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Relatório diz que tática da Ucrânia coloca civis em risco; Kiev acusa ‘falsa equivalência’

Documento produzido pela Anistia Internacional diz que as forças ucranianas expuseram civis aos bombardeios russos ao utilizarem escolas, hospitais e residências como bases militares

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Por Redação

KIEV - Um relatório publicado pela Anistia Internacional na última quinta-feira, 4, apontou que as forças ucranianas expuseram civis a riscos de ataques russos ao utilizarem escolas, prédios residenciais e outros lugares em áreas povoadas como base militar. A Ucrânia, no entanto, rejeitou o documento acusando a organização de fazer uma falsa equivalência de forças entre Kiev e Moscou e ‘culpar a vítima’.

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No documento, a Anistia Internacional disse que seus pesquisadores “encontraram evidências de forças ucranianas lançando ataques de dentro de áreas residenciais povoadas, além de se basear em edifícios civis em 19 cidades e vilarejos”. A organização também disse ter encontrado forças ucranianas usando hospitais como bases militares em cinco lugares, em “uma clara violação do direito internacional humanitário”. O relatório observou que as partes de um conflito devem “evitar localizar, na medida do possível, objetivos militares dentro ou perto de áreas densamente povoadas”.

Os combatentes também devem remover os civis das “proximidades dos objetivos militares” e alertar sobre possíveis ataques, disse o relatório, acrescentando que “existem alternativas viáveis que não colocariam em perigo os civis, como bases militares ou áreas densamente arborizadas próximas, ou outras estruturas mais distantes, longe de áreas residenciais”.

Um morador local observa os escombros de um prédio destruído em Toretsk, leste da Ucrânia, em 5 de agosto de 2022, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Bulent Kilic/AFP

Ao mesmo tempo, seus autores enfatizaram que “a prática dos militares ucranianos de localizar objetivos militares em áreas povoadas não justifica de forma alguma ataques russos indiscriminados”. Segundo o documento, os bombardeios russos mataram civis e destruíram infraestruturas não-militares.

O relatório foi produzido com base em visitas de especialistas entre abril e junho em Kharkiv, Donbas e Mikolaiv. “A Anistia inspecionou locais de ataque, entrevistou sobreviventes, testemunhas e parentes de vítimas de ataques e realizou análises de sensoriamento remoto e armas”, diz o documento.

Além de relatos de testemunhas, a Anistia Internacional contou com imagens de satélite. Seus pesquisadores ouviram disparos de posições ucranianas próximas enquanto examinavam áreas residenciais danificadas nas três regiões. A região de Donbas, que consiste nas províncias de Donetsk e Luhansk, é onde os combates mais intensos da guerra ocorreram desde abril.

O agricultor local Alexander Selezniov mostra sua fazenda danificada durante o conflito Ucrânia-Rússia na vila de Kamyanka, controlada pela Rússia, na região de Zaporizhzhia, em 4 de agosto de 2022  Foto: Alexander Ermochenko/Reuters

O documento corrobora o que jornalistas da agência Associated Press relataram ter observado nas últimas semanas, incluindo as consequências de ataques com armas no leste da Ucrânia, onde combatentes ucranianos, seus veículos ou itens como munição estavam nos locais de ataque.

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Em dois locais, os jornalistas foram informados de que soldados haviam sido mortos. Em um terceiro, equipes de emergência impediram os repórteres de filmar as vítimas de um bombardeio em um prédio residencial, o que era incomum. Moradores disseram que militares estavam hospedados lá.

Reação da Ucrânia

Autoridades ucranianas disseram estar indignadas com as conclusões do relatório. O presidente ucraniano Volodmir Zelenski denunciou com raiva o relatório, dizendo que a Anistia Internacional “tenta anistiar o Estado terrorista e transferir a responsabilidade do agressor para a vítima”.

“Se você fornecer relatórios manipuladores”, disse Zelenski em seu discurso noturno em vídeo, “então você compartilha a responsabilidade pela morte dessas pessoas com o russos”.

