrar que a contraofensiva da Ucrânia terá uma resposta dura do Kremlin, que declarou esses territórios como parte da Rússia, e é assustador pensar em como essa resposta pode ser.”/AP, NYT e W.POST

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