O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, divulgou uma declaração em vídeo denunciando o relatório como “injusto” e expressando sua indignação. “Tal comportamento da IA não é buscar a verdade e trazê-la ao mundo, é criar um falso equilíbrio entre um criminoso e uma vítima, entre um país que está aniquilando as populações civis às centenas e aos milhares, [está destruindo] cidades e áreas inteiras, e um país que está se defendendo desesperadamente, salvando seu povo e o continente dessa invasão”, disse Kuleba.

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O ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, também opinou com um post no Facebook. “Qualquer tentativa de igualar a agressão russa não provocada e a autodefesa da Ucrânia, como é feito no relatório da Anistia Internacional, é evidência de perda de adequação e uma maneira de destruir a autoridade de alguém”, escreveu Reznikov.

O conselheiro presidencial Mikhailo Podoliak, por sua vez, acusou o grupo no Twitter de participar de uma “campanha de desinformação e propaganda” de Moscou para desacreditar as forças armadas da Ucrânia.

Moscou celebra relatório

Autoridades russas e a mídia pró-Kremlin citaram amplamente o relatório, cujas descobertas se aproximam da narrativa oficial de Moscou. A Rússia justificou ataques a áreas civis alegando que combatentes ucranianos estão montando posições de tiro lá.

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“Estamos falando sobre isso o tempo todo, chamando as ações das forças armadas da Ucrânia de táticas de usar a população civil como um ‘escudo humano’”, escreveu a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, no Telegram sobre o relatório.

Soldados ucranianos também costumam se basear em escolas, disse a Anistia. Embora as escolas da Ucrânia tenham sido fechadas desde a invasão da Rússia, a maioria fica perto de bairros residenciais. Os pesquisadores do grupo de direitos humanos encontraram soldados ou evidências de atividade militar em 22 das 29 escolas visitadas.

“Em pelo menos três cidades, após o bombardeio russo às escolas, soldados ucranianos se mudaram para outras escolas próximas, colocando os bairros vizinhos em risco de ataques semelhantes”, disse o relatório.

As autoridades ucranianas pediram repetidamente que os moradores remanescentes da região de Donetsk se retirasse, mas recomeçar em outro lugar não é tão fácil. Dezenas de milhares de pessoas que deixaram suas casas desde a invasão da Rússia voltaram depois de ficarem sem apoio ou se sentirem rejeitadas.

A AP informou na semana passada que um civil que havia sido retirado foi morto em um ataque com mísseis dois dias depois de voltar para casa na cidade de Pokrovsk, em Donetsk. Vizinhos expressaram raiva porque os combatentes ucranianos estabeleceram uma base em sua área residencial nos arredores da cidade. Enquanto os jornalistas da AP olhavam para a cratera do míssil, um combatente uniformizado se aproximou do terreno adjacente e questionou sua presença.

Na cidade de Kramatorsk, mais próxima da linha de frente, moradores disseram após um ataque em uma área residencial que soldados estavam hospedados lá. Jornalistas viram soldados entrando e saindo de um prédio de apartamentos em Kramatorsk atingido por um ataque separado.

As táticas alternativas que a Anistia sugere que as forças ucranianas sigam – basear-se em florestas ou estruturas mais distantes de áreas residenciais – não são realistas, de acordo com John Spencer, major aposentado do Exército dos Estados Unidos e especialista em estudos de guerra urbana do Madison Policy Forum.

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“Dizer ‘não fique nas áreas urbanas’ não faz sentido”, disse ele. “Os russos estão avançando para tomar cidades. Os ucranianos precisam se defender nas cidades para impedir que isso aconteça.”

E acrescentou: “Se os ucranianos saíssem para o campo aberto e trouxessem a luta para os militares russos, a guerra já teria terminado – todos eles teriam morrido”.

A Anistia Internacional, que também acusou repetidamente a Rússia de crimes de guerra, manteve seu relatório. Na manhã de quinta-feira, sua secretária-geral, Agnes Callamard, comentou no Twitter: “Para aqueles que nos atacam alegando preconceitos contra a Ucrânia, digo: verifiquem nosso trabalho. Estamos ao lado de todas as vítimas. Imparcialmente.”

O escopo completo do problema é desconhecido. Um relatório da Human Rights Watch no mês passado identificou três ocasiões em que as forças ucranianas foram baseadas em residências e quatro ocasiões em que as forças russas estabeleceram bases militares em áreas populosas da Ucrânia./AP e NYT

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